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Viralização pela hora da morte

É gozado como as tendências no mundo da propaganda operam em surtos calibrados pelo nível de sofisticação de quem os lança. Ainda tem gente falando de “estratégias de redes sociais” por exemplo, como se fosse o último grito das passarelas ou de “branded content” achando que descobriram a pólvora para economizar na mídia. Mas um termo que vira e mexe contamina os discursos é o bem-aventurado vídeo viral.

É como se existissem regras de “viralização” que quando seguidas garantem o contagio. Mas as regras são desejos insondáveis porque os vídeos mais chatos e mais engraçados, mais caretas e revolucionários, mais inteligentes e mais dementes, mais papai mamãe e mais pornográficos, podem viralizar de forma inesperada.

Mas o que faz dessa tendência uma falácia extraordinária, no entanto, é que a forma como mensura-se o sucesso da pretensa estratégia (quantidade de vezes que o vídeo foi visto, comentado, compartilhado, etc.) não subtrai o investimento feito (muitas vezes às escondidas) em mídia.

Assim desnuda-se a tendência da viralização para descobrir que viralizou porque veiculou (sic). Descobre-se também que o investimento por visualização ou compartilhamento é menos competitivo do que se esperava. Mas tudo bem, a estratégia foi um sopro de modernidade.

Contas alinhadas esgarçadas

Empresas multinacionais têm por lógica a transferência de vantagens competitivas da matriz para sua filiais pelo mundo. Essa transferência, tecnológica, de conhecimento do mercado, de capacidade de negociação, de reputação, de cultura, de economias de escala, de poder de financiamento, etc é o princípio que permite ganhar mercado. E no fim da linha, fazer os aposentados da Flórida, de Nice ou Lucerna sorrirem com seus dividendos.

Isso vem funcionando há muitos e muitos anos, em toda sorte de empresa, porque essa inteligência transferida supõe que aquela situada na matriz é necessariamente maior e mais preparada que aquela possivelmente encontrada nos países filiais.

Até que um dia, essa suposição é colocada em xeque. E isso acontece por vários motivos, mas principalmente porque o país filial é grande e importante demais para a matriz. Em alguns casos, muitos casos, mais importante do que ela. Estruturas rápidas levam em consideração esse fato e se adequam, fazendo com que a transferência das vantagens não seja de mão única.

Mas isso é raro porque existem vaidades, ambições e – sem medo de usar um chavão de esquerda – desejos de imperialismo arraigados. Vai dizer para um francês, um inglês, um americano, um japonês, que existe vida inteligente abaixo do Equador para termos a clássica resposta “Brilliant! Awesome! Amazing!” mas faça o que eu pedi que vai dar certo.

No mercado publicitário, houve um tempo em que a maioria das agências multinacionais deitava em berço esplêndidos de contas alinhadas. E assim nascia um conflito insolúvel: as necessidades locais X as diretrizes globais. Um enrosco só: se eu sou o cliente local, por que tenho que engolir uma agência global? Porque mandaram? Mas quando o cliente local ganha musculatura, o cliente global perde força. Óbvio.

E a agência filial fica com um discurso do faz de conta embaraçoso. Faz de conta que é global para o agradar o cliente global e faz de conta que é local para agradar o cliente local.

Esse tipo de contradição histórica se sustentava até alguns anos atrás, mas está em frangalhos. Se ainda persiste é por força da ambição imperialista disfarçada de universalista. E as contas alinhadas se esgarçam, assim com as grandes redes de agências que não se conformam até hoje que perderam as suas colônias.

O esnobismo às avessas das agências digitais

Quem arrota mais leva a fama, mas o come quieto leva a grana. E se tem uma coisa que é unha e carne com a propaganda é amplificar qualquer mínima ideia. Até a mais prosaica, a mais falsa, a mais inviável delas, vira um case prodigioso.

Mas as agências tradicionais, os mastodontes que encabeçam a lista das maiores entre as maiores, com centenas de formigas diligentes e obedientes, processos e métodos, intrincadas teias políticas e vetusta imagem comem quieto quando se trata de demonstrar sua vitalidade no frisson digital.

Não é muito lógico, logo elas, especialistas em cacarejar, parecem tímidas adolescentes diante das flamejantes agências digitais. Essas, que preferem nomes mais barrocos, tirados de um baú pseudo-intelectual, tomam a mídia e as salas de reunião de assalto com o argumento pirlimpimpim: nós somos o novo.

E toda a arrogância e a pretensão das gigantes é reinterpretada com megalo-nanismo (de nanismo e onanismo) pelas digital-agencies ou outras nem tão digitais mas igualmente off-Madison.

Por quê?

Complexo de inferioridade mau curado? Para disfarçar estruturas em construção? Imaturidade? Ou simplesmente por que está dando certo? Talvez só instinto de sobrevivência.

Mas a verdade oculta é que os dinossauros tiraram o pó e são habitados hoje pelos mesmos milleniums de sneekers volumosos. A verdade é que a entrega e a qualidade da produção “digital” ou integrada das velhacas é a mesma. A verdade é que as mesmas referências, os mesmos congressos e festivais, as mesmas pesquisas, o mesmo slang erudito são os mesmos gadgets nas apresentações dos pesos pesados, pesos médios e pesos pena.

