On / off line é papo de tiozão

O garoto era office boy e recitava de um fôlego só todas as músicas do Racionais. Até os cactos da recepção se emocionavam. Ele queria melhorar de vida, quem sabe ser montador de lay-out. Ao invés de levar pacotes para lá e para cá, ele teria a chance de ver o que tinha dentro. Estudava comunicação à noite, dava duro, queria uma chance.

A mãe teve azar quando grávida. Tomou alguma coisa que deu errado: o garoto nasceu com um toco ao invés do braço direito. Até ali, nem atrapalhava os desafios de MCs de Cidade Ademar: ele ganhava todos. Mas com estilete e régua, não ia ser moleza. Treinou sabe-se lá quando, treinou e treinou. Em uma semana, virou o melhor montador da agência. E ainda fazia máscara bisotada que eram um show.

Está todo mundo com tênia na barriga só de pensar que,  daqui a poucos anos, o brilho de hoje não passará de  nostálgico verbete em empoeirados anuários. E a gente se esforça com falácias compensatórias: é tudo a mesma coisa, idéia é idéia e genialidade é genialidade. O que tem de tão diferente entre um filme de propaganda na televisão de outro para a Internet? Qual a diferença entre um super max plus banner e um anúncio de página dupla com apliques, encartes e pop-ups?

A gente vai pensando assim para acalmar a bicha que cresce nas tripas. Mas perde um tempo que dá até medo.

Seria, sim, tudo a mesma coisa, ou muito parecido. Seria só uma questão de adaptação das ferramentas, aprender ou ter um escravinho pra fazer. Seria a mesma coisa se todo retratista com tela e pincel tivesse aprendido a revelar um filme na câmara escura quando inventaram a fotografia. Não aprenderam e perderam a serventia.

A diferença não é a técnica. Se fosse, não seria uma revolução.

A diferença está nas pessoas que vão ver, usar, interagir, espalhar, repercutir, mash-upar nossas criações. A pessoa pode até ser a mesma, e há controvérsias, mas na mídia de antigamente, a gente é meio atrofiado do juízo. E tudo bem, é assim e não tem erro. Mas nas outras, nas novas, a gente está obsessivamente ligado, interligado, alucinadamente participativo, e muito, muito impaciente.

Então não é a mesma coisa não senhor. Isso aí muda tudo e principalmente deveria mudar nossa maneira de criar. Mas a gente ainda acha que é só aprender a usar um software.

E o tempo ruge porque tem gente que já nasceu usando a régua com o ombro e o estilete com a boca. Tem gente que acha esse troço de on/off line papo de tiozão.

5 thoughts on “On / off line é papo de tiozão

  1. Lí que os primeiros automóveis tinham o lugar do motorista fora do habitáculo. Uma herança das carruagens de até então. O pobre do condutor foi condenado a tomar sol e chuva na cachola porque a nova tecnologia ainda contava com a interpretação da velha cabeça. Nesta fuzarca de on/off, tradicional, inovação, tecnologia etc, etc, etc, será que estamos todos tomando chuva?

  2. Você fala tudo que eu passo, penso, reflito e replico pros meus clientes, parceiros, amigos, estagiários, assistentes, escravos… Belo texto, meu caro. Simples e direto.

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