De distração em distração

Quando a Terra começou, se é que começou alguma vez, um pequeno distúrbio, imperceptível e muito casual, preocupou o criador, se é que criador teve.

No final da explosão, se acreditarmos que explosão houve, uma minúscula forma de vida que viajava ali por perto resolveu descansar um pouco antes de prosseguir viagem para outros mundos, já que vamos assumir que eles existem.

Aquele pulso, se crermos que a vida se caracteriza por um pulso e nada mais, estava apenas de passagem. Mas dizem, se for verdade tudo o que nos explicam, que ele tinha capacidade de se reproduzir e acontece que justamente naquele preciso momento, ele estava, para usarmos um termo que, se não é lá muito científico é pelo menos compreensível, grávido. Era um pulso vivo grávido.

O tal do ser, porque, se ele era um pulso e ainda por cima estava prenhe, podemos chamá-lo agora de “ser”, estava nas últimas e podemos até dizer, a hipótese é válida, que ele descansava justamente por esse motivo.

Pois o que ocorreu, então, é que o ser em questão infantou um outro pulso como ele, ou pelo menos parecido, já que a genética é praticamente irrefutável, mesmo naqueles tempos imemoriais.

Mas o fenômeno não parou por aí. Todos sabemos que vidas pequenas são dependentes de seres maiores e principalmente daqueles dos quais saíram. Isso é quase sempre verdade e, nesse caso, deve ser. Então, o ser maior, o pai ou a mãe, se atrasou e acabou esquecendo que estava apenas em viagem intergaláctica.

É possível, então, inferirmos que o tal do primogênito nem mais quis saber de cair fora e que, depois de um tempo, ele quis infantar de novo já que é sempre assim: seres tomam gosto na criação. Essa vontade também acometeu, é claro, o seu filho.

Nesse momento, podemos imaginar duas hipóteses igualmente válidas e que conduzem exatamente à mesma conclusão. Portanto, das duas, uma, ou as duas, podemos imaginar, tanto faz, que os seres alienígenas eram auto-suficientes e procriavam sozinhos ou, então, o que poderia também ser verdadeiro era que não havia sido apenas um ser que descansara na Terra no meio da viagem mas vários e nesse caso, eles teriam se encontrado, fornicado e procriado. Assim, na vadiagem mesmo. De qualquer forma, o resultado era o mesmo: os seres começaram a criar proles e mais proles que aos poucos povoaram a Terra recém-explodida, ou não tão recentemente, mas tanto faz porque ninguém está preocupado com o tempo nesse raciocínio.

O que aconteceu depois não tem mais graça alguma. Os seres pariam e povoavam e, quanto mais povoavam, mais pariam e vice-versa.

Mas o criador, Deus, o sujeito lá que mandou explodir a Terra e observava tudo sentado numa nuvem, ficou encafifado porque, afinal de contas, aquele acidente iria dar-lhe dor de cabeça um dia, é claro.

Se admitirmos que ele queria aquilo, então, por que foi tão por acaso que o pulso veio parir na Terra? Agora, se admitirmos que ele era, por exemplo, apenas um escultor ou um pirômano com vontade de brincar de explosão, como é que ele não varreu logo o intruso dali?

Porque o fato é que, enquanto ele pensava, e todos sabem que deuses pensam muito, ou pelo menos sentem as coisas no mesmo instante que elas acontecem com perfeita capacidade de antecipação dos resultados infinitos, os seres estavam na maior bagunça no rochedo. Isso ele via lá de cima e, à medida que as vidas na Terra praticavam seus reflexos, iam se misturando uns com os outros, sem parar, na maior confusão, no maior caos descontrolado.

Foi então que um milagre, o primeiro e o único sem dúvida, aconteceu.

Deus acabou gostando do que viu um dia, uma hora, um século qualquer. Ele percebeu que os tais dos seres, aqueles intrusos, começaram a cavar no seu rochedo, estripar-se uns aos outros e isso era divertido, e até brincaram de explodir as coisas e os outros também, como ele.

O criador, que estava ali só para fins científicos ou para brincadeira, distraiu-se também, como aqueles pequenos pulsos do espaço que aportaram na Terra um dia.

Foi daí que ele se esqueceu de tudo e resolveu ficar por ali, jogado na nuvem, observando e às vezes até interferindo.

Dizem que foi mais ou menos assim. Ou não.

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