A título de confirmação irônica, chamar uma digital agency de digital agency é uma heresia que ninguém ousa pronunciar.

Quando o dinheiro era pouco, ele migrava para as alternativas. Agora que ele é muito, o jogo é outro.

O que interessa as marcas, as empresas, os anunciantes não é a “novidade” ou a “subversão”. Não é ser grande, médio ou pequeno. O que interessa é a entrega, integrada, pensada, nova, original. O resto é esnobismo às avessas.

Pangéia é geléia

Recentemente, Deus forneceu uma entrevista exclusiva na CNN.

– Amanpour: Deus, Vossa Magnitude criou o mundo. Conte pra gente o insight que precedeu esse feito.

– Deus: Ora, foi simples. Acordei com vontade de fazer xixi. Fui ao banheiro e fiz cocô. Vi aquele cocô boiando num mar de xixi e pensei: assim será minha nova criação.

– Amanpour: Foi assim então que nasceu a Pangeia, Sua Santidade?

– Deus: Pangeia é o nome que vocês dão a um cocô boiando no xixi?

– Amanpour: De certa maneira sim, Reverência. Os homens deram esse nome a sua criação: a Pangeia é um único pedaço de Terra cercado de mar por todos os lados.

– Deus: Muito criativo. Parabéns.

– Amanpour: obrigado Altíssimo.

– Deus: Mas não rolou.

– Amanpour: Como assim, Gloria Suprema?

– Deus: Não rolou. Os homens são uma espécie mal-criada, sabe? Uma obra de juventude, sem acabamento, sem classe.

– Amanpour: Mas por que não deu certo, Hosana nas Alturas?

– Deus: Porque vocês não se entendiam. Tudo muito junto não dava certo. Todo mundo trampando junto menos ainda, saca? Deu merda.

– Amanpour: Acho que sim, Tu Solus Sanctus.

– Deus: Então resolvi separar aquele monturo boiando no mar. E fui espalhando, espalhando, espalhando.

– Amanpour: E assim nasceram os continentes, os países, os relevos, as fronteiras, Dominum Vobiscum?

– Deus: Exato. Assim separados, rolou. Dividir para reinar disse um humano certa vez. Tudo separado, cada um na sua, não dá merda.

– Amanpour: Obrigado Credo In Unum Deus.

F.B. foi o único terráqueo que assistiu à entrevista: “Deus avisou. Esse negócio de campanha global com todo mundo criando junto, uma hora dá merda”.

Propaganda em lata

Com os ideais planando no espaço sideral, muitos publicitários sonham com a reinvenção da forma de pensar a comunicação. Com boa vontade que transborda de energia, querem – queremos – chacoalhar as estruturas, sacodir a poeira de práticas viciadas e cansadas. As hipóteses são formuladas com lucidez e sensibilidade e as soluções e modelos são flexíveis, artesanais, caprichados. Constroem-se catedrais, tinindo de novo e muitos sucumbem ao charme de sorrisos sinceros.

E porque a caretice domina o mercado (publicitário e de marketing), dá gosto de ver.

Mas se inocência não for condição para o idealismo, a esperteza consciente evita muitas frustrações.

Fazer comunicação para uma marca tem uma parte moderada de invenção, uma dose razoável sob medida e grandes sortimentos de enlatado.

Em outras palavras, a propaganda exige – 1. fazer algo um pouco novo – 2. que esse algo um pouco novo esteja dentro do briefing da marca – 3. que se tire da gaveta um caminhão de recursos pré-fabricados.

E sabem onde é que se ganha dinheiro, na propaganda?

Qualquer MBA mediano sabe que o lucro vem da escala. É a primeira lição do capitalismo para cabaços: o enlatado, o pré-fabricado, o modelinho, a matriz conceitual e todas as pesquisas quantitativas, os ferramentais de mídia, os relatórios passe-partout, tudo aquilo que você pode usar (e acochambrar) para qualquer cliente, são a mina de ouro. E isso vale até para as análises, os discursos coringas, os salamaleques de circunstância. Vale também para muito do que chamam de criação mas que no fundo não passa de um infindável requentar de ideias. Quantas vezes o Luciano Huck, O Faustão não gritaram as mesmas imbecilidades nas suas vidas, seguindo roteiros publicitários “criados” e portanto cobrados?

Sim, na propaganda assim como nos clientes, para ter sucesso, precisa vender enlatado com cara de feito em casa.

Estrutura global: rinha de galo bêbado

Globalização é um porre.

E tudo por causa da síndrome do sufixo no cargo: Nhãnhãnhã Global, Uiuiuiuiu Regional ou Blablabla Brasil.

O global é mais importante que o regional que por sua vez apita mais que o local. O global manda no regional que manda no local.

Em tese.

Na prática, o local não suporta o regional que odeia o global que detesta o regional que despreza o local. A ordem dos fatores não altera o produto porque o divertido é esfregar o crachá na cara do outro. Fazer acontecer, colocar na rua, é pura retórica: “quem decide sou eu porque o dinheiro é meu” de um lado. De outro “quem manda aqui sou eu porque o lobby é meu”. Todo mundo posa de galo. Mas nem a força nem a malícia ganha esta rinha.

