Efêmera existência

Simon Wood era um esquilo de rabo espanado; Elisabeth Wide, uma andorinha de cauda bicornuda, e Barbra Wind, uma abelha zebrada de fogo. Eles moravam todos no mesmo condomínio vertical, récem-reformado por uma rica primavera.

Simon era um artista muito envolvido com influências estéticas de vanguarda e possuía um talento especial para criar instalações conceituais de cunho ambientalista. Sua última exposição tinha causado muitos questionamentos nos círculos cultivados, principalmente sobre a função social da arte pela arte, desvinculada do pragmatismo da sobrevivência e da colheita de castanhas.

Elisabeth, conhecida nos salões da sociedade por Beth W, era uma herdeira afortunada de um grande magnata transnacional. Mimada desde muito cedo por uma existência sem causas nem acasos, Beth era, no entanto, uma ensaísta arguta. Em seu último livro, ela havia demonstrado que a aceleração das comunicações internacionais tangenciava um perigoso flerte com a calcificação dos sentimentos atávicos e, portanto, ameaçava a função tradicional dos ventos nas migrações.

Por fim, Barbra, tinha uma posição bastante privilegiada nas altas rodas, porque era colunista social de um tablóide sensacionalista. Filha de uma família numerosa, a abelha se destacava por suas observações ferinas dos costumes e, por isso, era temida e adulada por todos. Em seu best seller de etiqueta, Barbra descrevia com riqueza de detalhes o manual do bom anfitrião, com um capítulo especial dedicado à decoração de uma colméia.

Em suas atividades diversas, Simon, Beth e Barbra encontravam-se todas as manhãs, no parque que circundava seu condomínio arbóreo.

Enquanto Simon se exercitava com sofisticados exercícios de uma arte marcial oriental, Beth executava reverências exaltadas à beleza da manhã. Já Barbra fotografava e anotava tudo.

O que nem mesmo a curiosa colunista desconfiava era que, assim como ela, seus dois vizinhos tinham cacoetes excêntricos para pessoas tão bem-nascidas. Tratava-se de uma espécie de cleptomania avarenta.

Simon, por exemplo, colecionava castanhas; Beth, sementes de flores, e Barbra, poros de samambaias. Eles jamais admitiam, sequer no divã de seus terapeutas austríacos, tamanho desvio de caráter. Sempre que praticavam seus furtos, eles escondiam-nos no jardim que circundava o edifício. Tão disfarçado, tão envergonhado, que eles nunca lembravam depois onde estavam seus preciosos butins.

E assim ia a vida dos do esquilo, da andorinha e da abelha. Vivendo e roubando, roubando e escondendo, escondendo e roubando mais ainda, para esconder novamente e nunca encontrar nada do que tinham roubado.

Passados muitos anos, é da natureza dos esquilos artistas, das andorinhas escritoras e das abelhas jornalistas morrer. Como morrem todos os seres vivos, mesmo aqueles que, em suas efêmeras existências, viveram de fúteis e férteis afazeres.

Hoje não resta grande coisa da extrordinária escultura de Simon, tampouco do apocalíptico ensaio de Beth e muito menos das fofocas de Barbra.

O condomínio vertical, no entanto, sobrevive, elegante e magnânimo, em meio a um florido bosque de castanheiras e exuberantes samambaias.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

Connect with Facebook