Cantoria de domingo

“Ir muit, muit chaten. Ir muit, muit chaiten. Got tra-la-la-la-lá”

Assim cantava alegremente o coro. Tuca saíra cedo para a missa com a mãe, o pai e o pequeno Juca, seu irmão mijão, chorão, chatão.

Ele ainda estava com sono, era domingo e assim mesmo ele devia suportar o gelo do chão da igreja que se infiltrava por dentro das calças, agarrava-se por suas pernas e subia-lhe até o peito. Ainda bem que tinha a cantoria que ele não entendia muito, mas mesmo assim gostava.

“Got um-um-mu , Jesu-su-su”

O coro continuava sua interminável ladainha que Tuca decifrava animadamente. Ele sabia que os cantores louvavam as barbas de Deus e também aquele seu filho que todo mundo chamava de menino mas que já era bem crescidinho.

Mas quando os homens estufavam o peito para gritar com voz de peru “Got go-go Got” ele entendia que não estavam falando daquele Deus barbudo que manda ele arrumar a cama e nunca brigar com o Juca. Falavam de um cara meio divertido. Talvez ele fosse até meio gago como o Flavinho lá da escola ou gagá como o tio Amâncio.

Tinha também aquele pedaço que desafinavam mais ou menos assim: “Jesus fili, fili-li-li-li” e daí estavam querendo falar que Jesus era bem esperto com as meninas porque eram elas que cantavam fili-li-li-li. Tuca achava isso muito esquisito, porque menina era meio chato, meio cheio de ti-ti-ti, tu-tu-tu, pi-pi-pi. E aquele menino Jesus que não parecia nada um menino, até porque ele nunca andava de skate nem assistia TV, gostava de meninas que cantavam para ele aquelas músicas fininhas.

Então, na música lá do coro, tinha o barbudo gago e o filho que gostava de menina. Mas tinha a “Maria-a-a salve-ve-ve- ve” que era a mulher de Deus e que portanto era a mãe do esquisitão que, dizia o padre, era muito arrumado e bom aluno. Mas Tuca duvidava daquilo também, se bem que ele era estranho mesmo. Essa Maria era legal, porque a vozinha sempre falava dela quando ela estava apurada. Tuca não sabia como é que ela podia ser a mulher daquele Deus todo importante e mãe daquele menino todo certinho que também tinha uma vez feito uma coisa legal lá de andar na água, mas Tuca achava que aquilo também era mentira.

“U-u-u, Got go go, Alê e Júlia, Alê e Júlia, Alejúlia a-a-a-a”

Até o Alexandre e a Júlia, seus primos eram da história.

Tuca gostava do coro, porque o Deus brabo, o Jesus CDF e a Maria queridinha-da-vovó eram mais divertidos do que na aula de catecismo.

Mas no final, vinha aquela coisa do “Amen, amen-men-men” e começava aquele padre velho.

Disso o Tuca não gostava nem um pouco. Dava muito sono e o frio do domingo cedinho de manhã amortecia sua cabeça. O coro sim era divertido.

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