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Separar verbas on e off é uma questão de sanidade profissional

O grande dilema do profissional de comunicação hoje é fazer malabares entre contextos de mídia tradicionais cuja eficiência escapole pelos dedos e alternativas que não conseguiram ainda oferecer formatos suficientemente relevantes para apaixonar os públicos.

Outra forma de ver o paradoxo é que a compra de audiência, fórmula clássica de investimentos publicitários, é cara embora certeira. Já a compra de envolvimento, fórmula nova, é barata embora incerta.

Ainda podemos expor o problema da seguinte forma: a compra de mídia tradicionais é eficiente no curto prazo mas não garante resultados a termo. Já construir plataformas de comunicação nas mídias digitais pode ser caro na largada (ou mais difícil de justificar), mas é uma promessa no médio prazo porque essa é a lógica das mídias sociais.

As mídias ditas passivas engessam a liberdade de experimentação e assim travam a evolução das novas.

Não existe, no entanto, fórmula pronta para desatar o nó paralisante entre essas duas tensões, porque sim, o dinheiro e a energia são os mesmos.

Só há portanto uma recomendação que advém do bom senso. Por mais que seja correto defender que a integração dos esforços é necessária e que o potencial da conexão entre as duas formas de alcançar os consumidores (via audiência e via engajamento) é exponencial, bloquear os vasos comunicantes das verbas ainda parece ser uma boa.

Não é miopia separar verbas “off-line” de verbas “on-line”, é estratégico. Em nome do futuro, da liberdade e da sanidade profissionais de todos. Caso contrário, corre-se o risco clássico de puxar o cobertor, cobrir o futebol da Globo, e descobrir os dedinhos sonhadores.

Planejamento ketchup

Depois de horas de blablablá estonteante, messiânico, apaixonado, o cara vira pra você e diz “só me fala uma coisa: o que é que eu tenho que dizer afinal?” É então que você recomeça tudo do início, modulando as palavras, variando os argumentos, revirando os olhos, caprichando nos trejeitos e o cara fala: “não entendi nada. O que é pra fazer?”

Este é o calvário de todo cristo autoproclamado. É a via crucis dos arautos do caminho da redenção. É a penitência dos avatares iluminados, planejadores em seus faróis de sabedoria.

Chegamos a um grau de metafísica em que o planejamento é mais lisérgico do que a criação, mais onanista do que o mais baseado dos diretores de arte.

Chegamos a um grau alienação em que o planejamento, do alto da sua estratosfera intelectual, aterrissa em conceitos de auto-ajuda passe-partout. Ideias repetitivas, que valem pra todas as marcas, todos os públicos, todos os contextos.

Quem discordaria de que o “amor é lindo”, “a vida vale a pena se for vivida”, “você pode se quiser”, “coisas incríveis podem acontecer com pessoas comuns”?

Afinal de contas, quem liga para o coitado que vai ter que colocar essa punheta num filme, num anúncio, numa ativação, numa embalagem, num post do facebook?

Talvez por isso, nego só pensa em criar conteúdos longa metragem hiper produzidos transmídia storyteller engaging co-created com o James Cameron. Pudera.

Há um George Bush atrás de cada marca global

Marcas globais têm usado dois tipos de estratégias para conquistar o coração dos brasileiros.

Apesar do perigo da generalização, pode-se arriscar dizer que a primeira consiste na soberba de aterrissar posicionamentos universalistas e a segunda na técnica de conquistar reputação à toque de argumentos vulgares e varejistas. A primeira passa pelo raciocínio do mínimo denominador comum, a segunda pelo do uso massivo da mídia (burra).

A segunda técnica parece ser uma resposta grosseira ao fracasso anunciado da primeira. É também um refugo evidente dos malabarismos intelectuais suscitados para chegar nela. Ainda que o consumidor possa aderir aos apelos – afinal de contas o Brasil é um país de mortos de fome com duas patacas no bolso – ele esnoba magistralmente as marcas.

