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70 mil publicitários demitidos

Quando a crise é conjuntural, a gente espera. Quando ela é estrutural, a gente se adapta. Mas quando ela é existencial, melhor sair correndo.

Segundo estatísticas, 70 mil publicitários perderam o emprego com a recessão.

Uma parte deles foi demitida porque as verbas publicitárias são bipolares: investimento na bonança, despesa quando tem que tirar o pai da forca. Essa é a crise de conjuntura. Passa.

Uma outra porção grande deve ter saído e ainda vai sair porque o modelo de negócio entrou numa puberdade tardia e autodestrutiva. Ainda tem gente do métier defendendo a desregulamentação, que coloca em risco as conquistas do passado. Esse cada-um-por si e a Globo por todos é estrutural. Dá-lhe jogo de cintura.

Mas quando a profissão de publicitário vira uma espécie de meca dourada, que atrai pessoas com veleidades e vaidades artísticas, mimadas, um soluço do mercado vira crise existencial. Não é capricho.

O mercado não está só em crise porque o mundo está em crise. Nem só por conta e obra exclusiva dos tubarões social climbers.

A crise é de descolamento da realidade e teimosia amargurada. É a crise da autorreferência ignorante e pretensiosa. A crise da curiosidade seletiva e, portanto, burra.

Ainda tem publicitário com preconceito de comunicador instantâneo, que tem medo de rede social e que defende a censura da Internet com malditos filtros de conteúdo.

70 mil ex-publicitários é pouco!

Em tempo:  Lemonade Movie

A favela não é chique

Os Estados Unidos são o maior importador de vinho francês do mundo. Mas de que adianta, disse-me meu cunhado enólogo, o vinho viaja tanto que, quando chega, é a mesma porcaria que eles cultivam lá na Califórnia. O mesmo podemos dizer daquela água de coco de caixinha, em voga atualmente nas bacanezas da Côte d’Azur: tem gosto de água salobre.

E o mundo voga em fluxos e contrafluxos civilizatórios.

Recebi, certa vez em São Paulo, uma turma de modernos empresários. Eles estavam desbravando a Internet. Figuras quase obrigatórias em todas as listas hype de Nova York a Amsterdã, queriam investir na Pindorama. Mas era preciso impressionar os gringos. Nossa terra tem palmeiras e muita chiqueza. Fui buscar os caras no hotel, que não envergonharia Philippe Starck, e lá fomos nós pro restaurante de calar o Jacques Garcia. Lá pelas tantas, depois de muito goles, o Mark me chamou para fumar na rua (ele era americano, portanto, muito civilizado, respeitador dos pulmões alheios, disciplinado como um G.I. Joe). “Não tem um barzinho por aí mais à vontade pra gente conversar? Isso aqui parece o Titanic ancorado em Coral Gables”.  Fomos para uma calçada e  fumamos e bebemos até de madrugada. Meu patrão foi dormir feliz de ter abalado Bangu com tanta sofisticação tupiniquim. Sentir-se bem é o verdadeiro luxo. O resto é complexo de inferioridade.

É tão esquisito ver um alemão de sandália e meia em Ipanema quanto ver um brasileiro de tênis no Café de La Paix. Muito mais esquisito seria ver o branquelo descalço, ou o tupinambá calçando um sapato que não vê uma graxinha desde que saiu da loja. Mas na sua Birk, o gringo está tão confortável quanto o brasileiro de Nike Shox. O conforto é o verdadeiro luxo. O resto é cafonice exótica.

Odeio o Arnaldo Jabor, o Diogo Mainardi e o Galvão Bueno

Ele é um vomitador prolixo de adjetivos. Há anos que fala a mesma coisa: sua indignação beira o histerismo. Seu jeitão pseudo-intelectualoide que maneja o verbo com uma erudição Wikipédia, flexiona a voz como um ator de novela mexicana. Ouvir o Arnaldo Jabor na rádio CBN, entre o helicóptero e as notícias do dia, é celebrar a segunda-feira com o mau humor que ela merece.

Já o segundo, é um doge de calça de veludo rota. Sua obsessão cáustica contra o Brasil e os brasileiros é quase engraçada. Mas sua amoralidade, aética, apartidarismo e a-qualquer-outra-coisa cansam até o mais azedo dos apátridas. O Diogo Mainardi é um personnal-luggage- arrumator competente: te manda nego, que aqui nunca vai prestar.

Finalmente, o imperador da Globo, estatístico de relevância duvidosa, o cheer leader televisivo, o criador de mitos, reis e santos de calça curta, o referido apresentador da Vênus Platinada, é um herói da resistência: quem é que ainda aguenta seu “Amigos da Rede Globo”?

