Exercício de marxismo publicitário

Toda coisa tem um valor de uso que é dado pela sua utilidade. Que você more no deserto ou no pantanal, o valor de uso da água, matar a sede, por exemplo, é o mesmo.

Mas, justamente porque caímos do Éden faz muito tempo e tivemos que nos ajustar às situações adversas que a cobra nos reservou, inventamos um valor de troca para todas as coisas. Esse valor é atribuído em função da sua abundância ou escassez. O valor de troca não tem nada a ver com o valor de uso; veja o diamante, por exemplo: não serve para quase nada, mas custa uma fortuna.

O valor de troca se sofisticou tanto com o tempo que a gente nem sabe mais direito como é que o povo anda calculando as coisas. Tem também aquele lance da mais-valia, que é aquela grana que os donos da parada ganham pra comprar iates, ferraris, mulheres. Isso sem falar da bufunfa dos panetones, que é o que a gente paga para ter saúde, educação e usinas de energia em terra indígena.

Um produto, por exemplo, uma escova de dentes, tem um valor de uso: escovar os dentes (e engraxar sapatos). Quando você assiste televisão, vê muitos deles, depois do plim plim. Nas propagandas, você fica sabendo como é que faz para usá-los, e os publicitários se esforçam para te explicar isso, porque você sempre pode aprender algo novo.

Tem um outro tipo de propaganda que desencana totalmente de explicar o padre-nosso ao beato e só chama mesmo a atenção para o valor de troca da coisa. É bem útil isso, porque, mesmo que você não esteja nem um pouco a fim de comprar uma televisão nova, ela parece tão barata, tão barata, que você se lembra de que, no banheiro, você ainda não tem nenhuma.

Daí, um belo dia, alguém sacou que esses tipos de propagandas, “de uso” e “de troca”, não eram suficientes para ganhar dinheiro, porque os iates, as ferraris e as mulheres estavam pela hora da morte. Fora os panetones!

Então inventaram que um produto poderia ter uma marca – como se fosse um nome pra coisa – que tivesse um significado transcendental, simbólico e outras psicologias bem impressionantes. Seria uma loucura, porque daí a gente poderia colocar o preço que quisesse. Transcendental, simbólico e impressionante. Afinal de contas, fé e esperança não têm preço. Uma simples escova de dente, a “Super Geringonça Plus”, poderia ser a porta da esperança, o umbral do sucesso, o hall da fama.

E assim nasceu um novo valor, o “emocional”, que obviamente não tem nada a ver com o uso e que é sempre, por definição, muito maior que o de troca.

Parecia o ovo de Colombo, a pedra filosofal, o Eldorado, principalmente porque quase todo mundo já aprendeu a escovar os dentes e dá vergonha cagar na frente da moça da TV. Ninguém mais presta atenção nas propagandas “de uso” e “de troca”.

Mas quem me explica por que diabos a propaganda ainda trata a gente como porco ou desavergonhado? Ignorante ou perdulário?

4 thoughts on “Exercício de marxismo publicitário

  1. sabe como é, uma coisa só é assustadora para quem ficou com medo..

    ou se vc estiver meio com preguiça de charada, porco ou desavergonhado, Ignorante ou perdulário, devem ser os olhos e o coração daquele que vê assim…

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