Tag Archives: Novela

A avenida de nosso Brasil

Nosso über Brasil do futuro é um sonho incerto. Mas como somos povo de fé inquebrantável, ainda navegamos com ginga, driblando as marés novelísticamente.

No entanto, talvez já possamos aprender com os calos incipientes: não percamos a inocência e a humildade. Nascemos ontem e cabulamos a escola.

O sinal perverso vem dos valores invertidos de uma prosperidade recente. A afluência não é fruto do esforço mas do desejo: compro porque quero e não porque posso.

Em tempos de um presumido pleno emprego, em tempos em que o dinheiro é o valor supremo, estudar não garante emprego, nem dinheiro.

Somos uma nação de ignorantes com televisão de 50 polegadas, uma nação de caipiras experts em tendências, uma nação de iletrados com desenvoltura tecnológica, uma nação de festeiros.

Já viu a novela?

A propaganda e as empreguetes

Uma coisa é fazer um produto barato, outra coisa é fazer um produto vagabundo. Uma coisa é construir uma marca democrática, outra coisa é construir uma marca segregada. Uma coisa é montar um plano de mídia inteligente, outra coisa é montar um plano de mídia preconceituoso.

Tem sido um axioma incontornável começar qualquer raciocínio mercadológico a partir de sua adequação para uma classe social: “se o produto tem qualidade, ele é para poucos, logo vou falar para quem entende” ou “se o produto é vagabundo, a marca tem que falar com o povão na mídia massivamente burra”.

Não é preciso citar o sucesso das marcas (da Coca Cola ao Google) que foram capazes de transcender esse raciocínio estúpido, atingindo plateias que se unem pelos seus valores e não pelo seu bolso.

Mas para derrubar essa deformação profissional, esse calo intelectual, é preciso antes defrontar-se com outro comum preceito (preconceito): a propaganda precisa ser aspiracional.

Temos a mania de achar que todo mundo tem os mesmos sonhos, ambições e desejos que nós mesmos. O nosso entendimento dos consumidores tem sido demasiadamente construído à nossa imagem e semelhança. Isso explica tanta comunicação cheia de personagens com a nossa cara, gente bonita, rica, jovem, alegre, ouvindo bossa nova, fazendo e acontecendo como se o mundo estivesse à nossa disposição, esperando o toque de Midas. Tanta comunicação que achamos cosmopolita e antenada, refletindo tendências copiada dos arautos da modernidade internacional. Tanta comunicação com cenas da vida de um jovem londrino bem nascido, com voice-over de clichês de auto-ajuda, moralista, com malabarismos semânticos pretensamente inteligentes. Tanta propaganda dando aula e tão pouca propaganda convidando para o boteco.

A propaganda não precisa ser aspiracional para ser boa e eficiente. Basta que seja sincera e verdadeira. A propaganda não precisa organizar a frustração dos consumidores e compensar a nossa, basta que ela crie empatia entre as marcas e os valores das pessoas. Basta que seja cheia de charmes.

Novela: a crônica medieval no século XXI

E antes era assim: se o cara morasse numa aldeia perdida no meio do nada, numa tapera qualquer, passaria a vida por ali, lavrando a terra e olhando para o infinito com a esperança de que, um dia, quem sabe, uma caravana o levasse para longe. Ou ele pegava a trouxa e, com vagos sonhos e muita fome de liberdade, rumava para a capital a perder-se no anonimato.

O enraizamento irremediável ditava a sorte dos desvalidos. E não faz tanto tempo assim, a televisão não era mais do que inviável realidade qual literatura que se lê mas não se vive. A novela das 8 ainda crê nesse tempo revoluto, de cartas não respondidas e esperas intermináveis e de juras escondidas nas trapaças dos vilões. Trama medieval. Literatura que não se vive.

Num piscar do computador, um encontro salvador, um apelo redentor, uma descoberta muda a vida de uma pessoa. É possível, é fácil e é irresistível.

Talvez tenhamos que reinventar o papel da dramaturgia televisiva. Retratar a vida real, nas telas, é, na melhor das hipóteses, monótono e, na pior, embrutecido. Retratar as vizinhas, as ricas, as pobres, os vilões maldosos, os bem-intencionados fodidos, temperado com tramas e diálogos de envergonhar um colegial, é achar que a Dona Maria (porque insistem em achar que Donas Marias são o target principal da televisão) é uma Severina desconectada.

Aposentem as fórmulas prontas, as pesquisas de público e os novelistas de pijama porque a realidade que está a um clique de ser vivida é mais excitante que a pretensa fantasia da televisão.