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Interatividade não é para amadores

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Quem já foi a Veneza, certamente suspirou numa ponte. Seja porque se emocionou, seja porque um turista afoito com sua agenda cultural-consumista pisou no seu pé. Mas debaixo da mais famosa de todas, hoje só se bufa: instalaram um monumental painel de uma marca de luxo emoldurando o acesso à ponte. A Ponte dos Suspiros foi conspurcada, enquanto duram obras de restauração à italiana – intermináveis. A publicidade é capaz de tudo quando brinca de arte. Recriou o cartão-postal.

Mas a Bienal de Veneza é mais interessante que o Festival de Cannes, e o artista sabe disso quando renunciou à propaganda pelo cinema e ao cinema também.

Não existe cena mais povoada na arte ocidental do que “As bodas de Canaã”, de Veronese. Cento e vinte e seis personagens, sem contar cachorros, gatos e papagaios, rodeiam o Cristo para as núpcias milagrosas. Quem quiser ver o original vá ao Louvre, que abriga o quadro surrupiado do refeitório de San Giorgio Maggiore. Mas uma revolucionária reprodução da obra devolveu o trompe l’oeuil a seu habitat original. Lá estão todos eles de volta: os noivos, os músicos, os convivas, os serventes e a urna do vinho multiplicado.

Senta-se num palco tosco e aguarda-se. As luzes se apagam quando entoa-se uma cantata. O quadro se ilumina e somos convidados para a festa. Partes da cena acendem enquanto ouvimos diálogos atribuídos aos participantes: os fuxicos da cidade aqui, lampejos de discursos políticos ali, interpelações, invectivas, saltos de humores. O ambiente ganha vida, luz e três dimensões. O dia passa, fogos se acendem, chove, pássaros voam no céu.

– Eram trezentos convidados e vieram quinhentos! Não haverá vinho suficiente para todos
– Quem é ele? Um homem, um charlatão, um profeta?

E impassível, minúscula cabeça aureolada no centro da composição, o Cristo opera seu milagre.

Peter Greenaway reinventou o cinema, de novo, e sentimos gosto de vinho santo na garganta.

Interatividade é para os brutos que nos tornamos

Quando Constantinopla foi tomada pelo exército otomano, em 1453, os soldados do islã invadiram Santa Sofia e impressionaram-se com as imagens sacras que ornavam a catedral. Chocaram-se também com a ousadia de contrariar a palavra de Maomé que proibira a imagem como representação do divino. O dilema se armara entre a destruição daquelas maravilhas e o respeito à palavra santa. Trataram então de revestir as imagens com suas descrições, num inebriante entrelaçado de frases e palavras.

Não muito longe dali mas séculos depois, quando os colonizadores trouxeram o cinema para a Argélia – cinema propagandístico das glórias do exército – eles convidavam os notáveis das aldeias para a avant-première. Os muçulmanos, naquele tempo, ainda respeitavam a palavra do profeta: era ímpio reproduzir o ser humano. Preocupados com a recepção, os generais colocavam as cadeiras de costas para a tela para receber os convidados. Quando a tela se acendia, um narrador descrevia para a plateia as imagens, mudas ainda, que se sucediam.

Ler parece meio fora de moda. Precisamos de imagens, movimento, som. Carecemos de estímulos sensoriais para despertar. Crescemos as telas, aceleramos a ação, aumentamos o som. Como se a vida moderna, ao invés de agitar nossas sinapses, as calcificasse. O sentir passa a ser fator de volume e intensidade.

É nesse turbilhão que se insere o apelo à interatividade. A nova fronteira do estímulo sensorial são esses simulacros de participação – que ensaiamos no cinema, nos games, nos ARGs – e toda a parafernália tecnológica que não cessam de nos excitar. O sussurro do vento, o rugir do mar, a voz a capela, o canto do realejo não despertam mais.

Minha mãe dizia que, quando tomava o bonde no Rio de Janeiro, adorava concentrar-se na ponta da orelha de algum passageiro à sua frente. Invariavelmente, após alguns instantes, ele virava o rosto e respondia ao chamado. Hoje, entupimos nossos tímpanos com fones de ouvido, penetramos no game, e de todo jeito ausentamo-nos do mundo simulando participação nas narrativas.

Não é saudosismo, é como tem de ser. E se a nova descoberta for a imersão neurológica, que assim seja.

Mas minha sobrinha continua encantada quando lhe conto pela enésima vez a história triste da pequena vendedora de fósforos: “fazia um frio terrível, caía a neve e estava quase escuro, a noite descia: a última noite do ano…”

Histórias interativas: ai que preguiça!

Em Marrakesh tem uma praça mágica. É uma zona gigantesca, cheia de barraqueiros, amestradores de macacos, encantadores de cobras, ambulantes sinistros, fantasmas que perambulam numa densa fumaça de temperos exóticos. E tem contador de histórias. Muitos. Um deles me atraiu. Ele gesticulava, falava pouco, olhava muito. E fiquei ali, muito tempo, paralisado e enfeitiçado sem entender uma única palavra do que o barbudo contava.

Ontem, a noite era fria e silenciosa. Me larguei na frente do computador, como todo dia, e comecei a chafurdar na Internet. Aqui, ali, de todos os lados. Ao compasso dos cliques, a adrenalina subiu, a ansiedade martelando nas meninges. Me deu náuseas e, apesar da atividade frenética do meu cérebro, me senti profundamente desamparado. Larguei o aparato todo e despenquei no sofá. Liguei a TV no primeiro canal que minhas forças me permitiram ligar. E ali fiquei, muito tempo. Deu um calorzinho gostoso.

Uma história exige linearidade, uma cronologia, um começo, um meio, um fim. Uma história precisa de um narrador (ou mais de um) que tece o fio, passo a passo, segura a atenção. Ele é o foco, o centro. Se uma porta se abrir, se pessoas conversarem ao fundo, se o seu vizinho te cutucar ou roncar, a história desmorona como um castelo de areia. Para que a história fisgue, a relação que se estabelece entre o contador e o ouvinte é de atividade-passividade.

Claro que uma história pode ser interativa. Mas uma interatividade “passiva”, não “intrusiva” e quanto menos “colaborativa”, melhor para a história.

Eu preciso de passividade e atividade, atividade e passividade. Preciso ser e estar. Ser ativamente e estar passivamente.

Quando quero ouvir uma história, ainda prefiro um livro onde a página dois vem depois da um, e a três depois da dois. Ou um filme, uma novela, onde o segundo minuto vem depois do primeiro.

Quando quero uma história, eu quero um contador e quero que ele não conte comigo para fazer o seu trabalho.

