Cupido

Um marinheiro barbudo, apoiado numa coluna do templo, alisava seus tesouros. Enquanto ele desembaraçava um a um os fios de ouro, desafinava uma canção de roda. A ruína, amarelada pela sonolência do dia, ecoava em cânone o melancólico estribilho. E adiante, nas rochas que cobriam a encosta da colina, nas dobras secas do vale, no mar cobalto, na bruma algodoada do horizonte, o imenso silêncio paralítico.

Quando o pirata cessou de pentear suas jóias, ele silenciou, acocorou-se e fumou com gosto um longo cachimbo de alecrim. Uma mão no forno de porcelana, outra na longa barba cinzenta, ele observava o teatro do alto de sua amnésia. Onde estava? O que o trouxera ali? Quem ele era? Isso o fazia ressonar e criar caóticos halos de saudade no ar.

No final da grande cordilheira que se arrastava até o oceano, uma sereia dourava-se no sol da tarde, beijando as marolas que ritmavam sua cauda. Ela distraíra-se por todo o dia, seguindo um cardume de tartarugas migratórias, pulando em anêmonas coloridas, alisando moréias malcriadas e telefonando para suas correspondentes asiáticas.

A sereia voltou, então, para o mar e, com água até o nariz, descansou o olhar sobre a superfície lisa, sobre a areia inclinada, a relva selvagem, a cena lírica de sua solidão. Há quanto tempo não via seu amante? Onde estava? O que seria de sua eterna lida? Isso a fazia suspirar e desenhar fios dourados de tristeza no vento.

Um anjo passou, planando sobre a Terra monótona. Ele viu os sinais. Com delicadeza, soprou na fumaça perfumada e alinhavou os cabelos de ouro que bailavam no ar. Por fim, num movimento de seus divinos desígnios, costurou desespero e esquecimento.

Foi assim que foi. O amor não pode errar no vento.

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