Como a rosa do Pequeno Príncipe. Dias intermináveis se arrumando, se enfeitando, se preparando para o dia que se mostraria para o mundo. E quando desabrochou: “ai, estou tão despenteada!”

A sorte, o acidente, o decurso de prazo é que sai vencedor. E as decisões são tomadas no susto.

E depois? Depois é depois. Todos se ajeitam e conseguem enxugar os fracassos com doses maciças de pesquisas, o Engov favorito dos sufixados.

Um porre, que, como todos, é promissor no início, ridículo no meio e indigesto no final.

Na Internet, não adianta anunciar o que você quer vender

Porque os mapas nos situam e mostram o caminho, eles são um leme existencial. Mapa é uma coisa linda porque seus intricados desenhos transformam o caos em lógica serena. Mas sobretudo, adoramos mapas porque não precisamos mais manuseá-los para a gente se achar. A busca no GPS faz isso por nós.

Antigamente, a gente viajava cheios de mapas que nunca conseguíamos dobrar nos vincos certos.

Antigamente, a gente viajava na Internet na mesma lógica que nos ensinaram. Todos os conteúdos estavam agrupados em enormes portais que classificavam os assuntos em complexos mapas de navegação e menus. A Internet era uma espécie de enorme biblioteca. Impossível se achar nos seus infinitos corredores sem mapa.

Mas tanta organização é incompatível com a natureza da Internet: anárquica, orgânica, complexa, inefável, promíscua e mística.

O GPS da Internet são as ferramentas de busca. Essa obviedade é importante porque mudou ou tem que mudar a forma como fazemos comunicação.

Há tempos atrás, na Internet, quando uma marca queria vender uma coisa, criava um lugar na Internet para essa coisa e um mapa (através de inúmeras formas de fazer propaganda) para que os consumidores chegassem lá.

Mas ninguém quer saber de mapa na Internet. Procura o GPS (mais conhecido como Google).

Portanto, a lógica é outra: se você quer vender uma coisa, não adianta anunciar o que você quer.

Primeiro, descubra o que o consumidor quer de você. Se o que ele quer de você não coincide com o que você quer dele, fisgue-o primeiro pelo que ele quer e depois ofereça o que você quer dele.

Simples assim.

Vender online não é coisa de nerd

Fato: O e-commerce nos Estados Unidos representa menos de 5% das vendas do comércio. Está crescendo a taxa de roedor, mas a Amazon já tem quase 18 anos de vida.

Fato: 80,6% de todo trafego referenciado do e-commerce, nos Estados Unidos (alguém clicou em um link para chegar em uma loja) se origina no Google enquanto que apenas 9,7% vem do Facebook.

Mais e mais gente está comprando mais e mais coisas na Internet e as lojas físicas muitas vezes não passam de um showroom. Vamos as lojas físicas para ver, tocar, cheirar e compramos online pelo menor preço, não necessariamente na versão online da loja que visitamos.

Porque será que o comércio virtual não ultrapassou ainda o comércio de rua? Excetuando-se a justificativas surradas – falta de posse de computador / acesso à Internet ou falta de confiança nos sistemas de pagamento / segurança / privacidade – talvez exista uma razão que está no DNA da sociedade de consumo: comprar é um prazer sensorial e comprar na Internet é eminentemente um comportamento racional.

Por isso, o Google, uma ferramenta robotizada, é tão importante para referenciar sites de e-commerce. Por isso, o Facebook, um ambiente de relacionamento, tem pífia participação no referenciamento. Quem quer comprar não procura o Facebook, vai para o Google.

Mas isso evidentemente não significa que para que o comércio eletrônico cresça mais rapidamente, o Google precisa ficar mais sexy ou que o Facebook tenha que ser mais (mais ainda?), digamos, feio.

Significa sim que as iniciativas de e-commerce tem que evoluir sensivelmente na experiência de compra, se pretendem substituir o comércio off-line (mais caro, mais arriscado, etc etc).

Comprar na Internet pode ser muito eficiente, rápido, competente, mas raramente é uma experiência que dá tremedeira consumista, aquele reflexo incontrolável que devasta contas de cartão de crédito.

Uma loja de rua investe muito mais energia para permitir que o consumidor interaja com o produto do que com o check-out. Já uma loja de e-commerce parece investir mais energia na operação comercial. Por melhor que seja a iniciativa de tornar a experiência de compra on-line sexy, perto de uma loja física, parece brincadeira de criança.

A tecnologia de manipulação virtual de produtos em exposição está cada vez mais sofisticada assim como as bandas de acesso a Internet não param de crescer. Mas talvez, para além desse aspecto técnico, faltam duas outras prioridades que podem fazer o comércio eletrônico crescer mais rapidamente.

Uma de natureza filosófica não prioriza, nas lojas virtuais, as inúmeras possibilidades de fazer com que a experiência de compra seja sensorial. O que interessa é levar o comprador para o caixa.

Outra prioridade é o gosto. O bom gosto. O mau gosto estético parece ser uma diretriz na grande maioria das lojas virtuais.