A redenção da política

Com ou sem Ben Self (diretor de tecnologia do partido democrata) se o marketing na rede não vai eleger os candidatos, ao menos vai ajudar muito a riscar do mapa uma legião de safados.

Acabou de ser aprovada na câmara uma lei que regulamenta a propaganda na Internet. A lei é ingênua e vaga, como todas que se referem à desfronteira, mas é um avanço. Tímido, mas avanço. Proíbem, por exemplo, a propaganda em sites comerciais, mas autoriza aqueles não comerciais a veicularem mensagens políticas, inclusive redes sociais e que tais. Como se fosse possível hoje, em tempos de posts patrocinados, discernir o que é “comercial” do que não é! Como se possível fosse proibir, tout court, na Internet!

Mas o fenômeno Obama excita as mentes. E muitos se excitam superestimando o aparato de marketing digital que a equipe do presidente desenvolveu. Obama não ganhou por causa, nem graças ao marketing e muito menos suportado ou amplificado pela Internet. O marketing foi consequência e não causa da eleição.

A Internet não é um palanque eleitoral e todos aqueles que a usarem como uma carreata espetaculosa vão quebrar a cara. Propaganda eleitoral paga, daquela que reproduz a lógica da mídia de massa, na Internet, não carece de controle nem proibição, é contrapropaganda.

A Internet é um fenômeno de sociedade baseado na espontaneidade, na voz individual sincera. É claro que pode-se fazer barulho, influenciar multidões de seguidores por algum tempo. Mas a Internet é muito mais pródiga em desmascarar e desnudar.

A lógica é inversa àquela da propaganda tradicional: a mentira convincente, porque bem contada, paradigma da propaganda de massa, tem vida breve nas mídias sociais e é totalmente incontrolável. Cedo ou tarde, o julgamento é avassalador e destroi reputações mal-intencionadas.

A propaganda eleitoral e a doação de campanha têm que ser totalmente livre na Internet, uma vez que a rede é autorregulamentada. E nesse território, a política se redime, pois a mentira, a manipulação, a sem-vergonhice, tem perna curta.

Se Obama ganhou as eleições foi devido ao fato de ele ser sincero e acreditar no seu discurso. E talvez seu opositor, mesmo afirmando suas convicções retrogradas teria tido outra performance, não tivesse sido ele suportado por anos de propaganda mentirosa.

Candidato, minta à vontade nas mídias tradicionais, ainda funciona um pouco. Mas, se quiser usar esse espaço livre, é melhor ser sincero, ou o eleitor te pega nas curvas da teia.

Propaganda de gozo autoprovocado

A propaganda é baseada em um princípio sagrado, o da tolerância.

Trata-se de uma espécie de toma-lá-dá-cá. “Aceito ser impactado por algo que não quero, em troca de algo que quero”. Simples assim. É baseadas nesse princípio que funcionam quase todas as mídias: a TV aberta e o rádio, por exemplo. A Internet também. Os outros meios, como a TV por assinatura, o jornal e a revista, embora não sejam gratuitos, são tolerados porque o valor pago parece irrisório quando comparado aos benefícios oferecidos.

No entanto, quando o valor pago pelo serviço solicitado ou desejado parece desproporcional à mensagem “não desejada”, a propaganda é intolerável. É o que acontece, lamentavelmente, com quase toda propaganda chamada “below the line”, eufemismo publicitário para qualificar a propaganda invasiva, como a propaganda veiculada em aviões, o que vem sendo praticado de forma pornográfica por algumas companhias aéreas. É propaganda na mesinha, no encosto do assento, e, suprassumo do mercantilismo selvagem, nos lanches patrocinados. É mais uma vez uma questão de proporção: passagem aérea não é algo irrisório quando comparada ao bombardeio publicitário a que deve se sujeitar o passageiro. O mesmo acontece com a prostituição visual da mídia exterior gratuita que, sorte nossa, está sendo banida das nossas retinas (exceção dada aos relógios, pontos de ônibus, sinalização e outros mobiliários). O que falar então da festejada mídia indoor, dos monitores mudos dos ônibus urbanos, dos malhos feios nos shopping centers, dos mictórios decorados com televisão de plasma? Promiscuidade comercial e vulgarização do tempo.

Lamentavelmente, muita gente ainda defende a propaganda da forma mais selvagem possível: a efetividade é proporcional tão somente ao impacto visual e sonoro. Para esse tipo de troglodita, é o tamanho da voz que determina o resultado. E pouco importa se a voz está gritando, poluindo, estressando ou insultando. É a lei bruta do mais forte ou do mais esperto. A lei da exploração safada da fragilidade alheia: que alternativa nos resta a não ser ler que uma marca de carro está lançando um modelo novo, uma empresa de consultoria é a melhor do mundo e a sopa de saquinho é feita de improváveis ingredientes naturais?

Mas há outro tipo de propaganda. É aquela admite que, embora por vezes haja tolerância, mesmo assim a invasão precisa ser compensada. É aquela que sabe que a mensagem deve servir antes àqueles que irão consumi-la e depois àqueles que a financiam. É aquela que entende que propaganda pode ser conteúdo, pode ter um sentido para além do tamanho da voz e da simplória informação: é a propaganda que diverte e emociona sem precisar lustrar o umbigo da marca. Quando ela consegue isso, então ela assume uma dimensão cultural, ela é referência e inspiração. Essa transcendência além de responsabilidade, engendra um potencial comercial muito mais rentável porque a mensagem incorpora a linguagem comum e as mentalidades. Aí sim pode se falar de “investimento” e não “despesa” publicitária.

Propaganda pode ser muito mais do que egotrip e gozo autoprovocado. Quando o desserviço é tal, quando a propaganda masturba a marca, ou o marketing ou o publicitário que a cria, dá muita vontade de proibir ou sabotar.

Twittiqueta urgente!

Há um complô na mídia brasileira para bombar o Twitter.

Ele está em 10 de cada 10 assuntos abordados nos mais variados terreiros: ele engendra elucubração geopolítica, derruba autoridades, pré-mata ou enterra personalidades, crucifica e beatifica opiniões.

O Twitter é mesmo uma espécie de Stefany da Internet: pega mal estar por fora, ou é “muito barulho por pouco”.

Entretanto ele é um perigo, não somente porque contagia mais do que cacoete, mas também porque conta muito sobre seus autores ou disseminadores. E, pela primeira vez na história dos costumes humanos, as confissões, no Twitter, são autorais e, melhor ainda, catalisadas pela deliciosa ilusão de ser seguido por uma legião de fãs.

