Publicitário sabe escrever?

Talvez o maior dilema de uma agência de propaganda esteja na dificuldade de conviver simultaneamente com estágios de pensamentos quase opostos: clientes, profissionais e veículos ancorados em formatos e conteúdos de comunicação tradicionais, de um lado, de outro, um raciocínio revolucionário sobre a nova maneira de estabelecer conexões com os consumidores.

A diferença básica centra-se na própria anatomia dos novos meios de comunicação (nem tão novos) em comparação com os antigos. De um lado, uma lógica broadcast, de poucos para muitos. De outro, a lógica distributiva, de muitos para muitos.

Essa mudança subentende mudanças profundas nas estruturas, inclusive e principalmente nos talentos dos profissionais que devem sambar entre duas realidades.

Se todo mundo pode (e quer) ser seu próprio veículo de comunicação, seu próprio produtor de conteúdo, seu próprio Boner e seu próprio Boni, a propaganda normal fica um pouco sem sentido, artificial e óbvia demais. Da mesma forma, com a anabolização do zapping ao infinito, o afastamento não é mais um tabu, é um câncer nos sistemas publicitários.

Mas a diferença mais insidiosa é a de habilidade e talento. Um profissional que só sabe criar e produzir aqueles formatinhos clássicos, resumidíssimos, com formulas sambadas que contavam com a paciência e a fidelidade das audiências tem que começar a aprender (ou a reaprender) a contar histórias, aprender (ou reaprender) a escrever, aprender (ou reaprender) a investigar, aprender (ou reaprender) a ouvir, aprender (ou reaprender) a responder.

No dia e na hora que só tivermos a oportunidade de impactar uma única vez as nossas audiências, sem contar com a freqüência que constrói convencimento, talvez tenhamos que aprender ou reaprender a criar.

O novo criativo talvez tenha muito mais de escritor, jornalista, documentarista, historiador e poeta do que de repentista e especialista em aforismos precoces.

17 thoughts on “Publicitário sabe escrever?

  1. Olá!
    Excelente artigo!
    Ainda vemos muitos profissionais presos a fórmulas clássicas, e como vc bem definiu, por vezes, resumidas. Este novo contexto na comunicação exigirá dos criativos mais que o domínio do formato, mas a exploração de sua inteligência linguística no real sentido do termo.

  2. Saber escrever é irrelevante pra um redator, assim como fazer arte é irrelevante pra um diretor de arte. São apenas veiculos a serviço de algo maior: a ideia.
    A ideia comanda, sempre comandou e sempre vai comandar. Estamos contando histórias, como há seculos as pessoas fazem. Encantar as pessoas é o desafio, não colocar uma letra depois da outra na ordem certa.

  3. sei…a camisa de força da idéia. há séculos que só existem meia dúzia de histórias, meia dúzia de idéias. qtas idéias novas conhecemos? o que encanta não são as idéias – necessariamente novas – mas a maneira de conta-las. por isso escrever e fazer arte não somente é relevante como revelador.

  4. A essencia de todas as historias pode se resumir a meia duza, mas nao significa que existam apenas meia duzia delas para serem contadas. A arte da história está em tantas outras coisas além da palavra. Qto mais da escrita. Uma não vive sem a outra, concordo, mas o mais letrado de todos os homens pode ser (e muito provavelmente deve ser mesmo) um pé no saco. Sem falar que ele trabalha como revisor e nao redator.

  5. estilo nao tem nada a ver com erudição. saber escrever não tem nada a ver com letrismo. nao sei em que outras coisas pode estar a arte da história além da palavra.

  6. Palavra não é só escrita. Um pajé não sabe escrever e é um eximio contador de historias.

  7. Concordo. Mas estilismo, letrismo, aforismo e neologismo não fizeram diferença. E se fizeram foi pq mudaram a historia do pobre indio. Um sujeito nao precisa saber escrever pra escrever uma historia surpreendente com uma bela virada. Precisa só ser alfabetizado.

  8. Acho que o “escrever” do texto significa, mais do que saber botar uma letra depois da outra, ser capaz de criar peças de comunicação mais próximas da arte e do entretenimento do que da propaganda convencional. Se o consumidor tem a opção de não ver propaganda, ele só vê se interessar. Se não interessar, ele não vê e pronto. Ou seja, é otimismo, porque prevê que uma propaganda com mais qualidade criativa vem aí.

  9. eu esperava ver manifestações de repúdio dos redatores e foram os diretores de arte que se rebelaram.

  10. Citando o Saramago, que acha (não por acaso) que as palavras devem ornamentar o texto: Degrau por degrau, vamos regredindo até o grunhido.
    Em tempo:uma imagem vale mil palavras. Ok, mas quero ver você dizer isso só com imagem.
    Escrever é – ou deveria ser – transmitir idéias com clareza. Nisso eu acredito.

  11. Peguei a discussão atrasado, mas não tive como escapar.
    Caro Anton, como vc pode afirmar que fazer arte é dispensável a um diretor de arte…??
    Chegamos ao cume.
    Meu caro, nem sei qual é seu ofício, na verdade me pareceu tão sem propósito seu comentário que tenho dúvidas por onde começar. vai uma tentativa: saber escrever, ou conhecer e exercer uma arte, vem neste caso posto, antes até do ofício, saber escrever é saber pensar com clareza. Imagine..
    Arte ao dir de arte, é o princípio, o desejo obrigatório, a harmonia ou arranjo das cores, a disposição da forma, como disposição a vc mesmo, e como a no papel. O conteúdo já se sabe, ou se deveria, o conteúdo faz e fez na história movimentos ondulares, o pensamento do homem vaga mas o que se caracteriza é a forma. sem saber escrever ou conhecer a arte, os textos continuarão assombrosos, assutadores, e os lay-outs pobres e tristes. Volte ao início.

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