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Big idea em Mongaguá

Antes de mais nada, para falar de Big Idea, é bom definir o que é essa Terra Prometida, Eldorado, Atlântida, País das Maravilhas. Lamentavelmente, existem tantas definições para Big Idea quanto existem Big Ideas. Em outras palavras, uma Big Idea geralmente define-se depois de encontrada.

Para alguns, Big Idea é simplesmente uma boa ideia. Esse talvez seja o mais honesto dos entendimentos.

Para outros, Big Idea é uma espécie de mínimo denominador comum, suficientemente maleável (medíocre) para servir (preguiçosamente) de referencia para toda e qualquer interface de uma marca com seus consumidores.

Para alguns, Big Idea é uma celebridade, para outros, um jingle; para alguns Big Idea é um slogan, para outros é uma identidade visual; para alguns Big Idea é uma data de entrega criativa, para outros Big Idea é só uma alternativa linguística para a mais vulgarizada das palavras, a Ideia.

A definição de Big Idea também flutua ao sabor das tendências – e sabemos como esse mercado é influenciado por qualquer brisa que sopra do Tâmisa ou da Côte d’Azur. Pois a moda agora é dizer que uma Big Idea é uma ideia que tem poder de transformar uma marca num agente de transformação social ou cultural.
Seguindo essa onda, a Big Idea virou uma espécie de álibi para justificar os objetivos mornos, prosaicos e por vezes maliciosos das marcas. É a carta de nobreza do marketing e da propaganda, a moeda que compra a consciência e uma gleba no céu.

Seríamos ingênuos de acreditar que o resultado de Cannes 2013 vai redefinir o papel das marcas na sociedade. Cannes não é Camp Davis, Kyoto, Davos. É só uma festinha de firma, entre colegas, na Mongaguá francesa.

A vaca chutou o balde

A temperatura era alta na sala. O leite ordenhado comprara castelos na Espanha, Ferraris, iates, jóias, seduzira as mais lindas mulheres, celebridades, reis, imperadores e a Rede Globo.

– Gente, a big idea é criar um aplicativo que conecta pessoas através de uma realidade aumentada ligada via satélite com a estação espacial internacional que recria uma ambientação holográfica com light mapping em 3 D e sensores de movimentos que estimulam o córtex límbico enviando sinais eletromagnéticos diretamente nas sinapses do prepúcio, induzindo um big gozo estelar.
– É uma gamificação fantástica!
– Um social engajor!
– Vai gerar earned media, PR!
– É uma plataforma de conteúdo nas own medias!
– Titanium, gente, titanium!
– Já imaginou o vídeo case com o Justin Bieber?
– O programa do Carl Sagan e o Larry King!
– E o Porta dos fundos?!

O estagiário levantou a mão e, tímido, mas determinado, pergunta:

– E a nível de filme de propaganda de 30’ na televisão? Alguma big idea?

Coletivo de ideia é big idea

Comportamentos coletivos que se auto-influenciam são da natureza humana. Tem gente que recebe convite anônimo para comparecer em local estranho, numa hora inapropriada para participar de algo que nunca foi feito antes. E vai. Muitos vão. Pela simples crença inconsciente de que outros também atenderão ao chamado do destino. Experimenta buzinar num túnel, olhar no vazio parado no acostamento da estrada, comprar um tênis de marca esquisita, rir numa situação sem graça. Em pouco tempo, outros irão buzinar, parar, comprar, rir. É assim que se deu a revolução francesa. É assim que se deu o genocídio em Ruanda. É assim que se dá na propaganda também.

Experimenta promover um evento enorme, com celebridades incontáveis, produção faraônica, em Londres, Berlim, Barcelona, no deserto do Atacama. Pode ser um show, um keynote, um jogo de futebol, um piquenique. Experimenta fazer desse encontro memorável um documentário. Um longo documentário bonito, com texto bonito, entrevistas bonitas, muitas câmeras, muita graça, vinhetas, rimas visuais. Experimenta fazer esse documentário em vários capítulos. Experimenta fazer uns cortes para conteúdo de rede social, experimenta fazer uns cortes para um filme de break exclusivo, experimenta fazer uns cortes para filmes de 30 segundos, 15 segundos, vinhetas de 5. Experimenta empacotar tudo como uma big idea. Experimenta dizer que é um conteúdo riquíssimo. Experimenta dizer que a marca que vai financiar tudo isso é só um viabilizador, uma alavanca, um mecenas desse conteúdo inédito. Experimenta fazer uma estratégia de RP que anuncia o feito antes do feito, experimenta soltar teasers nas redes. Experimenta defender que é um material universal, global, trans-tudo. Experimenta dizer que não é propaganda, é cultura.

Coletivo de peixe é cardume, de cachorro é matilha e de humano inteligente é humanidade burra.

Coletivo de ideia é big idea e de emoção, não é emoção, é histeria.

Big idea em tempos ultra-modernos

Até um criminoso óbvio pode ser inocentado por falha no processo. Basta que algum procedimento padrão não tenha sido seguido e o advogado de defesa pode recorrer do vício, anulando assim o julgamento. O processo é mais importante do que as evidências.

Na propaganda também é assim: o processo – quando existe – trona nas grandes decisões. Todas as aprovações são reféns dos processo.

E como na propaganda não existe código universal a ser cumprido, “Processuar” no cliente é mais importante do que criar.

A reunião transcorria como reza a praxis democrática e didática, ou seja enormemente povoada. Todos estavam ali para cumprir um papel pré-definido: opinar sobre tudo e decidir sobre o específico. Da mesma forma, a apresentação transcorria devidamente esquartejada, primeiro a visão geral e depois o necessário esquartejamento: a Big Idea e as aplicações diversas.

Bem que um sobrevivente da maratona de trabalho tinha alertado: nenhuma ideia resiste a um filme para consumidores; e um filme para públicos profissionais; e um filme para funcionários; e anúncios para cada target; e uma “conteúdo colaborativo”; e um material de ponto de venda; e um “PR”; e um endomarketing; e um desdobramento nas “redes”; e um cronograma; e um orçamento. Mas ele estava virado, coitado, ninguém ouviu.

Depois de horas de apresentação, todos opinaram: “gostei da Big Idea mas a ativação das promotoras nas feiras agropecuárias de Iowa e Missouri me parece pouco amarrada” ou “Big Idea incrível, parabéns gente, mas precisamos rever a estratégia de seeding dos blogueiros especializados porque eles não podem se achar parte de uma campanha publicitária” ou ainda “me emocionei com a Big Idea, de verdade, mas aquele conteúdo para o Face, vai custar muito caro”.

Foi um grande sucesso, todos saíram extenuados, mas satisfeitos.

Foi um grande sucesso porque todo mundo vai ter trabalho e se sentir decisivo.

Foi um grande sucesso porque cada tim tim de cada tim tim foi ticado.

Foi um grande sucesso porque a soma de tantas conquistas liliputianas deu a sensação de vencer um gigante.

A Big Idea não resistiu a tanta Small Ideas – Small para o todo e Big para as partes.

O que importa é o processo. O processo, ele sim, é e sempre será BIG.