O Twitter revela o caráter de alguns, as frustrações de outros e os complexos de todos aqueles que acreditam no extraordinário terremoto socioantropopsiquiátrico do piu- piu.

O Twitter pode transformar todo mundo em rei nu. A plateia vira gozadora e o confesso, bobo da corte.

“Criação” (entre aspas?) publicitária

It’s not where you take things from – it’s where you take them to. (Jean-Luc Godard)

Autenticidade é quase um defeito de caráter na profissão publicitária. O estilo é escravo da idéia, quase sempre oca, porque corroída por infinitas camadas de referências.

Ser criativo na propaganda é antes “conexão” do que “intuição”. É antes colocar na mesa (ou ocultar maliciosamente) uma tonelada de déjà-vu, do que exercício de estilo. Estilo, esse tão maltratado conceito na propaganda.

E que mal a Internet (os anuários de propaganda impressos do passado anabolizadíssimos) faz!

A propaganda virou escrava do “novo”, só que o novo com a Internet não existe.

E os criativos (e planejadores) viraram cool-hunters digitais, máquinas de pesquisa, browseadores alucinados.

Mas, se criar não é um ato de inspiração pura, divina, se criar não é conectar-se com o éter místico, não é baixar o santo, o que é criar?

Será criação a busca pela ideia? Nova?

Quando a busca é pela ideia, a tentação pelo novo é quase irresistível. Peneira-se o que “ainda não foi feito, dito, mostrado” e isso significa balizar a criação, relativizá-la no tempo e no espaço. O que não foi feito AQUI ou que não foi feito FAZ TEMPO (ou o que ninguém sabe que foi feito). E esse referenciamento justifica a obra em inspirações do passado. A referência, a bagagem, o aprendizado, a vivência quase sempre sobrepõem-se a uma autenticidade que só a visão individual pode imprimir. A ideia (original?) é banalizada porque desprovida do estilo que redime e projeta uma nova visão sobre ela.

Mal traduzindo Proust: “Porque o estilo, para o escritor, assim como a cor para o pintor, não é uma questão de técnica, mas de visão. Ele é a revelação, que seria impossível por meios diretos e conscientes, da diferença qualitativa que existe na forma como o mundo se revela para nós, diferença essa que, se a arte não existisse, permaneceria o segredo eterno de cada um”.

A fotografia é o mais simples dos exemplos. A beleza de uma foto não está no objeto fotografado, sempre o mesmo, imortal e imutável no clique, mas no olhar do fotógrafo. E olhar é estilo.

Criar é olhar e interpretar, linguagem e estilo. Criar é recolhimento e contemplação interior.

Claro que isso não significa fechar as portas e janelas para o mundo, ainda que isso fosse possível. Deve-se cuidar para preservar as referências no inconsciente, onde elas produzem seu efeito catalisador de onde emergem no estilo único de cada criador.

Ou talvez a gente tenha que assumir que a propaganda não está “criando” coisa nenhuma, e o mal só esteja em dar um nome pretensioso, “criação”, a um ofício automático, muitas vezes com uma ética duvidosa. Se assim for, vale ser o Max Blogosfera, o Merlin do YouTube, o Chupachups supernerd, o Mister Hype da Oscar Freire, o Lord street, o oportunista de plantão que viu primeiro ou antes.

Mas a propaganda pode ser criação, pura, tocante, que nos devolve transformação, quando ela consegue recriar o mundo com o estilo, original do autor. Quando a gente resolve assumir que todo mundo já sabe que a Terra é azul, que as mães amam seus filhos, que um carro é testosterona, que as mulheres não querem ser suas mães, que uma geladeira é símbolo de status, que cerveja cria cumplicidade, que a gente quer serviços sob medida, que comer um chocolate é um orgasmo, que uma moto é liberdade ou afirmação ou individualidade ou simplesmente um meio de locomoção barato e rápido. Quando a gente saca que não há descoberta possível nos DNAs banais das marcas, a não ser pelo jeito como olhamos para elas. Não há possibilidade de emocionar, a não ser pelo estilo próprio e único que desenvolvemos sobre aquilo que já foi dito um milhão de vezes.

Por que será que quase dez entre cada dez porcarias que vemos na propaganda foi submetida aos consumidores em ambiente de teste e aprovada com louvor? Porque, simplesmente, é dito o que todos já sabem, do jeito que todos já conhecem. Conforta confirmar o óbvio. E a repetição, a frequência exaustiva fazem seu papel bruto de convencer. A boa propaganda é aquela que rentabiliza a exposição porque toca de cara, quase à primeira vista. E toca porque devolve-nos, através do estilo, o original, e não o “novo”.

Um dos nós górdios da audiência na Internet

Existe um número mágico que mede o alcance de algumas mídias, em particular as impressas. Estima-se, há muitos anos, que cada exemplar de um jornal e revista seja lido por 3,5 pessoas em média. Esse número, embora queiramos crer que em algum momento tenha sido comprovado, é uma convenção. Ele serve de base para todos os cálculos e, assim, permite uma aproximação mais realista da audiência desses veículos. É claro que ele é discutido, pois é provável que uma revista, por exemplo, de conteúdo adulto ou de variedades seja lida por mais pessoas do que uma de engenharia ou de caminhoneiro. Da mesma forma que convenções de discurso como “bom-dia” e “obrigado” são salutares ao bom convívio social, esses multiplicadores de alcance são universais e benéficos.

No entanto, o número mágico não se aplica aos conteúdos publicados on-line. Há uma lógica por detrás disso, é claro. A Internet, como mídia, está baseada num fundamento matemático: tudo pode ser medido com exatidão. Sabe-se a quantidade de visualizações de um conteúdo, a quantidade de visitantes únicos, o tempo de permanência dos visitantes naquele conteúdo, etc. A Internet é uma mídia precisa. Porém, assim como não é aceitável considerar que uma revista seja lida apenas por um único leitor (o dono da revista), ainda que um conteúdo na Internet seja lido em primeiro grau por apenas uma pessoa (ninguém empresta seu computador ou celular), existe um componente nunca mensurado nas pesquisas, a saber, o potencial de viralização do meio.

É, portanto, válido aceitar que um conteúdo publicado (ou veiculado) em um site tem um coeficiente multiplicador, na medida em que ele pode ser facilmente difundido, seja através de um simples copy-paste num email, seja através de RSS ou reproduções automáticas. Em decorrência disso, um mesmo conteúdo (integral, em trechos ou modificado) pode alcançar muito mais pessoas do que simplesmente o visitante de primeiro grau quantificado pelas estatísticas de mensuração. É precisamente nessa qualidade intrínseca do meio on-line que reside seu poder diferenciador. É exatamente aí que reside um dos nós da audiência na Internet e, por falta de raciocínio a respeito, uma parcela significativa do impacto de um conteúdo é expurgado de todos os cálculos.

