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Celular é pornográfico

Numa aldeia do alto Xingu, o garoto era muito danado. Mal educado mesmo, isto é, se educação para os índios fosse um treino compulsório.

O indigenista alarmado com a aparente complacência do pai, pergunta:

– Por que você não diz a ele o que está certo e o que está errado?

O pai, calmo e óbvio:

– Por que ele não perguntou nada. Quando perguntar, respondo.

A gente é amestrado desde pequeno. A comer de boca fechada, não apoiar os cotovelos na mesa, não falar de bochecha cheia, não deixar comida no prato, cruzar os talheres no final e pedir licença para levantar. Não sabemos para que serve, nem nunca nos deram nenhuma explicação, só que era assim e pronto.

Se numa mesa de reunião houvesse pratos, seríamos uns lords. Mas na falta deles, somos uns porcos.

Madame Poços Leitão daria dar saltos mortais se visse os assassinatos da civilidade que acometem nossas reuniões.

Começa pela pontualidade, um conceito vago, muito vago, e contra o qual usam-se os mais diversos álibis, alguns práticos (o trânsito por exemplo) e outros psicológicos (os fodões se fazem esperar).

Segue pela liturgia caótica, pelo ritual tosco. Não há ordem para falar, nem para sentar ou sair. Participa quem quer e quem não quer, interrompe-se sem benção, conversa-se em paralelo, e tem até quem coça a planta do pé, palita o dente, ajeita a calcinha e respira o sovaco.

Mas os piores são os amolegadores de celular. Isso já não é mais uma questão de educação. O onanismo sonoro, vibratório e de dedo é um atentado ao pudor.

Só pensamos naquilo

Todos vocês já devem ter notado como estamos ficando mais rápidos, mais informados, mais inteligentes e preparados. São os bônus dos tempos pós-pós-modernos.

Não é um problema de estresse pelo excesso de conteúdo informativo. Acreditamos na quase infinita capacidade de expandir a nossa percepção.

Não precisamos de curadores. Desejamos amplificadores de informação.

Não queremos um guru. Queremos milhões de sacerdotes da palavra.

Não gostamos de economia nem de essência. Gostamos de fartura e de multiplicidade.

Somos desplanejados e imediatistas, graças a Deus.

Mas também estamos ficando com mais olheiras, piores motoristas e muito mal-educados.

“O que vou escrever no meu twitter, facebook, blog etc”. Dormimos cada dia mais tarde porque temos que ler tudo que queremos ler, escrever em todas as comunidades que precisamos alimentar. Haja creme anti-age, compressa de chá de camomila, botox ou óculos escuros.

O trânsito está um caos. Sorte das redes sociais, dos blogs, dos aplicativos de celular. E só tende a piorar, porque é um olho no carro da frente, outro no celular. Uma mão no volante e a outra no teclado. Um neurônio na rua e três bilhões nas infovias. O trânsito não é um problema, é uma solução.

E como é bom descobrir todos os dias os milagres da vida: “Como é que eu vivi tantos anos sem isso e isso e aquilo!” Não dá mais para almoçar com os amigos sem verificar o nível de decibéis da sala, se a mesa está no prumo, qual é a temperatura (presumida e falsa) em Moscou. É falta de educação, mas estão todos na mesma, às vezes postando no twitter o que iremos ver segundos depois entre uma garfada de frango e uma goiabada (tudo no mesmo prato, claro).

No fundo, são poucos os prejuízos, não é mesmo? Porque, para os possíveis danos cerebrais, basta dar um reboot, de vez em quando, e bem rápido. Crtl-Alt-Del em algum lugar bem primitivo, ridiculamente ultrapassado, tipo um spa, uma viagem de avião sem internet ou uma noite, dormida.

E pronto, estamos novos de novo pra só pensar naquilo.