Na Medina de Fès, no Marrocos, as lojas se atropelam umas as outras, ofertando praticamente a mesma mercadoria. O que faz uma pessoa comprar as babuchas de seus sonhos em uma loja em detrimento da outra não é o preço ou o tamanho da fila no caixa. É a experiência de entrar numa caverna de Ali-baba, tomar um chá de hortelã com o dono e ser assaltado por uma profusão pornográfica de estímulos sensoriais. Você queria babuchas e acabou comprando tapetes, copos de vidro, móveis marchetados, lustres coloridos e aquele indispensável suporte de tenda berbere.

Não importa a idade que você tenha, somos de outra época

O pai de um amigo, sujeito muito respeitável, gastava 15 minutos engraxando seus sapatos italianos todos os dias. Ele achava essa tarefa muito degradante para uma de suas empregadas domésticas.

A filha de Lord Grantham casou com o motorista. O pai aceitou mas continua tratando o genro como se fosse seu empregado.

Uma babá muito competente trabalha para uma glamorosa editora de moda. Seu facebook tem as mesmas referências que a patroa.

No filme Grande Illusion de Jean Renoir, Erich von Stroheim interpreta um nobre oficial que dirige o campo em que está preso um também oficial nobre francês. O filme é de 1937 e se passa durante a primeira guerra mundial. O comandante do campo trata os franceses com decoro ético admirável mas diz ao seu preso de sangue azul: “nós somos os últimos sobreviventes de uma polidez moribunda”.

O mundo muda todos os dias há milhões de anos mas existem momentos, marcos, grandes inflexões. São os pulsos que marcam o espírito do tempo.

A relação que sempre tivemos com nossos empregados, desde a Casa Grande e a Senzala, é uma bagunça que mistura trabalho com afeto. Essa é a primeira constatação. A segunda é que o empregado doméstico ou, por extensão, o empregado “subqualificado”, não gera lucro para o patrão. Por isso, por conta da promiscuidade da relação – família? empregado? – e porque não se pode propriamente falar em exploração de mão de obra – na acepção da expressão marxista – convivemos com duas realidades distintas, no Brasil.

Imaginemos uma empresa supermoderna, agressiva, expansiva, com sistemas de remuneração avançados, numa atividade de ponta. Agora, vamos simular uma situação: no mesmo dia, duas pessoas são demitidas da empresa. O analista formado em boas escolas, ligado nas paradas mais modernas e a copeira carinhosa que todo mundo adora. Dois tipos de comentários vão aparecer na empresa quando a notícia se espalhar: 1) “aquele rapaz, que pena que saiu, mas são coisas da vida” 2) “a Cidinha, não é possível gente, que sacanagem!”

Por que? Porque o país está vivendo simultaneamente em dois regimes: capitalismo e servilismo. Porque vivemos simultaneamente, ainda, numa sociedade racional de um lado e patriarcal de outro.

Mas no dia em que a doméstica se negar a lavar suas cuecas, no dia em que a recepcionista fizer cara feia se tiver que servir café, no dia em que você tiver que desentupir o banheiro, no dia que você tiver que servir café para os clientes, o mundo mudou.

Quando sabemos identificar essas bússolas, quando somos capazes de reconhece-las entre as infinitas mudanças diárias, quando encontramos o primeiro cabelo branco e a primeira ruga de nossa época, é hora de transformar-se ou assumir a caduquice.

Classe média ou remediada?

Quando viajamos para países abundantes é fácil conseguir encaixar-se em alguma classe social por puro empirismo comparativo: “esse aqui é parecido comigo, logo sua classe deve ser a minha”. Ainda há uma sensação nítida de fronteiras delimitadas e abertas entre os diferentes níveis sociais.

A imensa maioria dos brasileiros que viaja para o lado rico do mundo se reconhece na classe média mas quando voltamos para cá, encontramo-nos na classe mais favorecida.

Superficialmente, parece lógico: a definição de classe se dá de forma diferente país a país porque é uma questão de poder de consumo. Rico em Uganda é classe média nos Estados Unidos, pobre nos Estados Unidos é classe média em El Salvador e pobre no Brasil é pobre em qualquer lugar do mundo.

Mas a definição de classe social deveria ser mais complexa e não levar em consideração apenas diferenças de poder de compra.

Para Max Weber, ela se dá em função de 1) oportunidades econômicas 2) status, identidade e orientação cultural 3) poder e capacidade de exercer influência individual ou coletiva sobre as políticas.

E aí complica mas também também explica melhor porque somos da Classe A aqui e seríamos da classe média lá. E não é só uma questão de renda.

Mas é difícil estabelecer políticas de mobilidade social considerando essa abordagem teoricamente mais correta porque status e poder não são quantificáveis. Também é arriscado entender que a vida das pessoas melhora quando elas consomem mais.

Ainda assim, precisamos de um balizador que possa orientar a movimentação ascendente da população.

Em interessante artigo na Quarterly Americas, Luis Felipe López-Calva, economista chefe sobre pobreza do Banco Mundial propõe outro critério. Mais simples, mais intuitivo, mais mensurável também.

Resumidamente, ele demonstra que se considerarmos que a classe pobre da base da pirâmide pode ser definida por status nutricional (tem dificuldade de colocar comida na mesa) o critério que melhor definiria a classe média seria a sua segurança de não voltar a ser da classe mais pobre. Essa vulnerabilidade relativa é que deveria classificar as pessoas da classe média.

