Boniteza no sertão

Caetés de Tupinaré foi caçar jagunços no sertão.

Chapéu de couro à flor do crânio, lenço vermelho no pescoço e machadinha na cintura. O dândi do agreste flutua na estrada, entoando cânticos em louvor a seu santinho de devoção.

Calor dos infernos, sol arretado, o homem não perde a pose. Na vila, há quem diga que o galã vai acabar nas colunas sociais da capital. Caetés aprova o fuxico.

A tropa ficou dormindo, e ele foi sozinho. Não tem problema. Parece que só falta matar um cabra que se atocaiou na fazendinha. Depois, quem ganha as honras de toda a operação é ele.

Vai pensando na cerimônia de entrega de medalha no palácio do governador. Caminha pelo corredor da sala de gala, acena e sorri para a povo, estufa o peito. A glória.

Caetés está nas gazetas, pousando ao lado das autoridades: “Herói do agreste”. Vai ter gente assim querendo beijar-lhe a mão, acariciar seus ombros valentes.

O povo vai se morder de inveja. Dizem por aí que o homem é flosô e que entrou no exército para disfarçar. Só porque é bonitão e piedoso. Caeteés não liga: vai ter muita medalha para lavar a reputação.

Depois ele vai virar secretário da segurança, vai ter capanga protegendo sua casa e tudo. Onde andará, será respeitado: “Bom dia Coronel, como vai Vossa Excelência?”

Até a Judite vai olhar para ele e tremelicar de emoção. O casório vai ser na Sé, a fina flor da república, sorrindo e celebrando. Ele vai viajar depois, com Judite toda ancha e feliz da vida.

Vai usar um anelzão de doutor no dedo mindinho. Vermelho e com uns desenhos inventados. Vai pegar pai e mãe e levar para a capital. Dar posição para os irmãos, os sobrinhos, a primalhada toda.

E depois de velho, a casa ficará cheia de gente, bajuladores, enteados, afilhados, filhos, netos, bisnetos até, comendo bacalhau e caviar até arrotar.

Era só mandar aquele jagunço pedir bênção ao capeta.

Até que foi fácil. Quando Caetés chegou na fazendinha, o desinfeliz estava tão magro e tão fraco que nem reagiu. Pedindo pelo amor de Deus, ajoelhou-se aos pés do general. Até chorou.

O comendador, magnânimo e solene, concedeu misericórdia ao coitado, que fugiu dali e contou pra todo mundo que Caetés era um frouxo.

Caetés de Tupinaré virou carcereiro na cadeia da capital, não casou com Judite, nem nunca comeu bacalhau com caviar. Mas jamais perdeu a boniteza, nem o lencinho amarrado no pescoço.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

Connect with Facebook