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Papai quis que eu estudasse (propaganda) fora

– Oi.
– Oi.
– Me conta um pouco de você.
– Como assim?
– O que você fez, do que gosta, o que quer fazer?
– Ah, eu gosto de redes sociais.

A inocência do primeiro emprego ameniza muita decepção. Vamos em frente.

– Estudou?
– Sim. Volto de um curso de dois anos na Baton Rouge State University, sabe a BRSU?
– Estudou o que lá?
– Fiz o curso de Disaindidjitol, sabe?
– Como?
– Didjitol!

É, está difícil.

Vá lá que a formação, aqui embaixo, pode ser manca e caolha. Então é só ter um dinheirinho suado de família e lá se vão os neófitos bem-nascidos laurear seus diplomas no exterior.

Vejamos como o estudante procede para escolher e como devemos decodificar as informações para julgar o candidato.

Diplomas de cuponagem nos Estados Unidos são assim: fez um curso de qualquer meleca no Arizona, é meio rico; a meleca é na Costa Leste, é mais rico; tem N e Y na sigla da universidade, deve ser bem rico. Se a meleca foi estudada na Costa Oeste, não quer dizer riqueza mas nível de vagabundagem. Quanto mais ao Sul, mais vagabundo.

Já os diplomas pega-trouxa europeus são mais sutis. Na Inglaterra, o estudante tem tendências ao Olimpo fashion; na França foi vovó quem pagou; na Itália foi vovô. Na Alemanha ou na Holanda, foi o que deu. Na Espanha e em Portugal, o garoto é cagão e cabulou as aulas do Alumni.

Agora, se foi na Suécia, na Nova Zelândia ou na Romênia, o candidato se arrumou nas redes sociais.

É gostoso brincar de fazer generalizações, porque caça-níquel universitário gringo no currículo não engana ninguém. Só o papai-que-quer-o-melhor-pro-filhinho.

Estudar propaganda pra quê?

“Prezado senhor. Desde pequeno, gosto de propaganda. Tenho muito interesse em ingressar nessa carreira. O senhor poderia me indicar as melhores escolas de comunicação?”

Todo profissional já enfrentou esse tipo de pergunta. Cabeluda. E a primeira reação é relativizar a importância de um curso superior especializado. Gostamos de ser não convencionais e o ditado “quem sabe faz; quem não sabe ensina” pesa.

A propaganda deve ser uma das especializações mais datadas. Assim, de pouco adianta conhecer a história da propaganda e menos ainda as pseudoteorias dos best-sellers de marketing. Suas hipóteses e técnicas são quase sempre chumbadas em circunstâncias peculiares e únicas, portanto, incrivelmente perecíveis. A menos que o aluno se interesse por uma antropologia da propaganda, na real, é uma prática informal.

As influências da propaganda flutuam atormentadamente na correnteza dos movimentos sociais, da cultura, da língua, da tecnologia, da economia, dos hábitos, dos valores individuais. Qualquer tentativa de sistematização teórica nasce vencida. A técnica publicitária não se aprende, experimenta-se.

Portanto qual seria o currículo útil para um aspirante a publicitário? O que se deve ensinar?

Se a propaganda é tão permeável a todas as atividades humanas, se ela carece de ética própria, fazer boa propaganda é fator de alguns indispensáveis gostos – curiosidade, observação, risco – e desejáveis habilidades – expressão, análise, autocrítica.

Assim, um bom currículo deveria atender ao desenvolvimento desses gostos e habilidades.

Por exemplo, para atiçar a curiosidade: cultura geral, clássica e étnica; para a observação: excursões para museus, festivais, favelas, cadeias, ruas; para o risco: paraquedismo, roleta-russa, circo. Para trabalhar a expressão: literatura, música, dança e oratória; para a análise: filosofia e xadrez; para a autocrítica: psicanálise.

Metade do currículo deveria ser dedicado a teorias de outras cadeiras (história, literatura, geografia, filosofia, antropologia, estatística) e a outra metade à prática em oficinas, ateliês, estágios, serviços comunitários.

Nas horas extras, no extracurricular, se quiser e tiver tempo e saco, Kotler, Porter e que tais.