À maneira dos tímidos, ele entrou lentamente, com as mãos nos bolsos e o olhar varrendo o carpete. O encontro reuniu em volta da mesa muitos potentados que gesticulavam e conversavam com animação antes de iniciarem os trabalhos. Ele estava cansado, mal tinha conseguido dormir na véspera. A reunião começou. Focado, ele ouviu, mais uma vez, a construção cuidadosa do raciocínio.
Como sempre acontece, a história tem início com um plano aberto, descortinando uma enorme paisagem. E, aos poucos, o olhar focaliza as formas, os gestos, os humores. Começa descritiva e detalhada. Muitas informações. Organizadas. Minuciosas. Ele sabia todas. Todas aquelas coisas. Todos aqueles inventários.
Em todas as histórias, também há muitos caminhos. Eles se perdem no início e se organizam no final. A história, como todas, tem inúmeros obstáculos, intempéries, acidentes. Ele conhecia todas aquelas etapas. Todas as alternativas. Os desdobramentos. Tudo.
Uma história é feita de picadas na floresta escura dos dados. Toda história tem um final. E o final era dele. Só dele.
Ele se levantou, olhou para a plateia que segurava o fôlego. Com cerimônia, projetou na parede uma enorme planilha, cheia de quadrados – em cada quadrado, mais quadrados. Muitos quadradinhos. Muitos. Nem cabiam na parede. Precisava de mais parede. E ele foi contando um por um.
“If this, then that; if this, then that; if this, then that.” “Se isto, então aquilo” por mais de uma hora.
Durante uma hora, ele disciplinadamente preencheu todos os quadradinhos, um por um. Se for assim, assado. Se fulano, assim. Se beltrano, assado. Primeiro assim, depois assado. Depois de assado, assim de novo. Assim e assado. Assado e assim. Fulano, beltrano e sicrano. Se nem fulano, nem beltrano; então, nem assim, nem assado. E se nem assim, nem assado. Outro assim, outro assado, outro fulano, outro beltrano, outro sicrano.
Ninguém dormiu na reunião. Todo mundo prestou atenção. Todos os dignatários estavam satisfeitos.
Foi então que, do fundão do seu torpor pós-coito, lá no fundo, bem no fundo, uma ideia despertou – singela, inocente, pura. Uma ideia que, como todas as ideias, nasce de muito pouco: uma fresta na parede, um ventinho que arrepia a nuca.
Como todas as ideias, ela era tímida e, com as mãos nos bolsos, entrou lentamente: “E se… e se, em cada quadradinho, cada um desses quadradinhos, em todos os ‘assim ou assado’, a gente colocasse uma fórmula?”. A ideia continuou, com o olhar varrendo o carpete: “E se, por detrás de cada fulano, de cada beltrano e também dos sicranos, a gente colocasse um robozinho?”. E, para arrematar, em uma única proposição, acrescentou: “E se a gente nem precisasse de ninguém para fazer esse briefing?”.
Todo mundo olhou para ele fixamente. E todos, de clientes a chefes, ficaram extasiados. Aclamaram-no com o sonoro aplauso dos justos.
Para ele e outros criativos, aquela ideia foi o fim da picada.
Coluna originalmente publicada no Clube de Criação de SP em 05/09/2019