Para Cris
– Um dia, um dia vou ver lá ver o mar, pensava Mateus, enxada na mão. Um dia vou me molhar no mar.
A catinga dura ardia, venenosa. O sol começava a espreguiçar-se, lambendo a terra seca e Mateus já estava de pé, revolvendo uma improvável roça.
Lá em Quebrangulo, é tudo marrom. As casas, as crianças, a macaxeira mal parida, a mão das mulheres, os pés dos homens, o lombo do único jegue. A esperança dos desalmados é marrom.
Lá em Quebrangulo é tudo seco, esturricado. A terra, o céu, o ar e os olhos dos osssinhos débeis das crianças. Ninguém nunca chorou em Quebrangulo. Que luxo chorar!
Um dia, vieram ali uns homens grandões. Levantaram poeira, bateram muito, falaram pouco e foram embora levantando poeira. Quando a fumaceira se deitou novamente, foram lá ver. Mateus correu e chegou primeiro: no meio da praça, os homens tinham fincado uma caixinha de correio. Azul e amarela, com a boca esticada no meio, fechada.
Mateus voltou para a catinga e pensou. Pensou que queria um dia ver o mar, se molhar no mar. Mateus sonhou mais uma vez com o mar, o mar que ficava longe.
À noite é clara no sertão. Fria às vezes. Silenciosa.
Lígia morava numa casa grande, rua Beira-Mar, sem número.
– Dona Lígia, chegou uma carta para a senhora.
Lígia abriu o envelope que descansava em sua mesa.
“Prezada senhora,
Meu nome é Mateus. Moro em Quebrangulo e quero muito ver o mar.
Obrigado
Mateus”
Foi assim que Mateus viu o mar. Escrevera uma carta para a Dona Lígia na rua Beira-Mar, sem número.
Hoje Mateus mora em Quebrangulo socando a enxada na terra dura. Ele tem muitos anos hoje, Mateus, muitos filhos, muitos calos e muitas rugas. Mas ainda quebra a terra exangue, sem parar um só dia.
Mas quando a noite silencia o sertão, Mateus entorna os olhos. E um enorme mar azul vem bater-se, selvagem, inundando-lhe as pálpebras.
Mateus um dia vira o mar, e já sabia chorar.