Detalhes nus

Ele adorava observar. Imóvel, na posição de espreita mascarada, seus olhos tamborilavam sob as pálpebras, degustando os menores tremores, os brilhos mais sutis, as inflexões traidoras.

O gozo disfarçado da observação era então analisado, colocado em perspectiva, metaforizado.

A cena daquele dia era sutil. Um homem e uma mulher, frente a frente, em pé, na rua.

A mão dele, levantada com os dedos duros arqueados em paralelo, era meia prece, um pedido de trégua; as pupilas brilhantes, ardiam de um fogo envergonhado; a articulação travada, monossilábica, o sibilante murmúrio eram para ousar sem saber dizer.

O homem gostava daquela mulher.

Ela entendia que a mão levantada era um adeus breve, displicente, que os olhos chamejantes eram um ódio incômodo, os lábios travados, uma dispensa impaciente e apressada.

Ele ainda ensaiou um passo para frente, um sorriso nervoso, uma breve palavra. “Mas…”. Ela assustou-se com a aproximação, o sorriso deu lhe náuseas, a conjunção ficou na sustentação e caiu no vazio.

O homem deu as costas à mulher e caminhou pela rua, ombros curvos, andar mole, chorando. Ela saiu em disparada e refugiou-se no carro.

Ela não entendia aquele homem. Talvez gostasse.

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