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Por favor, me faz um desenho?

Algumas escolas introduziram o ensino de linguagem visual no currículo. Crianças aprendendo a se comunicar com imagens, desenhos, cores e formas. Quem sabe um dia a gente possa escapar das adjetivações generalizantes.

Quatro tipologias do fenômeno da incompetência escrita (para não falar verbal) ocorre notadamente no mundo corporativo.

A primeira diz respeito ao complexo da intelectualidade de Paraguaçú. Ou do motorista de taxi diplomado em universidade soteropolitana. Ou do publicitário que confunde Guimarães Rosa com Bill Bernbach. Esse tipo capricha na metáfora com uma aplicação mística. Ele crê que a compreensão é uma iluminação, que o português é uma música sem palavras e que os outros formam uma  plateia em êxtase.

A segunda é o complexo da vulgaridade modal. Ou do excitado das redes sociais. Ou do publicitário que confunde analfabetismo literário com coloquialismo. Esse é o sujeito que não perde uma tendência, um festival muito-doido-cheio-de-muito-doido e que acha foda tudo aquilo que não é foda porque as coisas fodas são as coisas fodas.

A terceira tipologia é o do tímido decorador de frase feita. O sujeito que devora léxicos corporativos e não sabe mijar fora do códex. Ele escreve como fala como se veste  como ama: papai-mamãe uma vez por mês no hotel fazenda e de meia branca. Nenhum clichê escapa de sua verve prolixa.

Finalmente a quarta e mais soberba das tipologias: o complexo do MBA de verão em Chicago, Londres ou Amarillo – Texas, dá no mesmo. Fino conhecedor dos outltets de New Jersey, ele pratica inglês nativo no  barbecue da sua penthouse de Upper East Moema com a mesma desenvoltura com que impressiona a turma sem penthouse de Lower Est Moóca.

A novidade nas escolas vai ser boa: mais vale um sticker e um gif animado do que o português atropelado.

Popular ou ignorante

Outro dia, criticaram dizendo que a propaganda, por ser um reflexo comercial da cultura popular, deveria empregar a língua falada e não “complicar” com construções e palavras “difíceis”. A propaganda, assim como outras formas de comunicação, não poderia referenciar-se na literatura mas sim na rua, na feira, na cadeia.

Tudo vale para justificar essa tese, a começar pelo maior dos lugares comuns: a língua é viva. Ou por detrás do argumento: o capricho do vernáculo é coisa de velho.

Mas parece um grande disfarce.

Por que só haveria vida na rua? Bibliotecas são cemitérios onde vagam espectros arrependidos?

Olho pela janela e vejo mortos se arrastando nas calçadas, zumbis com as costas arqueadas sob o peso da mediocridade. Mas Julien Sorel ou Diadorim ou a cachorra Baleia ou Ahab pulsam na memória. Imortais.

Se não somos mais um país de sub-letrados, permanecemos um povo de sub-literatos. A língua escrita assusta porque é desconhecida.

E lá vem o argumento: a propaganda tem que ser popular, portanto entendida pelo mais ignorante dos consumidores. Mas não é só por isso que a propaganda usa a língua do Faustão, da Veja, da presidenta. Também porque quem faz a propaganda é quase tão “sub” quanto a quem ela se dirige.

A distância entre língua falada e língua escrita só é enorme porque é enorme a ignorância.