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A mágica da propaganda é superficial

Roland Barthes dizia que deveríamos tomar da vida o mesmo recuo que tomamos ao admirar um quadro e que dependendo da distância que nos separa do objeto observado, diferentes sensações se superpõem enriquecendo a contemplação ou análise. Assim, a vida pode ser caótica e escravizadora na primeira camada da rotina diária, mas perfeitamente ordenada e libertadora no plano afetivo e finalmente perturbadora e cheia de medos no plano metafísico.

A diferença essencial entre a propaganda e qualquer outra forma de comunicação, inclusive as mais elevadas, é precisamente sua superficialidade. A propaganda deve e precisa operar seus “milagres” na primeira camada de sensações. Não cabe à mensagem publicitária esperar uma espécie de alquimia de sentidos no sujeito, que irá transformar sua apreciação e penetrar seu pulsos essenciais. A propaganda é uma mensagem de consumo e efeito instantâneo.

Claro que essa generalização aceita (como todas)  exceções, mas a mágica da propaganda não sobrevive a nenhuma análise, nenhuma dissecação intelectual e tolera, com náuseas, os arremedos, remendos, enxertos consequentes. Se o efeito não operou, ali, na superficialidade das percepções, joga fora e começa de novo.

É evidente que a poluição infinita na qual a propaganda se manifesta dificulta ou muitas vezes bloqueia qualquer percepção, e de pouco adianta gritar, prolongar o tempo de exposição ou simplesmente repetir ad nauseam a mensagem. O encantamento é caudatário de uma espécie de acaso muito difícil de controlar, mesmo com toda a técnica. Também é uma farsa acreditar que a propaganda é capaz de despertar o sujeito da sua letargia natural. O stopping power só funciona em situações controladas e muito pouco na vida real.

No entanto, quando as circunstâncias são favoráveis, ou seja, quando a atenção do sujeito é razoável – por acaso muito mais do que intenção – a propaganda que faz pensar, com múltiplas mensagens ou camadas de intenções tende a entorpecer novamente o sujeito.

Uma pesquisa de comunicação, por exemplo, deveria durar segundos. O tempo de registrar por observação sensível a reação das pessoas. Talvez pedir primeiras impressões antes de encerrar a sessão. As segundas, as terceiras, os arrière-gouts e todas as dissecações, são não somente inúteis como induzem, com sua racionalidade, a uma deformação letal da mensagem.

Um briefing, também, malgrado todas as imposições e metas, deveria concentrar-se numa única sentença precisa, com palavras garimpadas com todo o cuidado. O restante deveria ser sumariamente extirpado porque não constitui inspiração. As obrigatoriedades, os públicos, os problemas mercadológicos, as razões para acreditar são detalhes execucionais, infelizmente muitas vezes mais valorizados (por clientes e agências) do que a ideia central.

A propaganda é superficial. Tentar aprofundar estraga. A propaganda é uma mágica. Tentar explicar, estraga.

Pesquisa não ajuda mais a planejar

Não existe boa estratégia sem boa investigação. Mas se a pesquisa é muleta e escudo, ela nunca será um cão guia. Nem nunca foi.

Mas ainda caímos em duas cascas de banana.

A primeira é a crença de que pesquisas podem antecipar o futuro baseando-se em tendências e puxando o pontilhado ao sabor da ambição, da fé ou do bônus. Uma olhadinha no público atual e pronto, desenhamos a estratégia para atingi-lo. Agradar quem já agradamos é correr atrás do rabo. E a conclusão mais básica sempre será aumentar os esforços e os investimentos. Infelizmente a maioria das estratégias de mídia ainda escorregam aqui. Poderíamos dizer que é conservadorismo mas essa atitude não leva em consideração mudanças exógenas de cenário.

A segunda é quando queremos antecipar a resposta a um estímulo publicitário através de testes de comunicação. Não se trata de negar o teste de desastre. Esse tipo de teste valem tanto quanto vale ler e reler um texto várias vezes antes de publicá-lo. A gente sempre acha um errinho para corrigir. Mas concluir que uma mensagem será capaz de atingir um objetivo é crer no imobilismo do mercado e no atavismo dos consumidores.

Em síntese esses dois tipos de pesquisa, na melhor das hipóteses, confirmam o ponto de partida.

Mas vivemos em um mundo em permanente mutação onde a velocidade das transformações extrapolou em muito a nossa heterodoxia. Os consumidores não obedecem mais a padrões de comportamento previsíveis. Eles sequer podem ser mais tipificados de maneira segura. Seus valores são voláteis. Seus desejos mudam ao sabor dos estímulos de antigamente – as mídias – mas também ao sabor de um post numa rede social. O mercado também ficou intricado e acelerado. Uma marca não consegue mais definir com clareza quem são seus concorrentes e muito menos quem serão eles amanhã. Porque eles podem surgir do mais improvável. Produtos com a mesma utilidade não concorrem mais entre si apenas. São as marcas que concorrem e não importam que produto elas representam. E o tempo, o tempo é o nó górdio a ser desatado todos os dias, a todo momento.

Vivemos em um mundo em que não dá mais para esperar e o tempo de planejar, avaliar, testar, escorre numa ampulheta de desafios e cobranças. O que ontem parecia prudente tornou-se arriscado. Talvez seja arriscado não pular do trem antes da estação, porque ele talvez não pare onde deveria. Arriscado demais desenhar um plano de voo em cima de pesquisa.

É o tempo da experimentação, da mudança de rota no ar. Isso não significa falta de precaução ou perícia. Ao contrário. Significa que o futuro está se desenhando à nossa frente, na vida prática, na rua e não num relatório de pesquisa. Já temos inúmeras ferramentas para fazer isso com um mínimo de assertividade porque as reações também – dos consumidores e do mercado – podem ser mensuradas rapidamente. Se os cenários estão em metamorfose permanente, temos que “planejar” (entre aspas, é claro, porque a palavra em si perde toda conexão com seu significado clássico) on the go. Planejar não é mais recomendação, é prática. Planejar não é mais escrever na pedra, é desenhar na areia. Não é posicionar, é mudar. Planejar não é mais saber, é intuir.