Antes de propor uma solução (ou uma tentativa de), é importante relativizar a comparação entre a mídia referida no início (jornal ou revista) e a Internet (em qualquer meio, jornal ou revista on-line, blog, rede social, etc). Na mídia tradicional, o que define o multiplicador é o suporte físico do conteúdo. É uma espécie de fator da “durabilidade” do meio. Um jornal ou revista só pode ser lido por certo número de pessoas, porque a temporalidade é limitada. E, assim, convencionou-se que essa validade é de 3,5 leitores por exemplar. A Internet, por sua vez, é uma mídia autorrenovável. Não existe vida útil de um conteúdo publicado on-line. Ele pode perpetuar-se inumeravelmente como uma fênix.

Podemos dizer que um conteúdo on-line tem sua vida útil condicionada a dois fatores: a pertinência ou simplesmente o interesse, por um lado; e a capacidade de viralização de cada pessoa impactada, por outro. Em relação ao primeiro, quanto mais “interessante” for o conteúdo, maior a capacidade de reprodução. Esse é o dado intangível e impossível de mensurar. Vai de sua criatividade, impacto, estilo, originalidade, etc. Propomos, portanto, não nos aventurarmos em tentar quantificar tal fator, para não entrarmos em divagações conceituais.

Quanto ao segundo, a capacidade de viralização de cada pessoa impactada, esse sim, talvez seja possível mensurar ou convencionar.

Tomamos como base a visitação do conteúdo. É o ponto de partida que deveria, portanto, ser multiplicado por um fator. Vamos aceitar como referência de cálculo os número de visitantes únicos do conteúdo, dado simples de obter.

A Internet proporciona diferentes atitudes por parte de seus visitantes. Alguns contentam-se com a interação do zapping. São visitantes passivos, na medida em que frequentam a Internet apenas e tão somente para ler, assistir ou ouvir conteúdos produzidos por outros. Esta é a primeira classificação de atitude. A segunda atitude diz respeito àqueles que, além de serem passivos, em maior ou menor grau também produzem seus próprios conteúdos (um email é um conteúdo produzido, assim como um blog, um comentário em uma comunidade, etc.). A terceira atitude refere-se aos que viralizam conteúdos produzidos por terceiros, seja através de um simples copy-paste ou de qualquer edição mais ou menos sofisticada.

A proposta aqui é, por conseguinte, encontrar a parcela de pessoas que possuem um comportamento de “viralizadores” na Internet. Esse número não é difícil de obter. É um valor que só se mensura por declaração dos entrevistados, mas ele é possível. Ele pode ser mensurado em clusters ou pela média (viralizadores gerais da Internet, viralizadores entre usuários de determinado tipo de conteúdo, entre usuários de redes sociais, etc).

O segundo fator a ser pesquisado é encontrar ou estimar o número de contatos de cada pessoa. Ou seja, o número médio de pessoas com os quais cada indivíduo se relaciona na Internet. Mais uma vez, o resultado pode variar de acordo com o tipo de cluster, número de contato gerais médio da Internet ou em determinada rede, o que também pode ser obtido facilmente e de duas maneiras: por declaração em pesquisa ou por informação do cluster estudado, quando se trata de uma rede social, por exemplo.

Se multiplicarmos a porcentagem de pessoas que viralizam conteúdo pelo número médio de contatos, podemos obter um aceitável multiplicador de visitantes.

É claro que nesse número estão expurgados os graus subsequentes, mas é mais razoável ater-se ao primeiro grau: já que procuramos estabelecer uma convenção, é prudente encontrar um número bastante conservador.

Para fins comparativos, é possível também estabelecer diferentes convenções para cada tipo de categoria em que se insere o conteúdo: o potencial de viralização de uma rede social, por exemplo, é certamente maior do que o de um portal, para categorizar em apenas dois grupos.

Para ficar ainda mais fácil de entender o princípio, vamos a um exemplo:

Digamos que determinado site da categoria “portal” tem 1.000 visitantes únicos por mês. O número médio geral de “viralizadores” é digamos 20%, e o número médio geral de contatos é 20. Portanto, a audiência desse site é de 1.000 + (1.000 x 20% x 20) = 5.000. O multiplicador convencionado de um “portal” seria, portanto, 5.

Se esse mesmo conteúdo estiver inserido em uma rede social com o mesmo número de visitantes únicos, teremos um cálculo de audiência diferente, já que há um número maior de viralizadores entre aqueles que pertencem a redes sociais, assim como é maior o número médio de contatos desse ambiente. Por exemplo, se o número de viralizadores é de 40% em redes sociais e o numero médio de contatos for 50, a audiência desse conteúdo passa a ser 1.000 + (1.000 x 40% x 50) = 20.000. O multiplicador convencionado de uma rede social seria, assim, 20.

Esse cálculo pode fazer toda a diferença para efeitos comparativos do impacto potencial de um conteúdo publicado em uma determinada mídia on-line e outra. Ainda, esse número pode ajudar a parametrizar a Internet na mesma lógica de outras mídias tradicionais.

A presente proposta é, evidentemente, uma idéia; entretanto, já é mais do que tempo de nos debruçarmos sobre esse tema, para não corrermos o risco de continuarmos considerando a Internet uma mídia misteriosa e de difícil apreensão. Dessa forma, quanto mais cedo criarmos essas convenções, mais rápido poderemos converter inteligências para um cenário de mídia que a cada dia cresce em complexidade.

Finalmente, o número multiplicador resolve apenas parte do problema, uma vez que a lógica da Internet como mídia deve continuar a ser alvo de estudos e raciocínios próprios. Devemos cessar de raciocinar com adaptações acochambradas, imprecisas, e míopes, ou o controle fundamental das ferramentas de mensuração inviabilizará definitivamente o mercado editorial e publicitário tradicional. Ou tentamos desatar os nós, por mais inexatas que pareçam essas tentativas, ou a esfinge nos engolirá.

Michael Jackson morreu antes de ter morrido

Quando Napoleão voltou de sua campanha na África, ainda como general, sua máquina de propaganda tratou de enviar notícias de suas vitórias. Ele apanhou feio em algumas batalhas, mas, mesmo assim, entrou em Paris como filho pródigo da Revolução, coberto de glórias. Afinal de contas, a verdade sempre foi – e sempre será – um fator diretamente proporcional à intensidade e à velocidade das notícias, mesmo quando elas são falsas.

Pouco mudou de lá pra cá: quem fala primeiro ganha. Na pior das hipóteses, 15 minutos de fama. Na melhor, reputação ilibada.