Empiricamente é fácil constatar que esse critério é coerente. Quem pertence à classe média num país rico sabe que dificilmente passará fome, mesmo que suas condições se deteriorem, porque possui uma segurança educacional, cultural, de relacionamentos, de crédito, de patrimônio, etc. que lhe dão estabilidade e segurança. Mesmo que o país entre em recessão, mesmo que haja uma guerra ou catástrofe natural.

Se esse critério parece inteligente, também coloca suspeitas sobre o discurso ufanista da recente explosão da classe média no Brasil. O que vem acontecendo no país é sim o crescimento do poder aquisitivo. Mais ter mais consumo não significa ter mais classe média porque não existe estabilidade. É tudo muito recente, é verdade, mas mesmo assim, as políticas públicas e privadas não são dirigidas para dar segurança às pessoas que emergiram quase que acidentalmente da pobreza.

Dona Maria do Socorro, mãe solteira, tem renda familiar de R$ 1.800,00 e 3 filhos. Seus filhos estão empregados e ganham o salário mínimo mas pararam de estudar. “fico insistindo para eles voltarem para a faculdade, estudarem, mas eles me dizem que não precisam de mais estudo porque afinal estão empregados”. Esse é o drama do pleno emprego e principalmente da inversão de valores que vem se operando no país concomitantemente com seu suposto bom momento. Não há mais correlação entre estudo e sucesso profissional – os exemplos são óbvios: de jogador de futebol a presidente da república – e existe apenas um valor de vida: a capacidade de consumir mais. Basta assistir a qualquer novela, conversar com qualquer pessoa, passear em qualquer shopping center para constatar essas mudanças de paradigma na sociedade brasileira.

Mas é evidente que o pleno emprego é um fenômeno temporário, uma bolha. Amanhã, precisaremos (na verdade hoje, agora e imediatamente) de pessoas mais qualificadas e instruídas. E nem precisa ter tremedeira econômica no mundo. É uma questão de lógica: a população aumenta mais do que a capacidade do país de prover infraestrutura para uma vida saudável, pacífica, segura.

É também óbvio que essa exacerbação do consumo como bússola de mobilidade social é uma cortina de fumaça e um círculo vicioso. Quanto mais se consome, mais se quer consumir e quanto mais se quer consumir, mais se precisa de dinheiro e quanto mais se precisa de dinheiro, mais a gente se endivida. De novo, é ululante.

Não temos uma classe média no Brasil, ainda. E esse “ainda” depende de não fazer a política da auto-enganação. É assumir que ter uma classe média é uma meta e não um fato. Mas é principalmente revisitar as políticas de consolidação do inegável – e merecido – esforço que o país vem fazendo nos últimos anos. É não achar que as soluções do passado ainda são boas. E como sugere o autor do artigo, criar políticas que consigam dar segurança e estabilidade para a classe remediada (e não média) brasileira.

Mas também fazer a nossa parte e encontrar argumentos que ajudem a Dona Maria do Socorro a fazer seus filhos voltarem a estudar. Fazer a nossa parte e parar de enaltecer uma cultura de massa alienadora.

Nus na frente do espelho

Todos os contatos professionais deveriam ser feito entre pelados em salas espelhadas. Metafórica e pragmaticamente.

As nossas vergonhas escondidas estão na origem de nossos incuráveis complexos. Mas seguimos mascarando-as com sofisticados artifícios: postura, gestual, linguagem, e outros vernizes intelectuais.

Dentre eles, vale deter-se naquilo que podemos chamar charabia técnico. Trata-se dos jargões clássicos ou de circunstância, pseudo-científicos ou antenados, em português, inglês e principalmente portinglês. Quem entende tão estéreo charabia? Poucos, e esse é o segredo: a capacidade mascaradora de um jargão é inversamente proporcional à quantidade de pessoas que o entendem. Ou seja, quanto mais incompreensível, mais ele consegue disfarçar nossa ignorância vergonhosa.

Outro artifício é a transmutação dissimulada dos interesses. Este é ponderosa máscara. Como é vergonhoso admitir os reais interesses, porque podem parecer mesquinhos, as palavras serão vagas, desprovidas de objetividade e banais.

Uma terceira fantasia é a obviedade repetitiva que consiste em repetir máximas simples e fugir de polêmicas como o diabo da cruz. É a política do mínimo denominador comum. Nunca posicione-se, não assuma o risco de suas opiniões para não perder se elas forem vencidas.

Quantas vezes já nos perguntamos “será possível que essa pessoa nunca desarma?” ou “será que ela nunca se enxerga?”

Nus na frente do espelho, não tem perdão, não tem senão. As poses são passageiras e desanuviam-se para projetar a pequeneza ridícula de nossa condição de seres humanos.

Mas quando temos a sorte de interagir com nus que não temem o espelho não precisamos armar-nos de palavras ocas. Esses nudistas são objetivos, diretos, empreendedores, líderes carismáticos. Transparência constrói. Dissimulação enche o saco.

Criativo ou original?