O primeiro eu ouço, o segundo lia, o terceiro assisto religiosamente. Apesar do desperdício de paciência, algo ensinam essas grifes do jornalismo brasileiro.

Sabe aquele tênis velho, quase furado, quase puído, que não alegraria nem o mais pobre dos mendigos? Ouvir rádio é isso, o velho companheiro de armas, de quem se tolera até traição. O Jabor é uma injeção na bunda: dói, mas passa rápido.

A mídia impressa é mais seletiva, mais exigente, mais cansativa também. O Jabor no jornal não serve nem pra embrulhar o cocô do meu cachorro. Mas passo seus latidos (do Jabor) sem comprometer minha leitura. Já  Mainardi na “Veja” não é só um articulista articulado, compromete. Sua bandeira contamina a revista inteira e sua linha editorial.

O que se perdoa no rádio e no jornal pode ser bilhete azul para a revista, por definição sintética, e, portanto, da qual se presume extrair o sumo opinativo.

Na TV tudo é mais profundo. Nunca mais tive o azar de ver o Jabor no “Jornal Nacional”, mas prometo que da próxima vez que ele se atrever a interromper meu torpor, zapeio por superstição inamovível. Mas na hora do jogo importante, há alguma graça em assistir sem peso e circunstância? Sem xingar com outros milhões de torcedores? Futebol na televisão não é um prazer solitário é uma comunhão universal. É por isso que se quer um mestre de cerimônia que faça jus à catarse deliciosamente coletiva. O Galvão não é ruim para a Globo, é ruim para o país porque é na Globo.

À Globo nada se perdoa porque a relação é visceral, e as paixões têm razões que nenhuma razão é capaz de acalmar.

E na Internet? Santo RSS que me filtra todos os caga-na-saquinha!

A reforma agrária é o fim da picada

Um veículo loteia um espaço que coloca para alugar. Uma agência recomenda lotes a um anunciante, usando cálculos do retorno comercial potencial do ponto. Por essa intermediação e consultoria, paga-se uma comissão. Uma agência de propaganda é uma imobiliária.

Sobre o lote locado, o anunciante irá estabelecer-se. A agência, geralmente a mesma, irá desenhar o projeto a ser instalado e fará o agenciamento dos fornecedores diversos, encarregados de colocá-lo de pé. Por esse trabalho também paga-se. Uma agência de propaganda é também um escritório de arquitetura.

O que irá ser colocado no lote é da conta exclusiva da agência e do anunciante, respeitadas algumas normas legais.

É assim que funciona a propaganda.

Agora imaginemos que os pontos disponíveis se multipliquem rapidamente, que haja uma espécie de reforma agrária dos espaços de mídia e milhões de pequenos proprietários dividam a audiência da freguesia com os latifundiários do passado. A Internet é essa bagunça aí.

Como iremos recomendar com técnica os melhores lotes? O que iremos desenhar para esses infinitos lotes?

Os lotes disponíveis são agora infinitos, muitas vezes secretos e na enorme maioria possuem uma gestão familiar, informal, sem norma nem padrão.

O que irá ser colocado nos lotes não é mais da nossa exclusiva conta porque, na Internet, o padeiro faz pão e cuida do caixa, o pedreiro é também encanador e marceneiro. O dono do pedaço é ao mesmo tempo editor, e comercial. Ele faz e vende. Ou faz o que vende. Ou vende o que faz.

E nós, com nossa técnica e talento, corte mimada num antigo regime cheio de ordem e privilégios, a propaganda e seu charme pré-fabricado está à beira do cadafalso cada vez que invoca seus herdados princípios e valores.

Há muito mais de relações públicas na nova propaganda do que suspeitam nossos vaidosos feitos.

Há muito mais de jornalismo na nova propaganda do que sonha um anuário de festival.

O novo publicitário, o novo mídia, o novo criativo e o novo planejador têm muito mais a aprender nas redações dos antigos latifúndios do que nos escaninhos e pranchetas das imobiliárias.

Compra sorvete do Saponga que ele é pobre

Somos muito maniqueístas. E infelizmente a única revolução possível se dá pela dialética. Se não tem pobre, não tem rico e se não tem ricos e pobres, não tem progresso. É triste mas é verdade.

Durante quase toda a história da mídia, sensacionalista por força da audiência, o mundo além-túnel, além-rio, além-dignidade, além-respeito, além-cidadania foi tratado de forma dramática. Era apelação em cima de apelação e parecia que nunca estava pior o bastante. Quando o pobre que morria na fila do atendimento médico não levantava as sobrancelhas, “inventava-se” uma grávida estuprada pelo pai, quando a grávida não arrepiava mais, “inventava-se” um traficante cruel, quando o traficante cruel não revoltava mais “inventava-se” uma mãe descabelando-se do filho morto pela guerra das facções e quando a guerra das facções não provocava mais, “inventava-se” um genocídio de inocentes menores.