Michael Jackson morreu uma hora antes no site de celebridades TMZ do que nos principais veículos de comunicação. Se ele morreu mesmo, de verdade, pouco importa. O que importa é a expectativa de sua morte. É isso que segura a audiência, é o que dá fome de notícia, é o que excita o planeta. Depois do fato consumado – ou seja, quando a notícia virou unanimidade – a audiência desloca-se para outras mentiras temporárias: teria sido suicídio? Ou autodestruição? Os filhos são dele mesmo? Ele ainda é rico?

É na construção da expectativa da verdade, na criação de mentiras temporárias que reside o segredo da audiência. E quanto mais quente for a mídia, mais importante essa máxima. Na Internet, na TV, no rádio.

Entre a barriga e o furo, o furo, mesmo que ele seja uma potencial barriga. Depois desmente-se, relativiza-se, justifica-se, aluga-se outro furo e administra-se outra barriga.

Já estou vendo os bem-pensantes de plantão me xingando: “E a ‘credibilidade’? A ‘respeitabilidade?’”

Claro que de vez em quando é bom acertar, isso é óbvio. Mas não é disso que estamos falando. Jornalismo é diferente de História. E tampouco vamos filosofar se isso é bom ou ruim, se a verdade existe ou é uma quimera.

Por que a Internet enferruja as mídias antigas? Por que as mídias antigas tornam-se velhas? Há muitos argumentos; um deles, porém, pouco debatido, consiste nessa lógica da credibilidade, da checagem de fontes, das regras éticas. Na Internet parece haver uma licença para ser menos realista que o rei, porque a lógica não está mais no furo, mas na precedência do furo.

A noticia, o fato, o furo em si não interessam tanto quanto a história que o precede. É o suspense que segura a audiência, e não a morte da bezerra. E se não confirmarmos sua morte, o furo passa a ser sua ressurreição.

Sainte-Foy de Conques: fé, ouro e paixão

“Pierre, esconda-se, corra, eles estão chegando!”

Tremendo e soluçando, é dentro do baú de carvalho que o pequeno encontra refúgio, entre salames e restos de um fausto puído. Aqueles instantes gravaram-se com navalha na memória: a mãe sob tortura, sob a risada ébria, as línguas estrangeiras, o banquete de sangue.

O século era invadido de perversas heresias, sedentos conquistadores, vadiagem de bárbaras tribos. A proteção dos elmos e escudos, das muralhas e esconderijos espanta os ladrões e corruptos. Mas quem segura os sarracenos?

Pierre retira-se do mundo, mudo. Vagueia por anos, de aldeia em aldeia e da linhagem que abandonou, da família que sumiu sob a crueldade dos homens; ele conserva o pequeno missal da mãe, o crucifixo de batismo e uma fé selvagem em Cristo.

Pierre se faz eremita nos vales do Aveyron na primeira metade do século VIII. Ele se dá a Deus e nasce assim Dadon, o santo homem.

É numa pequena e verdejante depressão que ele chamaria de Conques (do latim conca, concha) edifica sua primeira capela. A fé e a dedicação consequente elevam rapidamente o pequeno santuário à consideração dos reis carolíngios que a cobrem de riqueza. Dadon legou sua fé; o poder lega o ouro.

No entanto, Conques ainda tem baixa cotação no pedigree sacro: falta-lhe
um osso, um crânio, um cabelo, um caco de cruz, uma ferrugem, uma relíquia de santo.

Aronis era um miserável. Para escapar da fome, ele se faz monge, como tantos outros homens de igreja. No mosteiro beneditino de Agen, encontra abrigo e pequenas obrigações.

Certo dia, o irmão encarregado da faxina dos tesouros adoece, e Aronis é incumbido de lustrar as imagens. Ao entrar na pequena capela escura, uma centelha de luz reverbera no mármore polido do altar. Aronis sente seu olhar guiado, sua pelas têmporas, palpita desordenadamente sob o manto. Em um nicho lateral, uma dama dourada, oferece-lhe delicada flor. O monge cai de joelhos e contempla em adoração a Santa em sua alcova.

Não houve no Ocidente medieval mais bela e pura história de amor. Uma paixão, como todas, impossível. Um monge casto e uma santa. Um homem rude e uma estátua dourada. Um coração oco e um relicário. Aronis e a memória da pequena Foy, de 12 anos, decapitada por ordem de Diocleciano.

Por dez anos, o monge devotou à Foy um incontrolável amor.

E se paixão é doença de coração, se não mata, engorda.

Um belo dia, o doido surrupiou a estátua do convento e picou a mula sem deixar vestígios. O safado foi parar em Conques e vendeu seu amor ao corrupto abade, que colocou a cidade na mais santa de todas as santas rotas, o caminho de Santiago de Compostela (Via Podiensis).

Aronis morreu por ali, anos depois, gordo e mal-amado. Foy irradia ainda hoje, e para sempre, o mais puro sorriso de compaixão.

Essa história é meia verdade, como todas as paixões.

Minha devoção à Sainte-Foy

Tenho pelo menos três inabaláveis motivos para crer na linda santinha, com suas delicadas mãos segurando minúsculos vasos de flores.

1998, copa do mundo em terra estrangeira. Vai começar o jogo, o primeiro do Brasil. Chegada a Conques, aldeia perdida no meio do nada. Turista brasileiro ali é mais raro do que Havaianas nos pés dos monges beneditinos que ainda vagueiam pela rua estreita que leva à igreja. “Será possível que não tem um único bar aberto com televisão ligada?” Finalmente, um café com televisão. Ligada. Numa porcaria de um programa de auditório. “Madame, s’il vous plait, La Coupe du Monde de football!!” Finalmente, dois canarinhos grudados na televisão. “Shuuuut” diz a velha senhora varrendo a porta para um casal de turistas alemães, em respeito à nossa concentração. Brasil 2 X 1 Escócia. Primeiro milagre de Sainte-Foy.

2000, mais uma visita a Conques. Sem motivo. Só para rever aquele “écrin de verdure” (desculpem, mas, em português, “estojo de verdura” é medonho). Dormimos no único hotel da cidade. A igreja abre até muito tarde para receber os peregrinos, mas que tal assistir a uma missa? A próxima é às cinco e pouco da manhã. As matinas! Com os monges! Lá vamos nós. Entramos na pequena capela atrasados. Seis monges e uma velha que, educadamente, nos empresta um missal. “É pra cantar alguma coisa! E agora, o que estão cantando?”. Folheio o livro, sem muita fé. E não é que ele se abre na página certa? Arrebatados, entoamos o cântico. Segundo milagre de Sainte-Foy.

