Porque a produção publicitária é tão tosca?

Existem poucas histórias. Talvez uma única. Um herói que se dá bem no começo e acaba se dando mau no final. Ou o contrário. E existe uma única estrutura para contá-la: “é assim”, “não é bem assim”, “e ficou assim”. Ou uma baguncinha dessa lógica.

Assim como Haydn criou algumas centenas de sinfonias em apenas 24 tonalidades, 7 notas, 5 linhas na pauta e só duas claves, escreve-se aos borbotões há milênios, e é sempre a mesma coisa. Da bíblia aos panfletos evangélicos, de Boccaccio a Dan Brown, de Montesquieu a Jabor, do Gorila da Cadbury a … cite uma propaganda porcaria, são tantas…

Não se criam histórias novas há milênios, e por isso tenta-se relativizar: é original nessa linguagem, é inovador para essa categoria, é totalmente surpreendente para essa marca.

Quando queremos contar histórias, na televisão ou no cinema, no namoro ou no boteco, na literatura ou na propaganda, a arte está no contar e não na história.

Sofismas à parte, a gente persegue demais a história e de pouco o contar. E contar é “como” e não “o quê”.

Isso tem duas conseqüências desastrosas – pelo menos duas – para a qualidade da nossa propaganda.

A primeira é o calvário paralisante do arsenal de pesquisas que tentam dar colo à insegurança. As pesquisas contam a história para as pessoas em formatos primitivos, animatics, storyboards e outras monstruosidades, nivelando sua capacidade de apreciação abaixo da linha do analfabetismo funcional.

O segundo desastre é a qualidade das produções que são precisamente o coeficiente “contar”. Como a história parece mais importante do que a forma de contá-la, de que vale o acting, a locação, os efeitos, a música?

“Economiza aí que isso não é importante. Faça um filminho vagabundo, desses que tem na Internet que dão milhões de views. O importante é a história”, como se qualidade de produção fosse a mesma coisa que qualidade da imagem, como se os consumidores que perseguimos, ignorantes, pobres e burros presumidos, não se acotovelassem para ver o “Avatar” da vez nos cinemas. Blockbuster com uma história bunda em um contar inebriante.

7 thoughts on “Porque a produção publicitária é tão tosca?

  1. Eu leio seu blog há algum tempo (mesmo que sem periodicidade), mas nunca comentei. Dessa vez vc tocou num assunto que me interessa e eu concordo contigo.
    O negócio da história se reinventar e o formato ser inventado é algo que existe há muito tempo, como vc mesmo citou.
    A tragédia grega refeita no renascentismo e até hoje utilizada nos filmes, a música classica austro-hungara sendo base de todas as sinfonicas no Mundo inteiro.
    O negócio é que o formato, infelizmente toma conta do conteúdo, mas propaganda não é arte, não é entretenimento, é venda.
    E é nisso que a mediocridade aparece.
    Concordo que contar uma boa história, fazer uma seqüência bacana de histórias (ex. Skol) é um modo mais bacana de comunicar. Mas eqto o produto vender, a forma e a história serão medíocres. É uma briga de escolas (britanica, norte-americana) e nós estamos no meio de aprovações em que a palavra final vem de um resultado numa pizza feita no excel.
    O que fazer? Como assistente de planejamento de uma agencia promo, não sei, e acho que mesmo os senhores da propaganda não sabem.

    abs.
    Fabio

  2. falando de um assunto meu cotidiano, uma pergunta simples e sem resposta: por que por exemplo o cliente que gasta milhões em midia, milhões com a própria agencia e chora por alguns míseros mil reais nos cachês dos modelos? é inacreditável, uma modelo de 3 mil reais é infinitamente pior, mais cafona, que uma modelo de 7 mil, e ela será a cara da campanha. o cara economiza 4 mil, um jantar com bom viinho digamos, em milhões investidos, e tem que engolir uma modelo com cara de desconto. É muito absurdo. Estou sofrendo esta semana com isso, numa campanha nacional, com filme, 3D, tudo investido, e modelos de merda. Aff, como são burros.