Mas até a miséria acostuma. E aos poucos uma outra agenda foi substituindo a antiga. Surge a hora do bem, do exemplo, dos símbolos raros, da flor que desabrocha na merda. Nove entre cada dez matérias falam do menino pobre que aprendeu a tocar violino, da mãe que se prostituía e virou empresária, do ex-traficante que estrela nos cinemas, da freira caridosa, do gringo que se hospeda no cortiço, da madame que ensina corte e costura na favela, do empresário que passa o fim de semana batucando no morro, do rappeiro que frequenta o templo do novo-riquismo.

Por um passe de mágica, os ex-fodidos são coqueluche da burguesia, pochetes em todos os eventos sociais, cobertos de glórias e discursos emocionados. Um otimismo histérico toma conta dos corações, uma mão de cal cobre as consciências cansadas, Madonnas caridosas pululam na high society, um amanhã fogoso se descortina e rega-se a esperança renascida com muito dinheiro incentivado e renúncia fiscal.

Está na hora de impor o terror, porque esse bom-mocismo dá preguiça. Daqui a pouco voltamos a vestir o pijama e a brindar a pobreza que nos embriaga.

Pedala Rubinho!

Uma manhã, a notícia correu, o sabonete do banheiro acabou e as perspectivas de férias suspeitas animaram os ânimos. O funcionário “D” estaria com a porcina. No recém convertido chiqueiro, em poucas horas, muitos já estavam com gripe suína psicológica.

Mais rápido que as pedaladas do @barrichelo para ser um @manomenezes, a febre não é um vírus, é um microblog. E vamos dar a mão à palmatória, o Twitter é o maior termômetro da insanidade “people” desde o lançamento dos tablóides. Todos os dias, milhares naufragam nas páginas dos veteranos anônimos, homônimos ou heterônimos. Do fôlego que resta pouco se sabe ainda, mas o fenômeno warholiano é um processo de falsidade ideológica coletiva. Nunca tantos esperaram tanto da síndrome da fama gratuita.

Está todo mundo com vontade mas ninguém sabe o nome do jogo, quais são as regras, nem o que se ganha. Se é reputação rápida ou razão de existir, o fato é que ensaiam-se muitos exercícios literários de tagarelice represada.

Mas a despretensão do twitter é tocante. Era uma agenda compartilhada, um registro autobiográfico (“what are you doing”) mas, para ser bem sucedido, tem que ser um almanaque de inteligência em pílulas de sabedoria (“what are thinking” ou “how do you think”).

Certa vez perguntaram para um jogador de futebol americano ilustre qual era sua opinião sobre a vigilância eletrônica dos provedores de acesso americanos e o desbocado dissertou uma hora sobre o a liberdade de expressão com teses tão assentadas quanto imbecis.

O twitter é uma ferramenta dos diabos: todo mundo tem algo a dizer sobre qualquer coisa. E cedo ou tarde, todos serão acometidos dessa febre, esse que vos fala inclusive.

Não há vacina contra a masturbação opinativa, sua precocidade de 140 caracteres e a presunção colateral de celebridade.

Diga-me se fuma que lhe direi quem és

O governante, consciente de sua missão cósmica, venceu uma cruzada mística no quinhão que ele administra. A partir de amanhã, é proibido não fumar. É obrigado fumar em ambiente fechado. E se alguém à sua volta recusar um cigarro, denuncie. Extravase seu ódio soltando quatro mil e setecentas substâncias tóxicas pelas ventas.

A partir de depois de amanhã, é proibido não fumar na minha casa. Na mesma proporção da população brasileira fumante, 18% de todos os meus amigos poderão contar com esse último bastião de resistência. Só será permitido não fumar livremente no jardim.

O dia 7 de agosto de 2009 vai ficar para a história: é o fim da farra da fumaça. Fumantes, esses seres de segunda classe, serão a escória perversa da sociedade. Esses mesmos que matam, a fogo brando, uma legião de pulmões virgens. Dizem que um deles foi preso comendo uma criançinha, entre duas baforadas. Não basta o isolamento tóxico dos recintos destinados a esses párias, que fumem na sarjeta, na rua da amargura, no quinto dos infernos!

O governo da democracia da maioria venceu. E a minoria que se exploda. Que morra, de preferência. De frio, e respirando tranquilamente os escapamentos da via pública.