– Que lindo templo Kinley. Quando foi construído?
– Foi Shabdrung.
– No século XVII então?
– Foi Shabdrung.
– Sim, mas Shabdrung é do século XVII, não? Então o templo é do século XVII
– Se você quiser.
– Com esse estado de conservação? Parece novo!
– Mas é novo, quer dizer, foi totalmente devastado por um terremoto recentemente e reconstruído como era originalmente.
– Entendi. É uma cópia?
– Como assim, cópia? Não é uma cópia. É o templo que Shabdrung construíu no século XVII.

Todo produto cultural é datado. A data é que concede autenticidade e verdade. O novo é uma questão de data. O progresso é data. A vida é um diário.

Por isso criativo e original são palavras intercambiáveis, igualmente neutras e genéricas. São uma questão de data: quem criou antes criou; quem criou depois copiou. O primeiro é original, o segundo é cópia. Tudo uma questão de data. É uma questão de data nossa ansiedade cultural: o novo sempre de novo é uma obsessão.

Mas a natureza da criação é atemporal e não pode ser escrava de registros datados. Criar é dar a luz ao que será, sempre, único, a qualquer tempo, em qualquer tempo.

Como o templo que Shabdrung construiu.

Se assim é a criação, raramente criamos de verdade. No fundo, o que buscamos é fazer algo novo, não fazer algo único. Procuramos uma espécie de “originaleza”.

Como fingimos bem!

Não se acredita em criação

Acreditar e crer são coisas diferentes. Acreditar é dar crédito. Acredita-se no comprovado e mensurado. Acredita-se no fenomenológico.

O discurso politico é recheado de numeros. O diagnóstico médico é probabilístico. O casamento é um contrato. O futebol é uma estatística. A performance escolar é um boletim. O valor da obra de arte é um preço. O sonho é uma pensão de aposentadoria. Um objetivo de vida é uma poupança. Uma marca é uma pesquisa quantitativa.

Já crer é outra coisa. Crê-se no imaginado e sonhado. Crê-se no imanifesto. Crer é fé.

Um feliz acaso linguístico coloca criar e crer com o mesmo radical. Criar seria pois um ato de fé. Como crer.

Criar, como crer, não tem comparação nem confrontação. Nenhuma criação é melhor que a outra, assim como nenhuma crença vale mais que outra. Criar não tem comprovação nem mensuração. Criar vem do nada e não das coisas.

A taxa de inflação não deixa o povo mais feliz. A probabilidade de viver não evita a morte. A separação de bens não garante o amor. Uma galeria de troféus não assegura um campeonato. A nota 10 não é condição para o sucesso. Preço de arte é demanda e procura. Aposentadoria é sonho de fim (de vida). Guardar dinheiro serve para construir caros mausoléus.

E o amor a uma marca não se constrói com numeros. Se constrói com fé, coragem e ideia. Com Criação.

O tabu ético da propaganda

A ética é um tabu na propaganda. Parece que trabalhamos em função de uma lógica paralela – a comercial – que urdiu estratagemas muito poderosos para desviar-nos de nossos valores.

Um exemplo caricato: certa vez propôs-se a um cliente de varejo, uma contundente estratégia de merchandising em cultos religiosos. O target estava cercado e a mensagem era contundente. Infalível. Deus, através de seu pastor, recomendava. Quem haveria de resistir?

Nu na frente do espelho, o publicitário sempre recorre a um álibi poderoso que justifica suas escapadas éticas: culpar o cliente e seu apetite descontrolado. Estamos a soldo dos briefings e por isso, somos mocos – ou aéticos.

Há também aqueles que afirmam, sem nenhuma vergonha, que em nome da liberdade de escolha, tudo pode: acredita quem quer, adere quem quer, compra quem quer. Assim seria se a propaganda não mobiliasse uma parte colossal de nossos estímulos sensoriais diariamente. Mas liberdade sem informação é retórica.

E por falar em informação, toda dúvida virá acompanhada de seu protocolar “disclaimer”. É a lei que nos protege, o salvo conduto para a derrapada.

Por que o tabu? Porque somos criativos soltos, odiamos cabrestos e ironizamos o politicamente correto castrador. Algum jumento afirmou que a irresponsabilidade é um fermento generoso. E porque somos peter-pans super nutridos, super remunerados e super celebrados, a gente pode tudo.

Nu na frente do espelho, nu sem artifício nem pose, talvez a gente não se ache imune da responsabilidade de mentir, omitir, fazer que não é com a gente.

Talvez não seja só com a gente. Mas não custa tentar posar de ingênuo ao invés de irresponsável. E da próxima vez que alguma coisa arranhar nossos valores adormecidos atrás de tanta vaidade, vamos posar de loiras ingênuas e perguntar “está certo isso?” ou “será que não tem outro jeito?”

Propaganda: emocionar para pensar o mínimo possível

Fascinante o artigo final de José Porto sobre o último PicNic no Meio & Mensagem de 21/09/2012. Vale a leitura. Uma lufada otimista, entusiasta e simples: “Open Data, Open Government, Open Brands, Open Design, Open Source, Open everything!” Todos os pensamentos modernos convergem para o fim da exploração das pessoas – colaboradores e consumidores – baseada no misticismo das fórmulas de acumulação de riqueza.

