Marca sem propaganda é corpo sem calor

Em Haroun e o mar de histórias, Salman Rushdie conta um mundo em que as histórias acabaram. Todas as histórias viraram fios soltos, à deriva.

Se uma marca é a encarnação de um produto ou de uma empresa, o papel da propaganda é insuflar-lhe vida, é dar-lhe personalidade, movimento e rumo. Uma marca sem propaganda é como um computador sem bateria, um prato sem comida, um corpo sem calor.

Damos o nome genérico de “propaganda” a muita coisa: um logotipo que pula, uma foto de produto, uma frase de efeito, um texto recitado, um ator sorrindo. Tudo é propaganda, mas muito pouco disso sozinho dá personalidade, movimento e rumo a uma marca.

A gente faz a maior confusão quando acha que apenas um formato ou um suporte é suficiente para convencer alguém a aderir a uma marca. Um filme, um depoimento, um product placement ou uma manobra de PR não dão personalidade, movimento e rumo a uma marca – tampouco uma fórmula, um pacote, um algoritmo de plataforma de mídia. Não, não é suficiente.

A gente também confunde tudo quando ainda raciocina como o sobrinho rico de Freud, o Big Brother de 1984, o Mechanical Hound de Fahrenheit 451: como se as pessoas fossem frágeis, manipuláveis e suscetíveis. Repita, insista e persiga; repita, insista e persiga até as pessoas agirem como desalmadas autômatas. Nada disso dá personalidade, movimento e rumo a uma marca – e não deveria ser chamado de propaganda.

Uma marca precisa de história. Nem um logotipo saltador nem um funil aprisionador são suficientes para contar uma.

Comece com uma ideia, desenvolva-a em uma sinopse, construa uma estrutura, escreva um roteiro e dê vida a ele. Não pense no formato nem no suporte. Não pense no que está na moda nem na palestra que viu. Conte uma história, só isso. Depois, se quiser, capriche com logotipos animadinhos, fotos lindas, frases impactantes, textos bem escritos e bons atores, além dos scripts, dos stunts, dos placements, dos influencers, do messy middle… Depois, não antes.

Em Haroun e o mar de histórias, Salman Rushdie conta um mundo em que as histórias acabaram. Todas as histórias viraram fios soltos, à deriva, escuridão, silêncio, logotipos que pulam, fotos, frases, textos recitados, atores perdidos, algoritmos, desalmados algoritmos autômatos. Haroun parte, então, para reatar os fios perdidos desse mundo triste, desse mundo sem história, desse mundo com propagandas de fórmulas prontas e automatismos estéreis, que não deveriam ser chamados de propaganda.

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