A cultura da abundância

Armários de família costumavam ser herdados. Eram parte de um patrimônio físico e emocional inestimável e não havia uma única casa de classe média da Europa que não possuísse um desses grandes móveis de carvalho, trabalhados nas portas, que ao abrir-se exalava outros tempos, outros amores, outros sofrimentos e alegrias. A  moda era uma preocupação supérflua de minorias. A cultura da reposição era o passatempo dos nobres enfadados com o ócio. A abundância também virou aspiração da burguesia, que rivalizava assim com os carcomidos de sangue azul e o mesmo com o trabalhador face ao burguês abonado: o sonho de passear imensos carrinhos na Ikea e aumentar os limites no cartão de crédito.

No século XXI, o valor supremo das sociedades dominantes é quantitativo. Prosperidade é fator da velocidade do sucateamento. E o armário de família foi para o mercado das pulgas ou para o guarda-móvel, substituído pelo closet abarrotado.

O maior problema dos países em crise é o excesso de abundância e a falta de pobres em quantidade suficiente para consumir o descarte dos ricos.

A nossa “vantagem”, da China, da Índia, é ainda termos muitos pobres. Mas nosso azar é que só sabemos curar excesso de abundância com mais abundância.

Entrar em outlet de Miami abarrotado de brasileiros é a visão dantesca de uma catástrofe anunciada: o culto da abundância versão mortos de fome.

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