A travessia do deserto

Tive o privilégio de visitar, há duas semanas, uma aldeia do povo Kamaiurá, no Alto Xingu e assistir a um Kwarup, a convite do Cacique Kotok Kamaiurá.

Para boa parte dos brasileiros, a frase acima inspira enigmas exóticos, entusiasmos lisérgicos ou interrogações jocosas. Não é a intenção desse texto desvendar, incentivar ou bater boca. Mas a experiência me fez refletir para além dos clichés circunstanciais e dos frissons indigenistas que percorrem a Sociedade de Privilégios, a minha. Arrependidos da indiferença ancestral, tanto os neófitos quanto os engajados, colocaram a causa dos povos indígenas no centro de seus interesses e debates. E pouco importa se é para turismo de aldeia, experiências mágicas ou fazer um décor levemente étnico em casa, a pauta arrepia muitas conversas.

Mas o que não dá pra negar porque é visível, respirável e triste, quando se faz a travessia terrestre, de Goiânia até Gaúcha do Norte e de Gaúcha do Norte até uma aldeia do Alto Xingu, é que falhamos miseravelmente. Falhamos miseravelmente – ainda que se tenha tentado – para encontrar meios de garantir o futuro da humanidade que não passe pela exploração desalmada dos recursos naturais. Entre Goiânia e Gaúcha (15 horas de estrada), criamos um deserto (e já são tantos outros Brasil afora). Não tem passarinho, não tem inseto, não tem gente. Nos arrabaldes do horizonte bem-pensante da Grande Pinheiros, arrepiada com a causa indígena, tem um deserto, enorme, quente, feio e que, incontrolável, espalha suas ramas.

O que não dá pra negar, porque é visível, respirável e alegre, quando se faz a travessia, é que lá, na aldeia, as cores vibram, a vida é solta e o sorriso orgulhoso. Lá, na aldeia Kamaiurá do Alto Xingu a gente conseguiu – ainda que se tenha tentado impedir – conservar beleza, riqueza e origem. Quanto à bem pensante Grande Pinheiros, ao exibir braceletes de miçangas e tomar florais amazônicos, ela está por fim aderindo a uma onda maior, irreversível, mundial. Pouco importa se é modismo, oportunismo, culpa reprimida ou reflexiva convicção e pouco importa como se manifesta: se para preservar as culturas tradicionais ou encontrar saídas criativas para os desertos que pululam.

O que interessa é que ela existe, é forte, é legítima, é nossa. O que interessa é que tem a força de reverter.

Ainda dá tempo de atravessar o deserto sem morrer de desesperança.

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