  3. Puta texto, gostei muito. Agora, se me permite, desfiarei o rosário. Seguindo esse raciocínio, só existe um livro também, em toda a literatura mundial: retangular, cheio de folhas de papel dentro. Essa é a estrutura física do livro, assim como você definiu algumas estruturas lógicas da história, mas daí a concluir que a história ou o livro se resumem a isso, vai uma boa dose de mau-humor. E mau-humor é bom, então parabéns. Concordo com você que o jeito de se contar uma história é tão importante quanto a história em si. O ideal, pra ser óbvio, é uma boa história contada de um jeito fodão. A falha numa coisa nunca compensa o acerto na outra. Mas não acho que o pessoal por aí persiga tanto a história quanto você diz. Minha impressão é que primeiro se descartou a história e se supervalorizou a forma, e hoje, depois do sucesso dos “virais”, está se descartando a produção também. Resumindo, a coisa não está boa.

    1. Não tá nada boa. E aquilo q vc chama de “mau-humor” eu chamo de sofisma. Conscientemente, sofismei, como sou um mau humorado confesso. E sofisma (ou mau humor) é um recurso infalível para chamar a atenção.

  4. Prezado Alphen, adoro sua coluna e te admiro por ela (o que não nos faz amigos ou cúmplices). E mais uma vez gostei, mas achei este seu post um tanto confuso: começou com Haydn, passou pela Bíblia, mas na verdade é sobre propaganda, criação ou execução?, e termina em Avatar. Os comentários também muito pertinentes dão exemplos reais, mas pontuais. Perdoe o bom humor, mas não acho a nossa produção publicitária tosca, não. Olhando para o top, claro, ainda somos um dos mercados mais criativos e evoluidos do mundo (e essa não é simplesmente minha opinião pessoal, é também a avaliação das principais referência do “Business”).
    O que não está nada bem mesmo, e aí o problema é mundial e essencialmente “Business” é a questão financeira, especialmente a sobrevivência das agências, assunto que vc aborda (com um foco muito interessante) no outro post.

  5. Nos anos 80 vivíamos a dinastia da superprodução. Comerciais da Nike com fotografia impecável, Hollywood rodando com F1 na neve, Calvin Klein em ads non sense, tudo bonitinho: diretor de cena, fotografia, trilha, 35mm…Tudo cinematográfico. E fabulosamente caro. Muita coisa disso já não cabe na publicidade de hoje, é certo. Era uma época de exageros, glamour, yuppies, produção pela produção, comunicação de uma via só e a arrogância das marcas. O mercado mudou. O consumidor também. Mas nem toda produção é tosca. Acontece é que a propaganda sempre bebeu nas águas do cinema, filmes em película, roteiro, Sharon Stone vendendo sorvete na cama…. Aí, veio a Phada de Blair, com aquela emulação de coisa caseira e abriu algumas portas. Oportunidades para quem não tem: (a) verba, (b) talento, (c)bom gosto (d) todas as alternativas anteriores, produzir de forma caseira, amparados por uma tendência. Daí, a tendência virou desculpa pra material ruim, mau gosto, amadorismo. Tudo muito bem travestido de guerrilha e viral. Até funciona, mas mesmo pra isso tem de se ter profissionalismo. Fazer parecer ruim não é fazer ruim. Dá mais trabalho e exige que se tenha primeiro um bom material, e só então desconstruir.
    Com relação ao “quê” e ao “como”, Avatar foi um bom exemplo. Uma história contada várias vezes no cinema – Já instalada no inconsciente coletivo – Nos deixa livres de raciocinar pra compreender o roteiro, e sobra atenção para a tecnologia, o verdadeiro produto do filme. Aparentemente, o público/consumidor gosta muito do “como”. Na propaganda continua igual, só que o verdadeiro produto do filme é o produto mesmo.

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