Viajar no acaso

Em Recife, vá para o museu Brenand, à tarde, com um quadrinho do Moëbius debaixo do braço. Sente ali naquela esplanada sensualmente mitológica, comece a ler L´incal e já, já você vai ver um zoológico de seres lascivos mas assépticos te envolverem na mais sideral de todas as viagens.

Em Paris, vá almoçar no sujinho Bar de l´X, na frente da escola politécnica. Peça o que tem, javali ou avestruz, tome o vinho que te recomendarem e fique ali algumas horas, olhando os magricelas plátanos dançarem ao vento. Sorria para o patron mal-encarado e repare suas olheiras abissais.

Em Noronha, vá remar nos supercaiaques oceânicos, `as cinco da matina. Você vai passar requeijão na água, atrás do golfinhos e tomar um supercafé da manhã com o solzão nascendo atrás das ondas: uma promiscuidade mais emocionante que passeio de barco e muito mais do que aqueles liliputianos golfinhos na baía-observatório pra inglês ver.

Em Nova York, vá sacudir a poeira na ópera. Qualquer uma. Depois de curtir os chagalls do hall, observe com cuidado as naftalinosas velhas nas frisas, os johnicinhos cochilando, os melômanos trançando os bigodões. Saindo de lá, corra pra Chelsea, mais precisamente pro super-hypado APT, cheio de negões milionários no bar subterrâneo, e ouça hip-hop.

Em Galinhos, no Rio Grande do Norte, chegue de balsa, ou de 4X4 pelas dunas, pegue um jegue-táxi e mande ele te levar correndo, para ver o pôr-do-sol no farol. Fique ali até ficar noite e volte pela praia, caminhando. Sabe aquela espinha dorsal do céu, a Via Láctea? Então está lá todinha. No dia seguinte, vá puxar uns ferros na academia local. Pelo tamanho dos gigantes locais, lata de tinta cheia de areia funciona melhor que os aparelhos que você conhece.

Em Londres, vá até o jardim japonês do Holland Park ver os pavões e as rosadas inglesas passearem seus pets. Resista às fotos, pegue um caderninho e escreva o que você está vendo. É mais original, mais pessoal. E, em vez das soníferas seções de fotos para os amigos .quando voltar, faça um sarau e declame suas metáforas. Você leva jeito pra coisa.

Na Bretanha, França, pegue um barco para Belle-île-en-Mer. Nem pense em entrar na água gelada. Em compensação, tem dois menires no meio da ilha, dignos de Obelix. Chamam-se Adão e Eva e dizem que fazer amor a seus pés, numa noite de lua cheia, é garantia de felicidade eterna.

Na Irlanda, tem as falésias, os Cliffs of Mohair. Vá de carro, para não ter que suportar as hordas de godos, ostrogodos e nipônicos histéricos. Pegue uma tarde inteira e uma capa de chuva. Tire os sapatos e ande descalço na grama fofinha, até a ponta deserta. Daí, fique mastigando um galho de capim e puxe um ronco com os pés balançando na beira do precipicio.

Quando você for à Chartres, se banhar nos azuis dos vitrais da catedral, tente entrar de olhos fechados. Se você estiver sozinho, banque o cegueta mesmo. Quando você estiver no meião, com certeza, alguém vai te ajudar e te posicionar de cara pra grande rosácea da frente. Não abra os olhos ainda, espere um pouco. Com um pouco de sorte, estarão tocando órgão. Quando rolar um acorde mais forte, abra os olhos que, a essa altura, já estarão marejados. Não existe caleidoscópio mais arrepiante.

Em Ravena, na costa do Adriático italiano, vá ver os mosaicos, claro, mas não perca o único Jesus peladão do mundo, numa abóbada da catedral. Dá gosto ver a piroca de Deus e perceber que, afinal de contas, ele era mesmo de carne, osso e membros.

Em Paris, vá à mesquita no sábado, se você for homem, e nos outros dias, se você for mulher. Logo na entrada do salão de chá, do lado esquerdo, é a entrada do Hamam (sauna úmida). Não ligue para a higiene duvidosa do local, mas passe uma hora suando nas quatro salas e ouvindo arabescos sonoros. Termine com uma massagem na sala de repouso e, depois, um chá de menta. Os atentados terroristas no metrô são piração da sua cabeça, mas ajudam a dar clima à atmosfera obscura do local.

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