Para Mau
Ele apanhou muito. De todos. De tudo.
Mas, os olhos empalados no horizonte e os pés soldados no asfalto, ele não se mexia, não se alterava, não suava nem chorava.
As pancadas eram fortes e persistentes. Na cabeça para atordoar, nos joelhos para desequilibrar, no coração para sangrar, nos ouvidos para enganar, nos olhos para mascarar, no baixo-ventre para alienar.
Todos com seus truques, suas rasteiras, seus planos de batalha e instintos selvagens. Surgiam, com seus cassetetes e torturas inconscientes, batiam, às vezes enfrentavam, quase sempre fugiam.
Tudo complotava, urdia estratagemas e estratégias de sedução, falsidade. Eram errantes caminhos que se multiplicavam diante dele e as sereias cantavam em cada esquina.
As vezes, todos e tudo lhe davam um repouso, uma ilusão temporária de prazer. Ele envolvia-se, mas não arredava os pés do chão nem lacrimejava.
Porque lá dentro, nas entranhas de suas sinapses, nos fluidos imateriais de seu cérebro, ele construía uma autovia, uma enorme e intrincada estrutura subterrânea, um edificio cheio de elevadores, escadas rolantes e saídas de emergências.
Quando batiam, quando iludiam, quando lhe esvaziavam os humores, quando lhe encantavam a carne, novos circuitos surgiam, espalhavam-se, difundiam-se. Como virus.
E, um dia, ele não mais sentiu, viu nem ouviu as porradas de todos e de tudo. Ele não mais se enfeitiçou com migalhas de felicidade tampouco.
Foi aí que ele se drenou para dentro e se mandou.