Para Cesco
– Apaga, apaga ele!
Ele segurava a arma com a ponta da alma. O dedo no gatilho; o coração na boca.
– Mata logo esse filho-da-puta!
O disparo saiu tosco, cru, rápido, muito rápido. Na sua frente, aquela espuma cinzenta borbulhando de sangue.
– Vam´ bora, Carlinhos.
Essa foi a primeira morte de Carlinhos. Foi difícil. Ele tinha muito medo de errar. Mas o cara morreu. Filho-da-puta!
Ele correu muito, depois, com a 38 dependurada no braço. Seu membro ganhara poder de morte. Uma terminação nervosa explosiva. No meio da fuga, Carlinhos despencou para descansar um pouco, o braço duro, tremelicando. Fechou os olhos com força. Era preciso correr, ainda correr. Mas o menino não tinha mais forças.
Ficou ali a noite inteira. Ele e seu braço de chumbo. Ninguém veio. Não houve perseguição.
Na manhã seguinte, ele levantou com o primeiro andar cadenceado na rua. Carlinhos desparafusou a 38 da mão, enfiou a arma na calça e desceu o morro. Ia lentamente, ainda amortecido pela noite em claro.
Na praia, sentou na areia, de frente para o mar. Aos poucos, os últimos vapores do crime dissolveram-se na arrebentação. Carlinhos tirou a camisa, o tênis, escondeu o revólver na roupa e correu para as ondas. A vida recomeçava ali, apagando a memória.
Ele mergulhava, nadava, pulava. Gritava também, palavras soltas, o que lhe vinha à mente. Carlinhos estava aliviado e feliz. Lá longe ficava o morro, o soco no ar, o sangue transbordando.
Dias depois, o menino assaltou de novo; meses depois, matou mais um; anos a fio, mais alguns. Foi assim a sua vida toda: roubar, matar, lavar a memória no mar.
Até que ele cansou. Cansou daquela vida. Mas já era tarde.
– Apaga ele, apaga!
De frente para Carlinhos, um buraco negro tremia, profundo.
– Mata logo esse merda!
O tiro saiu devagar, furando o ar. O estalido veio depois, estourando a carne, abrindo caminho no peito.
Carlinhos caiu lentamente, sorrindo de dor. Recolhido no chão, fechou os olhos sobre a esponja vermelha e negra que lhe apagava a memória, para sempre, mais forte que a vida, mais forte que o mar.