Mas se tomarmos uma certa distância lúcida e irônica do fenômeno que polui o cenário da mídia publicitária brasileira e se assumirmos o papel de etnólogos diligentes e críticos, as empresas atestam um comportamento colonialista surrado: “já que só concebo o outro a partir de minhas próprias referências culturais, ele deve aceitar (e dobrar-se) à minha superioridade. Caso contrário, o massacre pela força é inevitável”.

Em última instância, reproduzimos no microcosmo da propaganda, o macrocosmo geopolítico que sabemos tão bem criticar. Sabemos nos revoltar contra a invasão estrangeira de países soberanos, contra o imperialismo injusto, cego, ganancioso. Sabemos nos rebelar contra os noticiários, mas aceitamos (e colaboramos) com o obscurantismo do break comercial.

Não aprendemos, com Eward Said que “O homem que acha sua pátria agradável não passa de um jovem principiante; aquele para quem todo solo é como o seu próprio já está forte; mas só é perfeito aquele para quem o mundo inteiro é como um país estrangeiro”.

Faz aí, jaz aí

O faz aí é uma nova tendência do mercado de comunicação.

Funciona mais ou menos assim: a gente chama um moderador aí (mas pode ser de casa mesmo), contrata um grupo aí (mas pode ser uns amigos), faz uma dinâmica aí (mas pode ser uma cerveja no bar), faz um relatório aí (mas pode ser um storytelling), uma reunião aí (mas pode ser um workshop), faz um posicionamento aí (mas pode ser uma plataforma de conteúdo), faz uma campanha aí (mas pode ser uma estratégia multiplataforma), faz aí, faz aí, faz aí.

Faz aí, tudo online, co-created, nas owned-media e earned-media.

Faz aí um departamento de marketing, faz aí uma agência de propaganda, faz aí um facebook bombado.

Faz uns fantasma aí, faz aí uns copy-paste no relatório do instituto, faz aí uns video-case, faz aí umas mídia esponânea, faz aí.

Faz aí, com muita palavra bonita surrupiada da última leitura de ponte aérea, da última palestra turística, do último best seller que seus amigos das redes sociais cacarejaram como último grito da modernidade.

Jaz aí a crença na boa comunicação.

A infantilização do mercado de comunicação

Para que serve uma agência de comunicação para além da retórica e do fácil gorjeio para cliente deleitar-se?

A confiança na independência é a lógica fundadora e muitas vezes esquecida pelos dois lados do balcão, veículos e anunciantes.

Na teoria, a relação entre uma empresa anunciante e uma veículo de comunicação se basta. De um lado quer-se atingir pessoas passíveis de consumir um produto, do outro quer-se financiar a produção de conteúdo que pessoas passíveis de consumir um produto querem.

Não precisa-se – nem precisava-se – de ninguém no meio do caminho, basta o anunciante pagar pelo espaço que irá ocupar no espaço vendido pelo veículo e preenche-lo com conteúdo sobre sua marca/produto/serviço.

No entanto, para que a relação seja justa, o veículo deve convencer que é capaz de atingir aqueles que interessam ao anunciante. Para que a relação seja eficiente, o anunciante também deve fornecer conteúdo que interessa ao público. Se o convencimento não for honesto e o conteúdo de má qualidade, a prova frustra a ambos.

A história da propaganda começou mais ou menos assim: o veículo convencia o anunciante com dados e o anunciante convencia o veículo com conteúdos. E no meio do caminho, pouco ligava-se para quem consumia – os conteúdos e os produtos – mais conhecido como consumidor. Até porque o veículo tinha todo interesse em comprovar que encontrava os consumidores e o anunciante todo interesse em comprovar que seu conteúdo era correto. Veículo fornecendo pesquisa, anunciante criando conteúdo, ambos sobre si.

Ninguém é inocente no mundo e ainda que fosse, o espelho só devolve imagens processadas pelo cérebro. Ou seja, todo espelho é mentiroso, consciente ou inconscientemente. Como confiar nas verdades do veículo? Como acreditar nas do anunciante?

Foi assim que nasceram as agências: para ser o meio do caminho entre as verdades de ambos os lados do balcão, com o cidadão consumidor como juiz. Para ser o auditor dos dados do veículo, para ser o criador dos conteúdos dos clientes.

