ChatGPT: o plágio está nu

Não vamos desperdiçar nosso espaço explicando o que é ChatGPT: pergunte diretamente a ele. Ele irá se autoexplicar de forma convincente, mas o que provavelmente não dirá é que seu método já estava sendo praticado há muito tempo.

Uma enorme parte de tudo o que se produz de texto na imprensa, nos lançamentos editoriais e, claro, na digisfera parece ter sido feita por uma mentalidade ChatGPT premonitória. Não foi o ChatGPT que inventou a platitude, mas a liberação da palavra nas redes socias distribuiu títulos de influenciador aos mais loquazes. Assim, somos submergidos diariamente por uma massa flácida de mediocridades com ares de sabedoria. Para somar esforços a essa inundação, o escrutínio da opinião alheia e certo moralismo castrador completam o afogamento.

É claro que o poder dessas ferramentas tem mão dupla.

De um lado, seu potencial de fomentar movimentos antidemocráticos e radicais é enorme. Em primeiro lugar, o comportamento dessas “inteligências” é preditivo, e não factual: não dizem a verdade, e, sim, o que queremos escutar. Em segundo, elas aprendem por regularidade (probabilidade) a partir de uma base de dados preestabelecida, cuja fonte é opaca, e não revelada. Assim, é relativamente fácil inundar a “complosfera” de teses falsas a serviço de um ideário qualquer e de maneira convincente. O ChatGPT, por exemplo, pode ser tão útil para esse fim que já há movimentos construindo uma contranarrativa de disfarce, segundo a qual essa tecnologia estaria a serviço da grande imprensa e da academia (os inimigos de sempre) para implantar um comunismo “raiz” nos países ocidentais. Tudo é tão fascinantemente complexo que o Google já planeja lançar uma ferramenta para desindexar de sua busca os conteúdos gerados por essas ferramentas, ao mesmo tempo que existem também IAs criadas para identificar conteúdos gerados por IA (obviamente oferecidas pelos inventores da ferramenta inicial).

De outro lado, as ferramentas de inteligência artificial podem ser uma redenção – especialmente aquelas capazes de estabelecer um diálogo que refina a pergunta.

O que fascina no ChatGPT não são suas proezas criativas. Convenhamos: se ele fosse capaz de alguma criatividade, começaria por se autobatizar com um nome um pouco mais interessante, como a ferramenta de inteligência artificial de imagem chamada Dal-i. O ChatGPT não é um criador, é um maker. Mas também é um dedo-duro: graças a ele, a “plagiosfera” ficou, repentinamente, desmascarada. É como se, da noite para o dia, todos os textos “autorais”, análises “críticas” e artigos “opinativos” que “copy-colam”, com consciência ou não, pudessem ser substituídos, com incremento de qualidade, por uma ferramenta automatizada. O ChatGPT e essa “inteligência” artificial vão substituir muita produção de conteúdo e aposentar um sem-número de produtores!

Ou melhor: essas “inteligências” vão separar o que precisa de cérebro, sensibilidade e estudo (ou o que já foi chamado, um dia, de inteligência) daquilo que precisa só de uma máquina, algoritmos e nuvens de armazenamento. Essas “inteligências” também vão substituir todas as pessoas que as usam hoje, achando que estão sendo espertas ao plagiar dissertações, defesas, ensaios, artigos e trabalhos de escola. Na verdade, essa gente espertalhona já fazia isso antes com um pouco mais de trabalho. Antigamente, copiava-se da enciclopédia ou da Wikipédia. Hoje, é só pedir um PF (plágio feito) ao ChatGPT. É claro que essas novas tecnologias causam um problema temporário e uma confusão passageira. Professores, jornalistas e publicitários do mundo inteiro estão alarmados. Mas se eles forem mesmo professores capazes de cativar alunos, jornalistas que curtem garimpar as fontes, publicitários que saibam surpreender os consumidores, seus empregos estão mais do que garantidos – serão até mais valorizados.

A “inteligência” artificial, o oxímoro mais hype dos últimos anos, é, portanto, um grande passo para a humanidade. Vai revalorizar a criatividade, a verdadeira. Muito mais do que se suspeita ou se previu.

Até o final da década de 1960, a técnica usada para o salto em altura era o método straddle, que substituiu o salto tesoura. Se perguntássemos, na época, a uma ferramenta de “inteligência” artificial hipotética como saltar em altura de forma ideal, nenhuma teria sido capaz de sugerir o salto de costas que Dick Fosbury realizou em 1968, nas Olimpíadas do México. Dick foi medalha de ouro, e seu salto virou a técnica mais usada pelos atletas em todo o mundo. Uma inteligência natural que nenhuma “inteligência” artificial é ainda capaz de criar.

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