2006, Conques de novo, a caminho da Provence. É tarde e estou cansado. Vamos fazer uma parada no hotelzinho da cidade. À noite, tem pouco ou nada para fazer em Conques. Vamos ligar para a Lígia e saber como está. Ainda no hospital, a pequena Júlia em seu ventre, desenganada. Drama sem palavras. “Estou em Conques, vou fazer uma promessa amanhã”. Por procuração, claro, uma vez que minha religiosidade se perdeu em algum prazer proibido. Cem velas para Sainte-Foy se minha afiliada conseguir vencer seu prematuro sofrimento. Júlia tem hoje três anos é linda e forte. Uma vencedora antes de ser gente. Terceiro milagre de Sainte-Foy.

Serviços

Para ir a Conques, é simples. Basta colocar no GPS do carro. Se não estiver de carro, tente o caminho de Santiago, a pé. Não tem muito o que indicar em Conques. Está tudo lá, à mão, sem stress, sem guia tagarela, sem galleries Lafayette e sem japonês.

Hotel só tem um razoável, o “Le Sainte Foy”. Mas se quiser um pouco mais de luxo, ali do ladinho, tem o mais confortável “Le Moulin de Cambelong”.

Comer, não tem opção. A sugestão é sempre a mesma quando você se perde na “France profonde”: uma salada qualquer, um sanduíche de camembert ou um steak-frittes.

O que ver também não tem segredos: a basílica romana (no fim da rua) e o museu com o tesouro (incluindo a belíssima Sainte Foix). Fora isso, se deixe levar pela rua, saia da aldeia, volte, saia de novo. Compre um sorvete e sente num banco olhando o tempo passar. Você nem vai perceber, mas de repente anoiteceu e você já está com saudade.

Perto de Conques existem outras etapas imperdíveis:

– Rocamadour com sua aldeia, santuário e castelo trepados no precipício.
– Albi e sua catedral fortaleza com as mais flamejantes pinturas remanescentes de um tempo em que as igrejas eram coloridas.
– Cordes sur Ciel e o silêncio dos cátaros sacrificados.
– Martel e seu mercado de flores.
– La Roque-Gageac e seu castelo debruçado no rio.
– Sarlat la Canéda e a memória de um grande poeta, La Boëtie.
– Domme e sua terraço sobre a Dordogne.

Publicado na revista Mag

Rede social (Orkut) é coisa de pobre?

Quase todos os dias desvio do meu caminho para dar uma passada voyeurística por um corredor de um shopping que dá uma excelente visão sobre as telas dos computadores de uma LAN house frequentada por todo tipo de pessoas. É óbvio que a proporção de perfis do Orkut escancarados é altíssima. Concedo aos culturetes: alguns social climbers estão no Facebook e Twitter.

Por vezes, a curiosidade me corroi, e me arregalo na vitrine: “Que diabos essas pessoas tanto têm a fazer?”ou “Será que está todo mundo a perigo?” ou ainda “Pra que tanto lustre na egotrip?”.

Outro dia, conversei um pouco com o rapaz que assessora as pessoas menos familiarizadas com os insuportáveis filtros e antivírus do sistema.

– Aquela lá vem todo dia. A mãe mora em Porto Alegre. Todo dia ela fala com a mãe.

Mas a moça não estava escrevendo nenhum email, nem falando no skype, nem no MSN. Nem Facebook nem Twitter, perdoem-me, é pesquisa etnográfica, gente, não posso mentir! Ela estava no Orkut. Não, pessoal, ela não era uma pé-rapada nem me pareceu ser uma ignorantona que só sabe usar essas coisas básicas da Internet como esses caras da classe C!

O Orkut e a superpovoada rede social novo-chique, está substituindo o email.

Àqueles que acreditam em pesquisa para além do umbigo, aí vão os dados, entre pessoas que acessam a Internet no Brasil (F/Radar 2009):

– Penetração do email na classe AB: 68%
– Penetração do Orkut na classe AB: 48%
– Penetração do email na classe C: 50%
– Penetração do Orkut na classe C: 50%

Que não se apressem os analistas de plantão: há “depenetração” do uso do email maior na classe AB sem “depenetração” do uso do Orkut (em ambas).

Não vou me aventurar a comentar o fato porque vou apanhar, mas contanto que não usem o preconceito para dizer que isso acontece porque os pobres miseráveis estão usurpando a Internet, valem muitas hipóteses!

Como é gostoso o meu transtorno

Não posso deixar de repercutir um artigo publicado no Webinsider.

Trata-se de um pequeno “fait divers” ocorrido muito tempo atrás. Sem entrar em detalhes, até porque prefiro que leiam o original, eu só queria dizer que nunca me importei com a cópia, envergonhada ou desavergonhada, do que escrevo. Me diverte mais do que chateia.

Mas talvez o que seja fascinante, na experiência do exercício diário de escrever (com ou sem obrigação) é quando a rotina por si só motiva. Como uma espécie de superstição que controla consciente ou inconscientemente a vida. Esse conforto psicológico dá segurança, dá coragem, dá ousadia. É uma dose diária de prazer.

Extravasar um inefável Transtorno Obsessivo-Compulsivo é muito mais gostoso do que buscar quinze minutos de fama, chupando ou criando.

Sexo virtual, fim de papo

Muitos anos atrás, uma revista bacana me convidou a colaborar. Aceitei o tema livre de imediato. Resolvi falar sobre comportamento online. No primeiro artigo, recebi a seguinte avaliação: “nosso leitor é uma pessoa outdoor, que se realiza em atividades esportivas e culturais. Não curte essa coisa de computador”. Esses eram os termos aproximados do recado. Enfureceram-me confesso muito mais por ter me qualificado de troglodita digital do que pela miopia neo-hippie.

Até hoje, o hit parade dos meus artigos chama-se “namorodromos existem”. Bem que eu gostaria de ser uma espécie de Palmirinha da cibercoisa e ter compaixão e senso de humor suficientes para responder calmamente às dezenas de comentários que recebo até hoje sobre esse texto decano.

Mas hoje não tem mais polêmica ou mistério supor que muita gente – quase todo mundo – se relaciona através na Internet e que esse relacionamento ultrapassa em muito as fronteiras da decência vitoriana. Inclusive os surfistas da revista que me rejeitou.

Uma coisa é elaborar uma hipótese qualitativa razoavelmente embasada em meia dúzia de buscas, outra é escancarar um numero.

A penúltima pesquisa F/Radar de agosto de 2008 quis perguntar para os sessenta e cinco milhões de brasileiros que têm acesso à Internet no país se eles já tinham se relacionados intimamente com pessoas que tinham conhecido virtualmente e também se tinham tido alguma troca, digamos, mais intensa.