A confiança na independência do intermediário, a agência, é o que garante (garantia) que a relação do anunciante com o veículo seja proveitosa.

Foi sobre essa lógica cristalina que as agências especializaram-se no consumidor, tanto do lado científico das informações, quanto do lado criativo dos conteúdos.

Mas muitas décadas depois, ainda existem anunciantes e veículos que se arriscam perigosamente para reestabelecer uma pré-histórica relação. Anunciantes tentando criar seus próprios conteúdos, veículos tentando justificar seus próprios públicos. Esse pensamento jurássico proporciona a infantilização dos recursos humanos fazendo malabares com verbas colossais, a frustração das especializações e, in-extremis, a desestabilização de uma trinca que se justificou na prática, fazendo o sucesso comercial das marcas, das mídias e das agências.

Quem leva a melhor?

Por motivos que pertencem aos insondáveis labirintos escuros da mente, competimos uns com os outros para aplacar uma insaciável carência de afeto e atenção. Para justificar esse embate de egos, inventamos talentos e habilidades particulares e diferenciadores. É mais ou menos por isso – e talvez por outros álibis menos nobres – que nas agências de comunicação existem macacos trabalhando em galhos diferentes, em volta de um tronco.

Se a metáfora está correta, existem árvores na floresta com galhos mais desenvolvidos e valorizados do que outros. Criação portentosa e planejamento mirrado. Planejamento super-irrigado e criação raquítica. Por exemplo.

Maçãs não ligam para o tamanho do galho. Quem acha que a maçã de um galho musculoso é melhor do que que aquela de um fiapo, desconhece tudo da botânica publicitária. Maçãs-comunicação se desenvolvem a partir do concurso equilibrado e harmônico da árvore toda, da raiz abissal à mais débil das folhas. Bonsais, mesmo lindos, caros e raros produzem frutas insípidas.

O mercado brasileiro – quiçá global – é uma dessas esdrúxulas florestas de anomalias.

O cliente faz a colheita nessa selva artificial. Aqui ele prefere o planejamento, ali a criação, acolá a mídia, e outras bizarrices circunstanciais. E come maçãs belas mas ocas, feias mas rechonchudas, saborosas mas feias e ocas.

E mesmo assim, competimos. E por isso ouvimos que o cliente gostou do planejamento mas não comprou a criação. Adorou a criação mas roncou no planejamento. Curtiu o planejamento e a criação mas a mídia era banal. Ou aquele que detestou tudo mas contratou por causa da estratégia de mídias sociais. Ou ainda aquele que tudo amou mas refutou porque não curtiu o wobler de gôndola.

Parabéns, vamos nos dar os parabéns

Parabéns, você conseguiu entregar os briefings no prazo. Parabéns. Parabéns, as reuniões foram bem sucedidas. Parabéns, deu para testar tudo a tempo de entrar no planejamento do ano. Parabéns que deu para preencher todos os itens da última previsão. Parabéns que tinha o que dizer para cada uma dos objetivos. Parabéns que deu para apresentar tudo para seu chefe, os chefes do seu chefe, os chefes dos seus chefes e ainda os chefes deles, por call. Parabéns que você foi bem na reunião de review na matriz. Parabéns que deu para motivar e engajar os revendedores, os funcionários, que eles riram e aplaudiram. Parabéns que a grana deu e ainda parabéns porque você conseguiu economizar sem parecer pobre ou pão duro. Parabéns que você sempre fez cara de exigente, de inteligente e muito parabéns porque todo mundo acreditou que você é um grande parceiro, amigo compreensivo e profissional acima de tudo. Parabéns porque ninguém percebeu que você arranjou alguns números, parabéns porque você atendeu as metas, fez a pesquisa que precisava, enfatizou o slide que as comprovava e passou batido naquele que as contradizia.

