Coitados dos desapaixonados

“A paixão é cega. Por isso que ela funciona.
Senão até ela já tinha desistido!”
Eduardo Lima

Para alguns, a paixão é uma doença; para outros, um maná – mas, qualquer que seja a definição, aquece, “posto que é chama”.

Como seria possível enfrentar o sono; os humores da manhã; as picuinhas domésticas; o trânsito atormentado; os bons-dias; os beijos; os crachás; as senhas que mudam; os elevadores que não chegam; as chamadas com superpopulação; as câmeras fechadas; as caras também fechadas; os quebra-cabeças de reuniões; as conversas – esquecidas, novas, escapulidas, inesperadas –; os pedidos de atenção; o aumento; a ajuda; os nãos, todos os nãos, tantos nãos; os não suaves; os “não foi dessa vez”; os nãos sem razão; os “não, mas tudo bem”; os “não quero”, “não sei”, “não vou”, “não posso”, “não aguento”, “não é isso”, “não é aquilo”, “não, quantas vezes vou ter que dizer que é não”?

Como podemos encarar briefings que mudam na primeira apresentação; briefings que não vêm tão cedo, mas prazos que vêm tão rápido; briefings com interjeições, repetições, hipérboles; briefings que não são brief, e briefings que são brief demais; briefings que precisam de rebriefing e debriefing; briefings com anexos; briefings com briefing no anexo; briefings prato-feito, álbum de figurinha, requeijão, rapadura ou iogurte escondido na última prateleira da geladeira?

Como aguentar pessoas que não acreditam, que choram, que choramingam, que têm taquicardia de humores, pessoas que dizem “sim”, mas é “não” e falam “não”, mas é “sim”, pessoas que esquecem, que entendem antes de perguntar, perguntam antes de pensar, pensam antes de dialogar?

Como lidar com a fragilidade de uma ideia, a insegurança de acalentá-la antes que veja o dia; como acreditar nela depois de passar por mil humores, mil emendas, mil tormentas; como convencer a realizá-la com tantos suores, tantas horas e tantos autores, mentores, conselheiros, gurus e todos os demais olhos – de juízes, censores e outros sabidões?

Como ainda dá pra crer em um negócio que tem concorrentes descendo do telhado, surgindo do chão, atormentando no escuro e nos tribunais da internet; um negócio que vai acabar a cada inovação, a cada nova mídia, método ou ferramenta; um negócio que precisa trazer resultado e poesia, pragmatismo e sonho, que deve ser criativo e sofisticado e inovador e revolucionário e big e wow! E que-que-é-isso-esse-filme-da-nova-kombi e, ao mesmo tempo, ser superparceiro-amigo-compreensível-tolerante-e-esperançoso na mesa de compras?

Se não tiver coração, sangue, nervo e paixão, não dá.

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