Desinformação: de quem é a responsabilidade?

Passadas as eleições, é interessante olhar, com racionalidade, para a amplitude dos desafios que o sufoco dos debates suscita na sociedade. E ninguém pode bancar isentão.

Alex Jones é dono de um site de informação-com-aspas chamado Infowars, uma página enorme e muito popular à direita do espectro político norte-americano. O seu veículo de comunicação foi condenado a pagar uma indenização de mais de 1,4 bilhão de dólares por difamar as famílias do massacre de Sandy Hook, no qual 28 pessoas foram assassinadas, incluindo 20 crianças. Segundo Jones, tudo não passou de uma encenação comandada por um bando de fanáticos que militava contra a posse de armas. Ou seja, ao mesmo tempo que choravam a morte dos filhos, os pais eram acusados de farsantes ideológicos.

Quem leu a notícia provavelmente se espantou com a aparente desproporção da multa (embora a desproporção da ignomínia seja patente). Não cabe aqui relatar o tipo de jornalismo-com-muitas-aspas que esse veículo faz, ancorando sua linha editorial em desinformação-sem-aspas. O fato é não é desproporcional.

  1. Teorias conspiratórias dão muita audiência. Uma audiência decorrente não apenas de quem adere a elas mas também de quem as repudia (chamado efeito reverso da propagação de fake news: calar pode ser mais ético do que denunciar).
  2. Audiência vale muito dinheiro.
  3. A desinformação que, até pouco tempo atrás, só grassava em grupos fechados de discussão, hoje pulula em sites constituídos como veículos de imprensa cheios de fontes-entre-aspas. As lives e vídeos são profissionais e, portanto, mais críveis, fáceis de espalhar e mais difíceis de monitorar e suspender legalmente.
  4. Na internet, os mecanismos de controle da distribuição dos conteúdos publicitários ainda são precários e majoritariamente automatizados. Em outras palavras, audiências podem ser compradas desvinculadas de seus canais de destinos, através de intermediários especializados.
  5. Anunciantes compram audiências.
  6. Teorias conspiratórias não são financeiramente desinteressadas.

O Infowars e uma infinidade de outros sites e canais na internet ganham muito dinheiro, e quem paga a conta muitas vezes nem sabe que está indiretamente apoiando um canal que se posiciona contra a vacina e que acusa Barack Obama de ser o criador da Al-Qaeda, entre outras mentiras. E pior, a simples presença de uma marca famosa em um conteúdo desses o credencia: quem duvidaria de um veículo no qual a marca X de petróleo ou a Y da indústria farmacêutica anuncia?

A perversidade dessa equação causa desconforto: quem é responsável? Apenas quem cria a desinformação (que reverbera ad infinitum)? Ou também é responsável quem veicula, paga a conta e recomenda? Judicialmente, Alex Jones foi condenado. Mas, eticamente, o que dizer das plataformas, dos anunciantes e das agências que sustentam a mentira ideológica? Se a responsabilidade jurídica ainda está começando a ser debatida, e a consciência de cada um é a consciência de cada um, o impacto de imagem para uma marca é mais imediato: o efeito rebote de uma associação indesejável pode ser devastador (e muito mais caro para consertar que as eventuais eficiências ganhas com uma compra de audiência com antolhos).

Enquanto as discussões ainda estão na esfera teórica, há pouco com que se preocupar (a não ser com a consciência, evidentemente). Mas talvez já seja possível olhar com mais critério para as audiências que “compramos”: na dúvida, melhor não comprar.

De qualquer forma, do ponto de vista da responsabilidade social de uma empresa e do impacto que esta pode causar, não basta uma agenda positiva de diversidade e não bastam compromissos ambientais radicais: há mais deveres entre uma empresa, seus consumidores e a sociedade do que creem as nossas vãs filosofias ESG.

Publicado originalmente em O Globo em 28/11/2022

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