11% responderam afirmativamente à primeira questão, (segundo recente pesquisa do Ministério da Saúde, 7,3% da população adulta do país já conheceram um parceiro sexual pela Internet). Como sempre nesse tipo de pergunta embaraçosa, é de duvidar da resposta honesta. Portanto, o truque é indagar para as pessoas, na sequência, se “conhecem quem fez sexo com alguém que conheceu na Internet”. A resposta mais que dobra: 38%, ou seja, 24 milhões de pessoas. Já sobre o tal sexo virtual, 25% das pessoas (16 milhões) já fizeram ou conhecem quem já fez.

Como esse número não foi publicado em lugar algum, achei interessante divulgá-lo. Não apenas para encarnar o fantasma quantitativamente, mas simplesmente para encerrar o caso. Não interessa mais falar nesse assunto. Não é caso de vergonha pública. Só normalidade, sem interesse.

Redes sociais é eufemismo

A gente tem mania de categorizar os fenômenos depois do sucesso de uma marca: lâmina de barbear, sandália de borracha, leitor de MP3, ferramentas de busca, redes sociais.

Ninguém quer pagar duplicidade na Rede Globo, mas esses nomes são pretensiosos, feios e falsos.

A última pesquisa F/Radar confirma: redes sociais no Brasil tem um nome, Orkut. As outras simplesmente não existem. O Facebook e o Twitter são fenômenos apenas nas redações e nos papos descolados, enquanto quarenta milhões de indivíduos são orkuteiros convictos. A pesquisa, que tem 2 pontos percentuais de margem de erro, não consegue ler nada desses grandes booms midiáticos.

Então, vamos falar sério: esse papinho de redes sociais é um eufemismo.

E por falar em Orkut, a pesquisa revela interessantes conclusões.

O Orkut é um fenômeno interessantíssimo porque atinge todas as classes sociais com igual importância. É claro que, considerando que a penetração da Internet praticamente não tem mais para onde crescer nas classes AB, ele cresce mais nas classes CDE. O mesmo, considerando as faixas etárias: todo jovem tem Orkut e o incremento mais importante se dá, portanto, entre os tiozinhos. Preparem-se para o Orkut continuar crescendo avassaladoramente.

Por outro lado, perguntou-se qual é o tipo de “colaboração” mais frequente na Internet. A maioria das pessoas usa a Internet e, portanto, o Orkut para publicar fotos e textos sobre sua vida pessoal. Como se a Internet e, portanto, o Orkut fosse uma carteira de identidade, um atestado de existência. Um perfil na Internet e, portanto, no Orkut nivela todas as classes, todas as idades, todos os preconceitos. A Internet e, portanto, o Orkut é a grande ágora dos cidadãos, uma espécie de chuveiro coletivo, um praia, uma mesa de cirurgia, uma estrada congestionada, uma fila na Polícia Federal, um instituto médico legal. A diferença se faz notar pelos predicados, e não pelos penduricalhos. Pelos dotes, e não pelas próteses. É justamente por isso que o Orkut é assim, a Internet brasileira.

A Internet e, portanto o Orkut, ou melhor, o Orkut e, portanto, a Internet é o que interessa. Não vamos perder tempo com o resto.

O mea-culpa da mídia de massa

“O jovem está menos na TV por causa da Internet”, “O hábito de consumo de mídia mudou por causa da Internet”, “A TV e o jornal morreram por causa da Internet”, Blá-blá-blá-blá-blá.

Profetiza-se muito sobre o futuro das mídias e, apesar disso secretar uma interrogação perturbadora, uma
espécie de dor de cotovelo ou um entusiasmo reacionário, ninguém ousa mais revelar suas angústias.

“A plataforma não interessa mais”, “As plataformas são complementares”, “A TV tem que convergir pra Internet”, “A Internet tem que convergir pras outras mídias”, Blá-blá-blá-blá-blá.

A conclusão de dez entre dez raciocínios bem-pensantes do “novo papel das mídias” passa inconscientemente por uma espécie de fatalismo: “Vamos nos adaptar, a Internet é uma realidade”. Conclusão essa que resulta num mash-up trágico: conteúdo televisivo na Internet, internauta na televisão, e por aí vai para citar só alguns.

E agora, a questão não é mais apenas entender o funcionamento de cada mídia, o papel do conteúdo em cada plataforma, o formato, a gramática e a linguagem de cada meio.

Talvez seja mais construtivo entender a Internet como consequência e não causa. Não é “por causa da Internet que a TV deve ser isso ou aquilo”, mas porque a TV é isso ou aquilo, que a Internet é o que é.

Em outras palavras, energia de mais é investida em adaptar as mídias antigas ao ambiente digital e energia de pouco em pensar como as mídias antigas deveriam se adaptar às novas demandas das pessoas. Não é por causa da Internet, é por causa das pessoas.

Antes de assumir a derrota, deveríamos assumir os erros. Antes de pensar na Internet, deveríamos pensar nas nossas mídias “antigas”. E pensar nas mídias antigas não deve significar necessariamente “internetizá-las”.

Não é só porque as pessoas querem participar, não é porque as pessoas não aceitam mais a estrutura hierárquica da difusão de informação e entretenimento, que as mídias antigas estão ameaçadas. É porque elas erram em outras lógicas próprias, de formato e linguagem, que elas despertaram nas pessoas essas vontades.

Essa inversão de raciocínio é muito mais excitante e desafiadora: como é que voltamos a ter importância, como é que voltamos a cativar o jovem, como é que voltamos a ser hábito, sem mexer uma única linha na lógica das mídias de massa, por definição de poucos para muitos e com uma postura passiva das audiências?

O “mas-funcionalismo” e a propaganda

James Lovelock, ambientalista de primeira hora, costuma dizer, para desespero dos ecomilitantes, que a terra, Gaia, com homem ou sem homem, com ou sem xixi no banho, vai aquecer. Estamos dedicando energia de mais para salvar e de menos para nos adaptar.

Da mesma forma, comunicar, com ou sem inteligência, com ou sem criatividade, vende. Fazer propaganda funciona. E o argumento do “funciona” é um poderosíssimo álibi intelectual.

Felizmente, não somos tão primários. Felizmente gostamos de comida bem-preparada, de casas bonitas, roupas elegantes, carros modernos. Felizmente comida não é só nutrição, casa só habitação, roupa só pudor, carro só locomoção.

