Propaganda: se perguntar muito, nem vem

É antigo – até onde alcança a minha memória – perguntarem se a propaganda ainda é necessária e se é um bom mercado para se investir e trabalhar. O conselho mais adequado deveria, antes de tudo, levar em consideração a situação biográfica e psicológica de quem indaga. Isso evitaria a resposta lugar-comum e a perda de tempo. Tentemos o exercício.

Quando alguém é ex-publicitário, voluntário ou involuntário, a resposta correta é “não”: a propaganda é uma futilidade dispensável e nociva à sociedade. Podemos também tentar um passe-partout como “o mundo mudou” e confirmar que o capitalismo moderno criou ferramentas mais eficientes, baratas e automatizadas para convencer consumidores a comprar produtos e marcas. Podemos também dizer a essas pessoas saudosistas, mesmo as mal-humoradas, que os bons tempos se foram e que é melhor aprofundar-se nos criptometaversos-AI do momento, investir em psicodélicos ou aprender de cor mais uma palestra de alguma Amy Webb. Isso vai ser bom para ex-publicitários e melhor ainda para aqueles felizardos que ainda trabalham com propaganda ou marketing. De um lado, reforço positivo pela decisão de largar o filé, de outro, alívio sem rancor de se livrar do peso dos grandes “heróis” do passado.

Quando a pessoa é aspirante, a melhor resposta também é “não”: a propaganda é uma profissão difícil e que dá pouco dinheiro. E ainda podemos assustá-la dizendo que a propaganda envolve trabalhar mais do que os gurus do mindfulness aconselham e que está ensanduichada entre dois potentados decisórios, os anunciantes e os veículos – portanto, faz mal à vaidade, à beleza e à ambição ter que incorporar ideias fracas ou mecânicas à genialidade criativa. Os coitados que ainda tentam mostrar que boas ideias edificam a existência e que vendem apenas de modo acessório são sobreviventes, lutando com poucas armas contra a brutalidade das ferramentas automatizadas e a visão a curto prazo de quem paga a conta. Melhor não entrarem nesse antro de perversidade, exploração, futilidade e arrogância. Melhor também para o mercado, que tem pouca paciência e espaço para o turismo profissional.

Finalmente, quando a pessoa sofreu alguma desilusão, grande ou pequena, deitada em um divã ou diante do espelho, a melhor resposta é “sim”: a propaganda sempre será uma missão crítica enquanto as marcas existirem no sistema capitalista que conhecemos. E “sim” de novo: os mecanismos automatizados de insistência, perseguição e interrupção – a convencidinha propaganda científica – podem estar cansando a beleza dos consumidores. Além disso, essas práticas, quando concentram todo o investimento, se provaram caras e ineficientes a longo prazo. “Sim”, pois – a menos que a gente volte muitas casas, venda produtos sem o verniz lúdico das marcas e mude para um sistema sem competição e no qual monopólios são a regra – a propaganda, a boa propaganda, é o que faz a diferença quando tudo comunica-se de forma triste, medíocre, vulgar ou simplória. E “sim”, porque é desafiador ser, todos os dias, há décadas, ameaçado por ferramentas que decretam o fim da boa ideia. É divertido ter uma boa ideia que contraria a ameaça. E, obviamente, “sim”, porque desafio e diversão são o que nutre, de energia, realização e dinheiro, a vida que vale a pena ser vivida.

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