Dona Luzia

Para Clélia

Detrás de um pé de romã morava Dona Luzia.

A casa era arrumada, pequena, nem pobre, nem grande. Pelo terraço com cortinas de samambaias, você entrava. Na sala, uma mesa com três cadeiras, vaso de vidro colorido tronando no centro, duas cadeiras de balanço de espaldar alto, um pequeno sofá de cócoras no chão e um grande relógio dourado numa marquesa barroca. Ao fundo, a cozinha asseada, emanava o louro do feijão que fervia pacientemente. Tinha dois quartos na casa, ladeando a sala.

Todos os dias, Dona Luzia esticava a colcha de piquê, limpava o pó da máquina de costura e encerava o vermelhão do piso. Depois, a velha sentava na varanda e contava a idade passar, escondida nas samambaias, no pé de romã, no tempo, na recordações.

Mais tarde, a avó iria beliscar, lavar-se, limpar o fogão, alisar os porta-retratos, chorar um pouco, arrastar-se novamente para o ninho verde e apagar o dia com o terço nas mãos. Mais um dia que passava. Mais um.

Às vezes, tinha visita. Tinha a pressa dos filhos, a pressa dos netos, a pressa do bolo de fubá que esfarelava, quente ainda, entre um bom-dia e um deus-te-abençoe. Mas era só às vezes. De resto, a vida de Dona Luzia não acabava mais de adormecer.

Era assim a vida. Arrumada. Nem triste, nem feliz, nem nada. Um ocaso longo e invariável.

Mas uma vez por ano, todos os anos, era uma alegria. Uma âncora de viver. Era quando o pé de romã desabrochava primeiro, desflorava depois, e uma única fruta persistia, engordava, estufava, esticava-se. Uma única romã insistia. Dona Luzia, de detrás, torcia.

E quando, enfim, a romã explodia sua boca de sangue, dona Luzia gargalhava a sua.

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