Então, sofisticamos o raciocínio e, ao invés de justificar nossas escolhas por um blasé “funciona”, acrescentamos-lhe um “mas”: “mas funciona”. Nosso álibi torna-se consolo e compensação emocional. A comida tava ruim, mas não temos fome; a casa é feia, mas não dormimos na rua; a roupa é cafona, mas não revelamos nossas vergonhas; o carro é simplesinho, mas é melhor que ir a pé. E os mas-funcionalistas ganham a cada dia mais espaço e voz na propaganda brasileira: “a propaganda é uma porcaria, mas funciona”.

Pouco importa aqui desconstruir esse raciocínio preguiçoso. Até porque provavelmente ninguém assumiria o “mas” como conjunção do “porcaria”. Os mas-funcionalistas não gostam muito de perder tempo com argumentações intelectualoides e onanismos mentais.

No entanto, para outros, propaganda que funciona é tão excitante quanto se alimentar com sonda intravenosa, tão confortável quanto um abrigo antinuclear, tão sexy quanto uma bata de batik, tão poderoso quanto um passo-doble. Funcionar? Mas é claro que deve funcionar e provavelmente funcionaria “comigo ou sem-migo”.

A propaganda que se quer é uma que rentabiliza de verdade o investimento – e não apenas fazendo cálculos de frequência e cobertura. A propaganda que se quer é uma que assuma sua responsabilidade de moldar culturas.

O que mais pode-se fazer além de funcionar?

Essa é a pergunta que faz alguns poucos levantarem-se de manhã e resistir ao precipício medíocre da sobrevivência. São aqueles para quem propaganda não é função, é vocação.

Deuses-Contadores ou Deuses-Compaixão?

Um bilhão de pessoas na terra estão abaixo da linha de pobreza. Centenas de milhões morrem de fome. E nós aqui preocupados em fazer xixi no banho para salvar a mata atlântica.

E entram em ação dois antagônicos argumentos: o do “melhor do que nada” e o do “não adianta”.

O do “melhor do que nada” é uma espécie de compensação falaciosa da nossa consciência. Como se Deuses-Contadores fizessem fichas-razão de débito/crédito das nossas ações. Uma moeda com conversão universal nos tornaria mais ou menos abonados para desfrutar de mais ou menos conforto no além. E no final de nossas vidas, a gente faz as contas com os donos do time-sharing do céu.

Argumento romanticamente ingênuo, principalmente quando em face do “não adianta”.

Esse poderoso argumento faz as contas antes. É mais esperto, mais informado e mais racional. Como se os Deuses fossem tolos velhinhos de infinita compaixão. As nossas esmolas nunca irão resolver a fome do mundo, nossos votos nunca serão mais poderosos do que a ganância dos poderosos. E no final das nossas vidas, a gente paga uma lápide mais ou menos rica, compra uma memória mais ou menos nobre.

Mas, enquanto isso, um terço da África está contaminada pelo vírus da AIDS, e a gente prefere dizer que a culpa é dos governos corruptos, das guerras intestinas, das rivalidades tribais ou de algum inconfessável preconceito. Ou que é culpa da classe média americana, dos interesses das multinacionais, do imperialismo (ou colonialismo) ou outro egoísmo burguês como nossas leis e direitos profanos.

E, enquanto a gente não decide que Deuses adorar, para os homens o mundo é bem pior do que quando eles foram inventados.

Ondas não broxam

A grande polêmica na França atualmente é um tal de projeto de lei chamado Hadopi, sobre um desejado controle dos downloads “ilegais” na Internet que “infringiriam” direitos autorais. Debate já velho e monótono. Não há muito a comentar sobre o projeto em si, obviamente autoritário e que segue uma política de restrição de direitos individuais, patrulhamento policial e preservação desesperada de instituições caducas à beira da falência (como gravadoras, editoras e associações de artistas matusalém). Elton John teria feito um apelo recente implorando o “fim” da Internet para preservar os direitos autorais!

Hadopi é uma sigla que significa “Haute Autorité pour la Diffusion des Oeuvres et la Protection des droits sur Internet” ou seja “Alta Autoridade para a Difusão das Obras e a Proteção dos Direitos sobre Internet”. Trata-se de um organismo independente mas é importante ressaltar a pretensão do nome! O assunto está tão quente que recentemente, um diretor da televisão pública francesa TF1 foi demitido sumariamente pelo ministro responsável por ter discordado do projeto em uma entrevista.

Para além do aspecto risível das medidas sugeridas, vale dizer, falhas, inoperantes e caríssimas (existe uma quantidade enorme de dicas de usuários de como é simples e rápido driblar qualquer controle, por exemplo, aqui: http://www.youtube.com/watch?v=08ZLvNGFPsQ); para além dos discursos inflamados e hilários (um ministro, ao ser indagado sobre a impossibilidade de controle de uma lei francesa sobre downloads que podem ter origem em outro país em que não há legislação restritiva, teria dito que esse não era o problema, porque a enorme maioria dos downloads tem uma origem próxima do destinatário, uma vez que “demora muito tempo baixar algo de um país distante”!), o que choca mesmo é a incompreensão do benefício do intercâmbio livre ou livremente regulado da criação intelectual.

Não se entende que existam ganhos formidáveis no todo e que a possível perda individual é diluída no dínamo criativo da troca e colaboração desregulada. Muito surpreende também que os governos outrora liberais que pregavam a autorregulamentação preguem o controle do Estado na Internet. E espanta perceber que, para muitos, o mundo ainda é um intrincado quebra-cabeças de minúsculas comunidades isoladas.

Mas ainda que se possa lamentar o passado, que se admita um certo saudosismo dos privilégios de alguns sobre a maioria, é tristemente cômico acompanhar as “vacas” que os dinossauros do direito autoral tomam, nas suas tentativas de criar diques impossíveis.

Em tempo, discussões semelhantes às da Lei Hadopi acontecem no Brasil mas, sorte nossa, em bocas menos influentes.

O twitter é

Uma espécie de confessionário?
Um espelho opaco?
Um livro de horas?
Um calendário com pérolas de sabedoria?
Um manual de doutrinação?
Um saco de pancada?
Um avatar da fama?
Uma Casa do Saber gratuita e sem piruagem?
Uma Caras da ZL?
Um clipping em 140 caracteres?
Um “consolo” de mal-amados?
Um mega fone das vaidades?
Um diário sem vergonha?
Uma travesti no armário?
Uma rede social e todo o blábláblá que qualquer wiki-man resolve dar quando indagado sobre algo que (como?!) ele não conhece ainda.

Sei lá eu. É twitter.

Tudo que é muito novo excita e assusta.
E, no início, o mundo se divide em dois:

Os excitados devassos.
Os assustados vitalinos.