Se não cabe em 30, não cabe

Numa aldeia perdida, o velho poeta debatia-se com uma folha em branco. Nenhum comichão, nenhum lampejo e as musas de pijama tomavam chá, displicentes. A constipação era tal que a menor brisa roubava-lhe o olhar, e o cheiro do feijão cozinhando sereno na panela zombava de sua falta de inspiração. Nem mesmo os livros boquiabertos na escrivaninha curavam a modorra indecisa.

Depois de horas desérticas, ele saiu. O andar trôpego lambia o caminho. Uma enorme tempestade armava-se no horizonte, mas ele seguiu, empurrado para frente, decidido a não voltar enquanto durasse o vazio.

Quando começou a chover, já estava longe de casa, arrasado de cansaço. Abrigou-se numa casa abandonada e esqueceu-se do tempo. Impossível voltar sob aquelas condições. Impossível chamar, impossível. Foi então que ele rabiscou. Três linhas, métrica e rima, poucas palavras no que restava de terra seca. Sua última obra prima.

“Doente em viagem
Sonho em secos campos
Ir-me enveredar”

Um sinal fechado para impressionar a garota do carro ao lado, uma única cena para cativar o espectador, um gole de prazer para despertar, um sorriso para apaixonar, 140 caracteres para mudar o mundo, oito palavras num ônibus que passa, 30 segundos para dar vontade de tomar cerveja. A expressividade é caudatária da dificuldade.

A Capela Sistina não cabe entre dois pack shots, nem a “Missa em Si Menor”, nem a “Porta do inferno”. Mas, o intervalo vale o tempo de um xixi, e 30 segundos são uma eternidade para um Hare Baba interrompido.

A exiguidade do espaço é a única arte que se dá na propaganda.

Quem tem medo da censura?

Muitos confundem democracia com vontade da maioria. O sufrágio do povo grassa com a mesma fertilidade em regimes democráticos quanto em tiranias totalitárias, que, em ambos os casos, legitimam-se graças a ele.

Dizer “vamos decidir democraticamente atendendo a opinião da maioria” é uma falácia, se a frase não for seguida de “e respeitando as minorias”.

Ainda, a ciência é aliada tanto dos déspotas quanto dos regimes democráticos. Em tempos remotos, a ciência comprovava que mulheres eram inaptas, os negros e judeus, raça inferior e os gays, doentes.

Finalmente, a bobagem suprema reside em confundir estado de direito com justiça democrática. Assim como respeitar a lei, infringi-la não tem nada a ver com a democracia.

Isso nos coloca numa enrascada: como então invocar seu santo nome?

Em tempos da liberdade desregulada que a Internet fermenta, a censura é a perversão dos tempos modernos,  o recurso extremo que trai duplamente o pensamento democrático.

Censurar é sobrepor uma vontade escura ou escusa à liberdade de expressão. É uma atitude antidemocrática por definição inquestionável.

No entanto, a censura na Internet é o veneno que mata o feiticeiro porque, ainda que fosse aplicável, é um amplificador da intenção perversa do seu autor.

Recentemente o site de uma agência foi hackeado, substituindo a página de abertura por ofensas, justificadas ou não, pouco importa. Ato contínuo, típico de um mercado que autoexcita sua vaidade na mídia, muitos veículos reproduziram a graça. Ainda que a importância da notícia fosse proporcional à sua irrelevância, muitos manifestaram-se sobre o tema naqueles blogs que incentivam o frenesi participativo. E ficou por isso mesmo, até que a agência em questão – coup de théatre – apelasse e um desses blogs fosse censurado com aparato legal.

Que o blog não tem nenhuma responsabilidade, qualquer rábula poderá atestar. Que os hackers agiram fora da lei, é tão óbvio quanto a improbabilidade de encontrá-los. Que a ação da agência é antidemocrática, é tão certo quanto a propaganda espontânea que ela promoveu.

E a ingenuidade do dono da agência é tão tocante quanto é lamentável sua nova reputação.

Vaidade digna de insignificância eterna

Outro dia, dois improváveis macaquinhos apareceram no jardim. Fiquei observando os primos alguns instantes e corri pegar a máquina. Quando voltei, eles tinham fugido. Mas de vez em quando, eles ressurgem e fazem caretas na minha cabeça.

A nossa história é um bagunça de eventos que a memória edita. A linearidade é uma presunção da linguagem. Toda criação é uma intenção ideológica. Ela tem um propósito, ainda que inconsciente.

Os saguis serviram-me para dizer que minha casa é selvagem, que sou fino observador, para irritar o sensacionalismo ecológico ou, aqui, para fingir-me de contador.

