Mas o que será que tem aí atrás? Estranha e interessante essa claridade.
E, numa manhã, minhas pálpebras se descolaram de vez. Primeiro tomei um susto danado com aquele jato de luz entrando por dentro de mim. Gritei e chorei. Mas, aos poucos, fui me acostumando e percebi que não sentia dor, nem fome, nem aquela cólica chata na barriga.
Lá fora, tinha umas formas em movimento. Às vezes, eu me assustava, quando algo maior entrava na minha frente. Fui percebendo também que a luz variava. Às vezes, ela era intensa e irrompia crua;outras, se acamalva até ficar por um bom tempo preta, escura, como era antes.
Foi assim no primeiro dia. Na manhã seguinte, eu acordei e senti apressado a necessidade de abrir os olhos novamente. Não me assustei nem um pouco, porque as formas que balançavam na minha frente eram parecidas com as da véspera. Eu era até capaz de reconhecer algumas delas, embora elas fossem sempre ligeiramente diferentes. Isso era curioso, e fiquei bastante tempo olhando para o mesmo lado. Fechei os olhos uns instantes e abri novamente. Aquela coisa estava lá do mesmo jeito que estivera antes. Arrastei-me para o lado, sempre encarando-a. Ela mudava ligeiramente, mas eu entendi, enfim, que era exatamente a mesma coisa.
Nos outros dias, mais e mais coisas apareciam diante de mim, sempre ligeiramente diferentes, mas incrivelmente iguais. Foi daí que comecei a entender que a luz dá forma às coisas, e que essas coisas têm sua própria forma e posição no espaço.
Fui aos poucos vendo que as coisas também eram diferentes entre si, mas que, dependendo do ângulo da luz, elas também podiam se confundir e que, quando está tudo escuro, todas as coisas formam uma coisa única.
Aprendi também, alguns dias depois, que o que eu via eram manifestações que estavam fora de mim, ou seja, que eu tinha também uma forma que era só minha. As coisas eram coisas, e eu também era uma coisa como elas, mas que, apesar disso, cada coisa tinha uma função ou uma razão de estar lá.
Isso me intrigava cada dia mais um pouco e, assim que eu acordava, além de verificar satisfeito que tudo estava no mesmo lugar, eu começava aos poucos a reconhecer que certas formas, além de reagirem à luz que nelas incidia, também sofriam mudanças, quando eu as tocava. Elas até mudavam de lugar.
Essa descoberta mudou tudo, e eu tinha muita curiosidade em me aproximar e mover todas as formas que eu encontrava pela frente. Descobri, então, que as coisas tinham personalidades, como eu. Portanto, elas podiam ter reflexos imprevisíveis e descobri que, às vezes, me machucavam ou me davam prazer. Eu comecei a classificar as coisas, então, em função de suas formas, de suas posições e também da resposta que davam a minhas ações. Isso era fascinante.
A medida que o tempo passava, tudo entrava nesse inventário cuidadoso, de tal forma que ele ficava cada dia mais complexo. Até que eu perdi a conta e comecei a me atrapalhar com os julgamentos que eu fazia sobre tudo. Isso me angustiava tanto que desisti completamente de classificar, porque simplesmente não havia mais registros suficientes de memória capazes de tudo ordenar. E voltei a simplesmente observar e reagir, reagir e observar. Isso funcionou bem, porque era como se os registros aos poucos fossem se incorporando dentro de mim, quase involuntariamente e obedecendo a uma ordem com a qual eu não precisava mais me preocupar.
Quando eu cresci e fui para a escola e para a rua, aos poucos aprendi a dar nome a tudo, a inventar nomes e também eu fiquei muito sábio sobre muita coisa.
Mas até hoje ainda vejo outras formas estranhas se movendo à minha volta, formas de vida que eu nem sei classificar, nem com a cabeça nem com o coração. E isso é bom, porque dá vontade de continuar, todos os dias, abrindo os olhos e vendo a luz dar forma a todas as coisas da criação.