Mas…

O capitalismo (primitivo), as corporações (primitivas), as marcas (primitivas), os departamentos de marketing (primitivos) ainda protegem seu presumido conhecimento, através de patentes, fórmulas, informações de mercado, metodologias, lavagens cerebrais, chantagens obscuras com colaboradores e toda sorte de perniciosos meandros legais, lobbies e outras caixinhas de malvadezas. A política (primitiva), idem.

Em tempos de propaganda eleitoral no Brasil, é impossível não traçar um paralelo desesperador entre as técnicas de conquista de voto e as de conquista da lealdade dos consumidores. É impossível não perceber que muito conhecemos essas técnicas, que as aplicamos sem dor todos os dias, sem sequer levantar sobrancelhas de incômodo ético. O pacto publicitário é de passividade infantil: “até tentei dizer para o cliente que filtrar a crítica, moderar a opinião, ocultar a informação, direcionar a resposta e levantar cortinas de fumaça era um risco, mas ele não quer nem saber”.

É a crença no ocultismo de curto prazo que consiste em mascarar soluções duráveis ou definitivas com pequenas artimanhas criativas. Bananas aos macacos – os consumidores – para disfarçar uma bomba relógio.

É a velha técnica do marketing político em ação no marketing comercial: investir na emoção para conquistar pessoas – eleitores e consumidores – é extirpar a razão da escolha. Pessoas apaixonadas não pensam: o voto é uma questão de fé e o consumo, uma questão de impulso. Quem não pensa, se deixa levar.

Pesquisa não ajuda mais a planejar

Não existe boa estratégia sem boa investigação. Mas se a pesquisa é muleta e escudo, ela nunca será um cão guia. Nem nunca foi.

Mas ainda caímos em duas cascas de banana.

A primeira é a crença de que pesquisas podem antecipar o futuro baseando-se em tendências e puxando o pontilhado ao sabor da ambição, da fé ou do bônus. Uma olhadinha no público atual e pronto, desenhamos a estratégia para atingi-lo. Agradar quem já agradamos é correr atrás do rabo. E a conclusão mais básica sempre será aumentar os esforços e os investimentos. Infelizmente a maioria das estratégias de mídia ainda escorregam aqui. Poderíamos dizer que é conservadorismo mas essa atitude não leva em consideração mudanças exógenas de cenário.

A segunda é quando queremos antecipar a resposta a um estímulo publicitário através de testes de comunicação. Não se trata de negar o teste de desastre. Esse tipo de teste valem tanto quanto vale ler e reler um texto várias vezes antes de publicá-lo. A gente sempre acha um errinho para corrigir. Mas concluir que uma mensagem será capaz de atingir um objetivo é crer no imobilismo do mercado e no atavismo dos consumidores.

Em síntese esses dois tipos de pesquisa, na melhor das hipóteses, confirmam o ponto de partida.

Mas vivemos em um mundo em permanente mutação onde a velocidade das transformações extrapolou em muito a nossa heterodoxia. Os consumidores não obedecem mais a padrões de comportamento previsíveis. Eles sequer podem ser mais tipificados de maneira segura. Seus valores são voláteis. Seus desejos mudam ao sabor dos estímulos de antigamente – as mídias – mas também ao sabor de um post numa rede social. O mercado também ficou intricado e acelerado. Uma marca não consegue mais definir com clareza quem são seus concorrentes e muito menos quem serão eles amanhã. Porque eles podem surgir do mais improvável. Produtos com a mesma utilidade não concorrem mais entre si apenas. São as marcas que concorrem e não importam que produto elas representam. E o tempo, o tempo é o nó górdio a ser desatado todos os dias, a todo momento.

Vivemos em um mundo em que não dá mais para esperar e o tempo de planejar, avaliar, testar, escorre numa ampulheta de desafios e cobranças. O que ontem parecia prudente tornou-se arriscado. Talvez seja arriscado não pular do trem antes da estação, porque ele talvez não pare onde deveria. Arriscado demais desenhar um plano de voo em cima de pesquisa.

É o tempo da experimentação, da mudança de rota no ar. Isso não significa falta de precaução ou perícia. Ao contrário. Significa que o futuro está se desenhando à nossa frente, na vida prática, na rua e não num relatório de pesquisa. Já temos inúmeras ferramentas para fazer isso com um mínimo de assertividade porque as reações também – dos consumidores e do mercado – podem ser mensuradas rapidamente. Se os cenários estão em metamorfose permanente, temos que “planejar” (entre aspas, é claro, porque a palavra em si perde toda conexão com seu significado clássico) on the go. Planejar não é mais recomendação, é prática. Planejar não é mais escrever na pedra, é desenhar na areia. Não é posicionar, é mudar. Planejar não é mais saber, é intuir.

A, B ou C: gente ou contingente?

Numa recente exposição de arte, um homem e seu filho, trajando camisetas de um time de futebol e visivelmente pouco à vontade com o ambiente, foram abordados por um jornalista.

– O Senhor está gostando da exposição?
– Muito.
– O Senhor costuma frequentar esse tipo de lugar?
– É a primeira vez. Mas gosto muito.
– Pretende voltar?
– Claro.

E apontando o filho com orgulho e autoridade:

– Estou investindo nele.

Da comida para a cultura, da casa própria para a educação, da saúde para a informação, a fome do brasileiro mudou.