Os índios documentam-se com rigor cerimonial. Numa selva de símbolos, eles retratam suas crenças, temores, exorcismos e proezas em rituais eternamente recriados.

Nada mudou desde da noite dos tempos: somos todos documentaristas, como se isso desse mais razões a nossa incompreensível existência.

Inventamos sem cessar, instrumentos e técnicas, que calcificam a fugacidade dos eventos que mobíliam a vida.

O registro é uma espécie de obsessão pós-moderna que a Internet finge eternizar.

Os sentidos se esgarçam e vulgarizam na velocidade da tecnologia. As mensagens se simplificam ao sabor das oportunidades. Nossa história transforma-se em uma espécie de exibicionismo documentado. Agora, toda hora, para sempre e todos.

E se os macacos fugiram antes do clique, precisamos re-encenar o evento. Rápido, rápido, de qualquer jeito. Precipitar a edição dessa forma transforma nossa história em propaganda ridícula e gozação das plateias que assistem.

Vou inventar, sem avisar, um bug esteta que vai apagar do YouTube essa pornografia inútil.

Caro T.

Obrigado pelo seu email mas não sei ao certo porque estou respondendo. Sim, a vida que levamos nos torna mal educados. Ou então mais impulsivos e verdadeiros, se entendermos que educação é a arte de esconder a sinceridade por detrás de pílulas douradas. Administrar o tempo é a formula da sobrevivência e nem sempre fazemos as escolhas mais simpáticas.

Li seu email e, apesar dos salamaleques, você fala um pouco das suas duvidas, genéricas e grandiosas. E elas me trouxeram uma gostosa nostalgia. Uma certa saudade desse tempo em que eu nadava aflito no aquário, com aquelas impenetráveis paredes de vidro que me projetavam um mundo de infinitas possibilidades.

Mas levei o assunto um pouco mais a serio quando você me acusa de retratar uma realidade crua. Foi então que fiquei preocupado. Realidade e crueza são termos redundantes no meu vocabulário.

A realidade é crua e só conheço um jeito de engolir: voltar para o aquário. Voltar a ser inquieto e louco para fazer grandes coisas impossíveis.

Minha confissão é a expressividade. O fauvismo me cativa mais do que o impressionismo, o preto no branco mais do que o cinza, a opinião mais que o consenso, o extremo mais que o mínimo denominador comum.

T., o único conselho que posso lhe dar é você aprender a equilibrar convicção com curiosidade. A sinceridade sempre será premiada. A coluna do meio pode até te dar dinheiro, mulheres e fama mas se não é só isso que você procura, então talvez você goste desse mundo. Se você acredita em responsabilidade e utopia, o clichê não vai matar a sua fome, nem o truque, nem a grana.

A imaginação é mais importante que a ciência, e quem disso isso foi o maior cientista do século XX.

Na propaganda, ainda tem quem ache melhor adormecer do que despertar. O desconforto é melhor do que o chinelão passe-partout, e quem diz isso é o peixinho que lhe escreve.

Socar sem sujar

Tem gente que grita, arranca a sobrancelha, se lambuza compulsivamente de chocolate, detona o cartão de crédito, entope os ouvidos de um terapeuta, envergonha um padre, xinga o juiz, massacra o controle remoto da televisão, hiberna com o barrigão pra cima, se afoga num copo de cerveja, vocifera em nome de Jesus, mergulha em jobs imaginários até altas horas, coleciona tampinha, piada, GIF animado, coruja, mentira ou botox.

Sem esses pequenos cacoetes a vida seria enfadonha ou a morte atrasada.

O inferno são mesmo os outros.

E eis que, como se não bastasse tanta compensação, como se elas não fossem suficientemente criativas, surge a colaboração na Internet.

Se o prozac digital é igualmente prejudicial à saúde, à fé e à sanidade mental, ele tem uma vantagem quase irresistível: a eloquência.

Delirar no seu blog, expor-se no seu twitter, viralizar onde não se é chamado e manifestar-se onde se é, é um lustre de vaidade.

Nunca subestime o poder espalha-merda da Internet. E merda compartilhada é mais gostoso.

Escrevo porque o duelo em campo aberto está fora de moda e já me teria matado.

Bater com o dos outros gozar com o seu

Uma empresa é uma cultura de bactérias taradas e, para procriar nesse ambiente, uma dieta se impõe. Aí vão três possíveis dicas de como gozar nessa sopa.

1.    Senso crítico: consuma sem moderação

O senso crítico não é uma qualidade, é uma postura. É dizer não ao senso comum, vulgar justamente porque comum. A banalidade é um entorpecente cheio de radicais livres: envelhece e mata. A poção da fertilidade é destruir a golpes de espírito de a solução na ponta da língua.

