Flashback

Qual não foi a supresa de Mireille, quando ela chegou em casa aquela noite: uma bandeira roxa ocupava o meio da sala. O que poderia ser aquilo? Mireille ficou alguns minutos em pé, de frente para a instalação, sem entender nada e conjecturando sobre as diferentes hipóteses, tentando encontrar alguma coerente, em vão. Para fixar o mastro todo enfeitado por fitas coloridas, o vaso de dracena havia sido deslocado. A bandeira era de um tecido estranho, todo bordado mas roxo, só roxo. Mireille se aproximou e percebeu, então, um pequeno bilhete embaixo de um seixo de rio, delicadamente pousado na borda do vaso. Mais uma estranheza: uma mensagem. A garota desdobrou o papel e leu:

“Boa noite, Mireille. Você demorou hoje, não? Não faz mal. Estou esperando você no quarto. Até já, Mimi.”

Mimi! Mimi era seu apelido de criança, mas ninguém mais a chamava assim. O que fazer agora? O que significava aquilo? Sair correndo, chamar o Heraldo, o vizinho lutador de boxe, a polícia? Não adiantava nada: tinha alguém em casa e era necessário enfrentar.

Silenciosamente, Mireille dirigiu-se ao quarto, respirando com dificuldade e controlando o nervoso. Caminhando pelo corredor, ela percebeu umas pequenas gotas amarelas derramadas com certa simetria ao longo do assoalho. Quando chegou no meio do trajeto, uma mancha maior, feita com o mesmo líquido, formava uma serpentina. Como se alguém tivesse espalhado o líquido no chão e brincado com o dedo formando o desenho. Numa das pontas, uma seta indicava o final do corredor e, dali em diante, as gotas se interrompiam.

O coração de Mireille batia fortemente no seu peito. Ela continuou a caminhar e entrou no banheiro, um instante, para pensar melhor antes de encarar o intruso. Pequenos frascos de vidro ocupavam a grande bancada de mármore da pia. A garota quase gritou, tamanha foi a surpresa. Que bagunça era aquela? Luzia, a empregada de tantos anos, sabia que Mireille era metódica e organizada. Como deixara tudo daquele jeito? Mas observando com mais cuidado, Mireille percebeu que não eram seus. Aqueles pequenos vidros eram estranhos. De diferentes formas, continham pequenas contas de vários tamanhos, alguns cheios, outros quase vazios. Numa das prateleiras incrivelmente desordenadas, também tinha outro bilhete, que dizia:

“Mimi, me ajuda, por favor. Não perca tanto tempo. Vem logo.”

Mireille estremeceu novamente, respirou fundo, abriu a porta do banheiro armada de um spray de gel para a barba que Fábio, seu antigo namorado, havia esquecido, e caminhou rapidamente para o quarto, sem se preocupar
com mais nada.

Com o coração na boca e os músculos tesos, ela abriu a porta do quarto. E lá estava. Lá estava ele. Deitado na cama, ligeiramente elevado pelos quatro travesseiros de Mireille, um balofo urso de pelúcia esperava, bebendo suco de laranja e enfiando pérolas coloridas em um cordão que dava várias voltas em seu pescoço.

Quando Mireille entou no quarto, ele levantou a cabeça, sorriu e disse:

“Mimi, me ajuda a voltar? Quero voltar pro Butão.”

Foi assim que Mireille, aliás Mimi, viajou para além da Conchinchina, para os confins do Himalaia, levar Butô, seu urso de pelúcia, para casa.

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