Era uma vez

Era uma vez, uma princesa da Dinamarca que se apaixonou à revelia de toda a família, dos compromissos políticos e também da ciência. Mas foi daqueles amores que não se pode conter. Cada vez que o galgo branco saía no jardim, o coração da menina saltava como um feijão mexicano. O cão também não escondia sua devoção. Latia e se requebrava só de farejar o perfume de lavanda almiscarada da pequena.

Inocente em flor, Kátia confidenciava suas juras até nos corredores do palácio. Logo a notícia chegou aos ouvidos reais. Seu pai, já velho, pouco duvidou das intenções da princesa. Afinal, ele também tivera outrora uma grande paixão eqüina e amargara a pilhéria da corte por isso. A rainha também caíra de amores por um papagaio bem como todos da dinastia anterior por animais diversos. Era, pode-se dizer, comum, embora perigoso.

Contava-se, por exemplo, que o avô da princesa fora banido do reino, ao assumir sua incontrolável paixão por uma cabra montanhesa. O mesmo com sua esposa e o tamanduá real do zoológico. Era uma maldição ancestral e, para prevenir o futuro sombrio de Kátia, o rei encarcerou a pequena na torre do castelo de inverno, guardada por mudos guerreiros. Seu destino estava selado, até que o alvo de suas taquicardias fosse comprovadamente eliminado.

Quanto ao pobre galgo, ele fora levado ao cadafalso e, para não levantar suspeitas, a execução teria lugar numa província deserta e longínqua. No entanto, na hora de pisar no patíbulo, foram tantas as lágrimas do cão, que elas inundaram o coração enregelado do executor malvado. Assim, redimindo-se de mais um pecado, o carrasco degolou um pau de cedro que ele cuidadosamente esculpira à imagem do galgo.

O crédulo rei reconheceu a petrificada criatura como prova da morte canina e, com grande pompa, liberou a princesa.

Não fosse essa uma história, assim findaria o destino de Kátia. Mas, nesses tempos perdidos, as lendas tinham outro fim.

O cão apaixonado cavalgou anos pelas planícies brancas, décadas. A pequena princesa amargou um casamento humano durante anos, décadas. O rei um dia morreu, e o degolador virou monge.

Nas condolências reais, o drama findou por obra do carrasco, que anunciou sua desobediência. Nesse instante também o pequeno galgo ressurgiu. Ele jogou-se esquelético aos pés de Kátia, que desmaiou nas suas rendas enlutadas.

Não fosse essa uma história, aqui terminaria o idílio de Kátia e o galgo. Mas, nessas eras sem testemunho, as lendas não tinham fim.

O galgo, reanimado pelos pajens, declarou-se à Kátia, que pediu bênção aos sisudos cardeais. Só que não deu certo, por causa dos dogmas. O galgo foi levado aos ferros e Kátia, à Patagônia.

Sendo essa uma história, cá terminam as palavras. Sendo essa de amor, foram-se outras e muitas vezes mais, sem fim.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

Connect with Facebook