2.    Autocrítica: coma escondido

A autocrítica não é um talento, é um exercício. É se olhar no pior ângulo, forçar a barriga, não tomar banho para se lembrar que somos fedidos por natureza. É uma prática privada, íntima, solitária, porque autocrítica em público é pornográfico.

3.    Não se levar a sério: a última garfada

O não se levar a sério é uma espécie de barra de energia. Dá uma força na última estocada. Quando o senso crítico e a autocrítica se esgotam, e até a mais perigosa posologia – a boa vontade e o carinho – sucumbem, relaxe porque sempre vai ter um papai sabe-tudo de plantão para te dar de mamar.

Pesquisa qualitativa é espiritismo

Quando era adolescente, apesar dos alertas místicos da minha mãe, eu adorava fazer a brincadeira espírita. Em volta do copo emborcado, cercado pelas letras do alfabeto, entoávamos, concentrados, “Esprit, es tu lá?” e a entidade rangia respondendo a nossas perguntas.

Certa vez, manifestou-se o avô de um amigo, jazzista famoso, que pediu ao neto para sentar ao piano. O copo bailou em infinitos círculos sobre a mesa. Outra: baixou o espírito do meu tio-avô, em cuja homenagem carrego meu nome. Ele revelou não ter morrido limpando a espingarda, mas suicidando-se em nome de um amor proibido.

Pesquisas qualitativas são sessões espíritas onde a moderadora é o copo, e o espírito esconde-se atrás do espelho.

Se é verdade que esses exercícios são tão previsíveis quanto deseja-se antecipadamente, os consumidores são mentirosos contumazes. Charlatões diplomados, eles vituperam opiniões, concentrados nas coxinhas e na gratificação.

Se as pesquisas qualitativas são um PowerPoint de revelações, elas são um tributo à obviedade, uma demonstração de fé de charlatão, um maldito instrumento de poder e um analgésico da pressão gerencial.

Meu amigo tinha acabado de perder o avô que nunca soube que ele tocava tão bem. Premido pela inocente paixão, eu perguntava-me se a morte era legítima demonstração de amor.

A inocência é filha bastarda da manipulação.

Não brincávamos com o copo para reconciliar-nos com a fé. Antes queríamos a manifestação de nossa vontade reprimida.

Não devemos brincar de pesquisa qualitativa para ver o espírito da verdade apontar o caminho. Antes devemos vê-la como o necessário alívio da nossa intuição.

Vamos plantar árvores para poder matá-las!

Um amigo me colocou diante da seguinte pergunta: “Se houver um incêndio em sua casa, o que você salva primeiro: seus CDs ou seu iPod?” A resposta foi fácil: “Meu iPod porque tenho amor à vida.” Mas tenho certeza de que eu ficaria infinitamente arrasado de ver tudo queimar. Se todos os livros que quero existissem em suporte digital, eu correria a comprá-los e, de preferência, se eles pudessem vir pelo correio acompanhados do livro de papel.

O que o as modernidades de suporte digital proporcionam é portabilidade, praticidade e economia.

E o prazer de pegar? Prazer sem toque é prazer? Quem nunca acariciou uma bunda de mármore num museu?

E o prazer de ter? Prazer sem posse é prazer? Quem nunca quis prolongar infinitamente um abraço?

Quando Malraux descreveu longamente Tchen apunhalando um homem em “A Condição Humana”, ele legitimava o crime político com o prazer carnal de enfiar a faca no corpo do traficante de armas.

A dead tree society, como todo rótulo em inglês, é muito chique. Mas ainda prefiro folhear uma revista a browsear um site. Ainda prefiro ver os livros empoeirando na estante do que aquele monte de bits adormecidos nos HDs.  Ainda prefiro o manifesto ao espírito.

Quando Jean Genet foi preso por roubar um livro e disse que não sabia quanto custava, mas sabia seu valor, ele talvez também estivesse se referindo ao prazer de esconder o volume junto ao corpo, numa espécie de simbiose sensual com a obra.

Baixar um livro numa biblioteca digital ou uma música na Internet é sensacional. Mas não é roubo porque não tem esse valor aí, o valor de tocar e possuir. E se não tem valor, não deveria custar. Ou muito pouco.

O gozo físico da coisa vale muito mais do que o fugidio simulacro de prazer intelectual proporcionado pelo digital.

Talvez seja por isso que pagar pelo digital só faz sentido se for ridiculamente pouco. Talvez seja por isso também que o físico descuidado, mal-acabado, só faça sentido se custar muito pouco. Um download tem que ser quase de graça. Uma publicação vagabunda idem. Assinaturas digitais e impressões em papel de pão não têm valor.

