Bira correu para a sala: estava um pandemônio.
Os móveis revirados, os estofados rasgados e grandes manchas de lama nas paredes. Um cheiro de carniça quente flutuava no ar e, no centro, um vapor denso rodopiava em torno do rato negro decapitado. A pouca distância dali, o tapete estava enrolado e formigando de vida. Com os pés, Bira tocou os volumes que se movimentavam em tremores convulsivos. Escaparam dali a cobra articulada, a iemanjá engessada e o pequeno cão rebolando a cabeça. O menino abaixou-se, apanhou o mata-mosca esangüentado e, escudado por uma almofada, arrastou-se pelo chão, ofegando.
Um medo rouco, rugindo na penumbra, circundava o teatro.
Devagar, com os sentidos aguçados e perolando um suor nervoso pelas têmperas, Bira iniciou sua defesa.
Dois sobreviventes da carnificina saíram de seus esconderijos. O egípcio esquálido e o arlequim de pijama amarelo juntaram-se ao menino. No quartel-general do combate, atrás de uma barricada de livros, Bira, Menotep e Giovanni discutiam. Pelas dimensões do desastre, Giovanni supôs que fosse um ensaio de Carnaval temporão. Menotep discordava e pontificava que era uma enorme migração de camelos sedentos. Mas Bira, general experiente, descartou as hipóteses e, depois de um breve transe inspirador, levantou o indicador em riste e apontou para a gaiola de acrílico escancarada na parede: os tigres gêmeos de Bengala escaparam!
Após a hipnótica revelação, o trio manteve um longo e atônito silêncio temperado pelos roncos tenebrosos dos assassinos invisíveis. Bira pescou do seu bolso um apito e, depois de despachar algumas ordens precisas, tocou o início das hostilidades.
O egípicio de pano, introduziu-se por detrás das cortinas. Seu caminhar troncho permitia uma infiltração discreta. Ele caminhou até o lado setentrional da estante e, ao sinal, se postaria para espantar os felinos. Giovanni por sua vez cuidou de escalar o móvel. Sua missão era simular uma pantomima. Seus talentos de marionete enfureceriam os animais. Ao som do apito, simultaneamente os comparsas assumiram seus postos, e Bira despontou do outro lado com a isca dos restos mortais do roedor de plástico.
Nesse instante preciso, a porta da cozinha abriu-se:
– Bira? Já escovou os dentes?