Com indiferença estatística e frieza matemática, chamam-nos de emergentes ou dão lhes siglas. Herança de um tempo em que populações eram contingentes, pessoas eram consumidores e só interessavam números superlativos. Minorias ou indivíduos não participavam da cidadania nem do mercado.

Naquele tempo, pessoas que votavam em massa acéfala e que compravam por impulso idem, eram uma estatística, um número. Número vultuoso mas impermeável ao desejo de compreensão.

Isso era ontem e ainda permanece, hoje, em muitas pesquisas eleitorais ou mercadológica.

É chegado o tempo de cessar, aposentar, esquecer esse tipo de classificação. Parar de ver votos e bolsos ao invés de pessoas.

É chegado o tempo de construir outro tipo de lógica, trans-social, trans-financeira. Podemos – e devemos – organizar nossos alvos (outra palavra odiosa) em função de seus valores e aspirações.

Se o Senhor da exposição da Tarsila do Amaral for analisado pelo bolso ou voto, sabemos que pertence a uma massa de X% da população brasileira.

De que nos serve esse número além de reforçar um preconceito insidioso?

Não seria mais inteligente e útil saber, todas os bolsos e votos confundidos, quantos brasileiros têm os mesmos gostos, os mesmos sonhos, as mesmas fomes?

Hoighty-toighty

Um hoighty-toighty faz xixi com o dedinho levantado e pose para tudo que reflete.

Um hoighty-toighty só perde a finesse por opção, é chulo por esporte e ignorante por desprendimento.

Um hoighty-toighty peida patchouli.

Mas todo hoighty-toighty tem seu contrário complementar: uma raça de puxa-sacos que, por invalidez intelectual, suga seus dotes transcendentes e mendiga elogios.

Todo hoighty-toighty depende de uma horda de cretino inútil que lhe seva a grandeza mística.

E assim os dois viajam, orbitando-se mutuamente.

Com uma diferença: o hoighty-toighty está por cima, feliz da vida. Já o parasita, nunca sai de baixo, reclamando, sempre pelas costas para compensar sua miséria.

A síndrome do Nike Fuel

Existem algumas palavras ungidas de superpoderes: inovação é uma delas. Todo mundo quer ser inovador. Todas as empresas têm programas de inovação. Todas as campanhas, os argumentos, as apresentações, os penteados, trajes e trejeitos devem ser inovadores. Ninguém será crucificado por ser inovador. Pelo contrário.

O processo segue mais ou menos o seguinte fluxo.

– Briefing: cabeludo ou banal, dá no mesmo. O cliente quer uma solução de comunicação, tá legal?
– Primeira tentativa: vai de prima, mano.
– Não colou. Tenta mais.
– Segunda tentativa: muda um pelinho na prima-ideia. Estica daqui, remenda dali.
– Não colou. Pensa um pouco, vai.
– Não seja tão racional. Criar é irracional. Boçal. Bestial. Animal! Mais uma tentativa.
– Não colou. Mais uma, vai!

Lá pras tantas, a musa dá o ar da graça e a luz.

– O problema é o produto, pô. Ou o preço. Ou o marketing, o acionista, o sistema capitalista, o consumidor estúpido das pesquisas.
– Sei.
– Andei pensando.
– Opa. Animal!
– E acho que precisamos inovar.
– Ah, inovar, claro!
– Vamos criar um produto que é um aplicativo que é uma ativação que é um troço foda, que tipo assim, vai resolver.
– Titanium, animal?
– Titanium animal!
– E o filme?
– Filme? Quem quer saber de filme? Por isso que eu digo, vocês só pensam em filme de televisão. Depois desse troço foda, o filme é bico. Retrógrado!

Inovar é uma desculpada esfarrapada para desorientar e distrair a audiência. Um santo álibi para a incompetência ou preguiça.

Envelopar museu não é cultura

Certa feita, o maestro Eleazar de Carvalho, douto apaixonado, louco vacinado e romântico lúcido, procurava subsídios para uma tournée.

Na reunião de apresentação do projeto, o solícito diretor do possível patrocinador disse ao maestro que infelizmente, naquele momento, a marca não precisava de propaganda. Naquele tempo, storytelling transmídia ativaction by design social engagment da sustentabilidade da concha de su madre também era propaganda, sem viadagem.

Por obra da divina providência, naquele instante, os sinos de uma igreja próxima, dobraram.

– Está ouvindo, Senhor?
– Os sinos, Maestro?
– Sim, os sinos. Já fazem mais de dois mil anos. E se não tocam, ninguém vai à igreja. A Coca-Cola não precisa de propaganda?

Às vezes, esquecemos que é mais simples a vida: as marcas, as agências e as metralhadoras que todos os dias idealizam envelopar com projeção 3D em som surround tal patrimônio histórico para dar mídia espontânea, gerar conteúdo engajador e fazer o mundo entrar em transe hipnótico.

Às vezes, esquecemos que relevância cultural não tem target, idade, classe, arquétipo e gavetas lacradas que tais.

Às vezes, esquecemos que os rótulos atrofiam a criação.

Galera pulando de alegria, celebridades alugando sorrisos hipócritas e merchandising no domingão paga um belo mausoléu. Se tudo correr bem, serás o mais rico do cemitério. Miserere nobis.