Não há sacrifício mais nobre do que uma árvore morrer por um belo livro. Não abro mão deles, mesmo que para isso eu tenha que plantar uma floresta dentro de casa.

Relacionamentos online: a inclusão que dá

João procura as botas do diabo até hoje. Disseram que, nas quebradas em que ele se esconde, tem pouca chance de ser alguém na vida. Até o “marvado” se perdeu por lá. João bem que tentou de tudo que é jeito: foi entregador de jornal, contínuo e hoje, pra escapar da exclusão, ele persevera falando com Deus e o mundo, em sua baia de telemarketing. João tem a idade de Pedro, que  estuda e viaja e até tem carro. João é um dos 323 amigos de Pedro, e Pedro um dos 362 amigos de João.

João nunca leu “Terra dos Homens”, mas ele sabe que só existe um luxo verdadeiro, o das relações humanas. No Orkut ele é tão rico quanto Pedro. Tão popular, ativo e bacana.

Assim como já foi para as salas estéreas onde se batia papo com estranhos, as redes sociais são hoje a maior razão para se conectar. E 92% de todos os internautas brasileiros já se relacionaram online.

A mãe de Pedro sempre lhe ensinou a ser discreto. A mãe de Pedro não tem perfil no Orkut, porque ela tem vergonha. Sua vida e a das suas amigas é regida pelo “que não vão dizer?”. Ela não entende seu filho que passa o dia escarafunchando a vida dos outros e se devassando online.

A Internet é a terra do quem-te-viu-quem-te-vê e 60% dos 45% de internautas que já colocou algum conteúdo online foram motivados para ilustrar ou contar algo sobre sua vida pessoal.

João comprou um celular bacana numa promoção. Mais do que para falar, o celular serve mesmo para fotografar. João virou um repórter do seu mundo e da sua vida. E, quando os 23% de bacanas que reclamam da conexão de Internet em casa dão uma folga, ele atualiza seu perfil com suas novas descobertas, como 39% de todos aqueles que ativamente usam a Internet para existir.

João que pertence à metade de todos os Internautas brasileiros e Pedro, à outra metade, nasceram para ser diferentes, mas em algum lugar eles são iguais, e isso faz toda a diferença.

Brasil um país de, ainda, e-excluídos

Aqui se vota na urna eletrônica e ainda tem político comprando voto a troco de chinelo.

Aqui se faz declaração de imposto de renda pela Internet e a sonegação mora nas barbas do poder.

Aqui se faz BO pelo computador e ainda tem filas kafkianas no Detran.

Aqui 50% da penetração das pessoas que acessam a Internet ganham menos de 2 salários mínimos de renda familiar, e 50% das famílias ainda ganham menos de 2 salários mínimos.

Aqui acesso à Internet não tem nada a ver com renda. Somos o país das correlações arrevesadas.

A penetração de Internet no Brasil é de 35%, segundo a última pesquisa F/Radar. Vamos nos comparar primeiro com outros pobres anabolizados: na Rússia é 26%, incluindo as matrioscas; no México, 23%, sem contar os zapatistas; na China 23%, segundo o mais democrático governo do mundo, e na Índia 6%, incluindo as vacas sagradas.  Isso significa que somos o mais digital dos nossos primos.

Já nos Estados Unidos, a penetração de Internet é de 73% e nos países europeus, por aí também. Essa diferença tem alguma coisa a ver com grana?

Pois vejamos: a renda per capita dos Estados Unidos é de 46 mil dólares (ou era, antes do catastrobushismo, sei lá).  A do Brasil é de quase 8 mil dólares.

Ou seja, somos quase 6 vezes mais pobres mas só 1,6 vez menos conectados.

Então, se ainda somos mais pobres do que Botsuana – aqui 31% estão abaixo do nível de pobreza contra 30% no país africano –, a gente deu um jeito e já dá pra falar em inclusão de acesso (e não digital). Obrigado, informalidade.

Já o acesso em casa são outros quinhentos. A penetração é ridícula ainda: pouco mais de 20%: 63% nas classes AB, 19% na C e ridículos 2% na DE.

Mas será que isso tem alguma importância? Talvez não tenha, na teoria, afinal de contas, se a Internet é canal de relacionamento, não precisamos estar em casa para xavecar, nem convém. Se Internet é informação, idem. Se Internet é atividade profissional, menos ainda. Quem tem tempo em casa de fazer muito mais do que dormir?

Mas tem sim: para comprar. Onde já se viu “comprar pela Internet fora de casa?” 72% dos internautas que já fizeram compras pela Internet o fizeram de casa. Vai saber por quê!

