Tag Archives: Instagram

Se os olhos são as janelas da alma, o Instagram são as portas

Registrar e dividir o olhar é de uma eloquência reveladora. Tipificar essas observações do mundo é um exercício curioso.

O mundo orbita

A auto-câmera dá a exata dimensão do olhar deste tipo: “farejo o mundo da ponta do meu – imponente – nariz”.

O mundo modelo

Monocromático ou em contrastes saturados a percepção é uma abstração estética: “filtro e higienizo o mundo ao meu clique preciso”.

O mundo mal passado

São tomadas tremidas, impulsivas, repentes de um reflexo obsessivo: “o mundo hostil e cru que me assusta, congela, inofensivo, ao meu toque protetor”.

O mundo enorme

Pulsos aleatórios, agregadores, inclusivos, tentam neutralizar a solidão: “se eu morrer, que saibam onde encontrar meus restos, nesse mundo de meu Deus”.

O mundo elegia

Desilusões do viver, abandonos, dores da ausência carecem de desabafos: “fugi para longe, um longe estranho e diferente. Me esqueçam. In memoriam de mim.”

O mundo se exibe

Finalmente o tipo comum, vulgar e pornográfico: “olha como sou inteligente, bonito, interessante, querido. Olha como eu me amo”.

O Instagram e o Guitar Hero por André Kassu

O grande trunfo do Guitar Hero é trazer a sensação de que você é um
guitarrista, certo? Por alguns momentos, sacudir aquela guitarrinha colorida
faz de você o melhor Stevie Ray Vaughan da sua sala. Sem uma aula de teoria
sequer, sem uma aula prática, lá está você todo suado, dedos doloridos e
feliz por acompanhar Pride and Joy no modo expert. E vai: é uma sensação e
tanto. Fora que para uma geração de pais, é a redenção ouvir seus filhos
tocando AC/DC ou qualquer outro gênero que não tenha universitário logo
depois do seu nome.
Pois o Instagram é o meu Guitar Hero. Confesso meu vício no aplicativo
chamado de Prozac pelo Zé Porto. Sim, a felicidade está ali. Exuberante.
Disfarçando as nossas fraquezas com filtros coloridos. Mas não é uma
novidade em fotos caseiras, é? Don Draper diz em um brilhante comercial para
Kodak, na série Mad Men: fotos nos levam para um lugar em que você sabe que
é amado. Nós registramos muito mais o que gostamos do que o contrário. Ou
existem albuns de famílias infelizes? O Instagram me traz por segundos a
falsa sensação de que eu sou um fotógrafo. Sem saber que diabos faz um
obturador. E aí está o segredo: ter a noção que é uma sensação breve. Que
está muito mais ligada à diversão do que ao talento.
O Instagram não faz de você fotógrafo. Nem o twitter faz de você um
escritor. Muito menos, o Guitar Hero faz de você um guitarrista. Existe uma
fossa gigante entre as duas coisas. E que você cai facilmente quando se leva
a sério demais. O Instagram me diverte. Amanhã, como tudo hoje em dia, pode
não divertir mais. Hoje, peço para uma torneira dizer X, jogo um filtro e
disfarço minha incompetência. Já para o Guitar Hero, não abro concessões.
Não até inventarem um Harmonica Hero.