A Londres daqui não tem a menor graça

A gente aprendeu, a vida inteira, que a educação funciona como uma caixa de ressonância de referências. Como se, ao longo de nossas vidas, fossemos conectando-nos indelevelmente a outros aprendizados, e costurando assim,  nossas próprias referências que não passam, sempre, de recitações colhidas por aí. É por isso que apreciamos, valorizamos e enaltecemos quem tem muitas “referências”.

A gente diz “fulano é viajado, sabe das coisas”.

Dona Conceição, enviuvou e foi ver o mundo. Foi de pacote, ver os cartões postais ao vivo e a cores. Gostou muito e não parou nunca mais. Mas da primeira vez, quando voltou, trouxe muitas recordações. Chamava o povo em casa e contava que a Torre de Pisa era torta mesmo, a torre Eiffel dava enjôo de subir, a de Londres povaréu danado pra cima e pra baixo, sem falar das cantoria nos canais de Veneza e da Via Condotti, ah a via Condotti!

–       Sabe fia, essa Via Condotti que falam tanto. É muito linda mesmo. Linda demais. Mas cá entre nós, assim, não é que eu estou ficando blasé – aprendi essa, que tal? – mas a Via Condotti é mais ou menos nossa Avenida Independência aqui de Bauru, sabe?

Com o tempo, a gente vai sacando, no entanto, que tantas referencias enjoam. Das duas uma, ou a gente não consegue mais achar graça em nada ou embanana tudo. Como o Monsieur e Madame Franck.

Eles estavam aposentados, com um bom dinheiro no banco e sem genro para sustentar. Viajavam muito e mandavam cartões para todos. Mas eles já não eram mocinhos e a gente recebia uma linda foto de Madri com palavras singelas “Paris é inesquecível, salut a tous!” ou de Moscou: “Londres says hello!”.

Do outro lado do espectro, aqui da torre de marfim, a gente gargareja demais nossas incríveis referências. Conectados ao extremo que estamos, perdemos totalmente a capacidade de processamento inteligente das informação. E por processamento, entenda-se criação.

O que é sucesso no e do Brasil? Novela? Samba? Futebol? A banda Calypso? O hip hop, forró e baile funk? Ou se preferirem casos mais chiques, um tipo de arquitetura, um tipo de design, a Bossa Nova? Exemplos emblemáticos da antropofagia de referências. Quando a gente come o que vem de outros lugares, mastiga, cospe, engole de novo, mastiga de novo, faz uma mistura e cospe outra coisa. Igual mas diferente. É assim que a gente construiu nossa identidade tão gostosa. Desse talento aí de introduzir nossas coisas sem preconceito, sem arrependimento, sem vergonha.

Precisamos urgentemente de um tratamento de desintoxicação de referências na propaganda brasileira. A semi-ignorância é uma dádiva para quem tem talento.

One thought on “A Londres daqui não tem a menor graça

  1. @sheilinhha Veja no regulamento: é necessário registrar o processo de criação da peça em foto ou vídeo onde a pessoa inscrita apareça. 😉

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