Em outras palavras, se a maioria das pessoas no Brasil acessa a Internet fora de casa (77%), esse monte de gente nunca comprou.

Aí está o nosso novo desafio, o gargalo que não tem nenhuma importância pra quase tudo, menos para aquilo que parece ser uma das salvações da lavoura da economia: o comércio eletrônico.

Esta é a nova fronteira: a inclusão comercial.

Marketing global que estais no céu

Na sala de reunião abarrotada de executivos, prepostos dos acionistas de férias nas Maldivas, um frenesi criativo agita as mentes. Ali irá decidir-se o destino de uma marca e como ela irá formular seus mantras planetários. É também a ocasião de ouro para surrupiar uns minutinhos de fama e ambicionar um memorando de recomendação para posto mais confortável em um país inútil. Há aqueles que sonham em ser CEO da Romênia, ou, quem sabe, CMO na Ucrânia, e os domadores profissionais, matracas de frases de efeito.

Num canto, uma inglesa gigantesca, cabelos tristes e olhar desbotado por décadas de transcrições aproximadas dessas orgias burocráticas, castiga seu notebook. Seu gato persa, está em algum lugar da casa, abandonado à própria agonia. A sobrinha escreve-lhe queixando-se do namorado machão. Há meses que ela não visita a mãe no asilo e, à noite, seu namorado de anos talvez lhe peça finalmente em casamento.

O workshop de café requentado e paletós amassados, ferve a cada palavra nova, fresca, nunca usada em nenhum encontro da “mediocracia” mundial. As missões são alinhavadas na mais vaga das ambições: vamos dominar o mundo com entusiasmo e dedicação.

A inglesa sabe que tudo acaba às seis. Mais meia hora para assassinar um PowerPoint, disparar o email sagrado aos quatro cantos do tabuleiro e correr para comprar para o jantar duas fatias de rosbife e uma geleia de laranja enlatada.

A tarde transcorre e o baile continua, os dribles, os golpes baixos e os transes inspirados.

Lá no escritório central, a masturbação termina e ejacula-se, mundo afora, das mãos da solteirona escriba.

A megatendência: o dijaine

Num conto futurista (Tofler, ou seria Bradbury? ou Asimov?), a sociedade era comandado por um computador provedor e um sistema ideológico de controle das tarefas dos homens. Uma espécie de “Tempos Modernos” exacerbado: “Aperta seu parafuso, Mané, e nem pense em saber em que porca ele irá se meter”. Um dia, a máquina pifa, e os Mané se apavoram sem saber como restabelecer a ecologia do mundo. Até descobrirem o último desempregado generalista capaz de colar os infinitos destroços da humanidade.

O mundo é uma ecologia de destroçados. Um quebra-cabeças de… de… como podemos chamar isso? …sei lá eu… dijaines?

Dijaine gráfico, Web dijaine, dijaine de interior, dijaine de moda, hair dijaine, dijaine odontológico, cirurgia de dijaine estomacal e dijaine futebolístico. Dijaine de parafusos e porcas. Dijaine molecular, atômico, subatômico, quântico.

Já que não sabemos mais descrever as moscas que penteamos, a gente usa a mais dijaine das tendências literárias: dijaine.

E a ditadura do dijaine nos persegue, encarcera, oprime. Se não for dijaine, é primitivo. Dijaine é o avesso de natural. Dijaine é o contrario de intuitivo.

Adão comeu a maçã e criou o dijaine para disfarçar seus pudores.

O dijaine é o prozac hype para o drama de nossa condição de primatas metidos a besta.

(em tempo: dijaine é marca registrada de Ricardo Freire dijainer de viagens)

A crise do retardamento mental na propaganda

Pronto, virou moda. A crise saiu da economia e entrou na propaganda. Crise de retardamento mental.

A moda agora é o saudosismo megalomaníaco e super produzido, a auto-ajuda coletiva, o clichê do clichê da propaganda do Estado Novo, da propaganda maoísta, neo-fascista. É o País-que-vai-pra-frente-em-berço-esplêndido-heil-mein-führer!

As cenas são Pedro Alexandrinos over-pós-produzidos; os textos, Stefan Zweig nanico; as locuções, pompas fúnebres; as trilhas ora singelas aquarelas, ora bandas sinfônicas de coreto e as mensagens comemoram o suor, o esforço e a perseverança tabajara.

O humor não é mais de circunstância: a ordem do dia é a grandiloqüência. A leveza e a poesia são coisa de veado. Contemporâneo é marchar de cabeça erguida varonil.

Por que será que nos deu esse surto de complexo de inferioridade? Os tenentes de pijama saíram do armário!