Parabéns, você conseguiu atender aos briefings. Parabéns, conseguiu aprovar com os chefes, da criação, do planejamento, da mídia e até do atendimento. Parabéns porque, depois de idas e vindas, madrugadas e fins de semana, todo mundo acha mesmo que você se dedica muito. Parabéns porque ninguém percebeu que você se inspirou aqui, se apoiou ali, maquiou acolá. Parabéns, porque em todas as reuniões, ninguém viu sua cara de sono ou de ressaca. Parabéns porque você conseguiu encaixar, nas mesmas madrugadas e fins de semana, aqueles jobs que vão fazer você brilhar nos festivais. Parabéns. Parabéns que todo mundo te acha engraçado, inteligente e irônico. Até o cliente. Parabéns pelos apelidos que você criou. Pelas piadas que você vomitou. Parabéns porque você arrancou umas duas propostas no ano por causa daquela madrugada e fim de semana que você surrupiou no briefing do cliente praquele jobezinho que te fez brilhar nos festivais. Parabéns porque você é o primeiro a ter aquele mini-cooper novo, o primeiro a ter aquele rolex novo. Parabéns porque você fez um rinque de boxe na sala de sua casa, um canto japonês no seu terraço e um estúdio de gravação na casa da praia. Parabéns.

Parabéns.

Ainda bem que a gente lembra de tudo isso. Senão, capaz da gente achar nossas campanhas bem fraquinhas.

Criação e planejamento, a gangorra

Há quatro diferentes maneiras de fazer planejamento de comunicação em uma agência.

A primeira é quando planejar significa exatamente planejar, ou seja, concatenar ações, mensagens e estratégias no tempo. Esse “tempos e movimentos” é uma administração crucial mas deixou a área de planejamento para incorporar-se nas disciplinas de atendimento. Não é planejamento, pelo menos como se define hoje a área, mas gerência de projeto.

A segunda forma de planejar nasceu nos luais psicanalíticos e ripongas. Defendida pela turma das ciências sociais, por inflamadas tietes de Lacan ou Lair Ribeiro (dependendo do pedigree acadêmico), esse é o planejamento pesquiseiro e enfezado, que se vê, projeta e faz amor com arquétipos. Numa agência de comunicação, essa turma faz o que chamamos de retroplanejamento: “chama a bigoduda para provar que minha ideia é incrível”.

A terceira prática foi sevada na opressão tirânica da Criação das agências. Um ódio selvagem e reprimido contra as musas que iluminam infantilizados criativos formou planejadores intelectuais, super-hipertendência, que dissertam sobre Bocuse e Marcuse com a mesma flatulência. Em uma agência de comunicação, esse pessoal moderno faz o protoplanejamento: “manda aqueles moleques mimados da criação executarem nosso power-point”.

Finalmente, a quarta maneira de planejar, como reação à segunda – subserviente – e à terceira – pretensiosa, é o antiplanejamento. Esses planejadores são híbridos assumidos, camaleões com talento para as artes circenses. Escorrega-se aqui pelas práticas, de acordo com as circunstâncias, os objetivos e as plateias. O planejamento de comunicação é aqui retro ou proto, abre-alas ou anunciação, pedestal ou redenção, alavanca e contra-peso, depende. Depende da ideia, depende da necessidade.

Esse é o planejamento que não acredita na tabuada das pesquisas, nem no blablablá metafísico. O planejamento dos bastidores assumidos, que existe para que brilhe o que deve brilhar. Nem dados, nem teorias, nem metodologias, nem egos, mas a comunicação que vai pra rua, que vai ser vista, curtida, lembrada, que influencia, cria desejo e prazer.

A inspiração não nasce da reação de fórmulas previamente experimentadas. Ela tem sua dose incidental e mágica. Por isso é refratária ao método quando ele se impõe dogmaticamente.

Criar e planejar parecem práticas inconciliáveis a menos que ambas sirvam de alacanca uma para a outra, qual uma gangorra equilibrada e divertida.

Curtir propaganda é clicar no botão curtir?

Talvez devessemos mudar as nomenclaturas do enorme saco de gatos daquilo que chamamos de comunicação. Isso evitaria uma série de mal-entendidos e expectativas nos briefings que parimos diariamente.

Já não é de ontem que o mantra universal para qualificar a boa comunicação é avaliar o potencial que seus conteúdos têm para emocionar receptores (ou consumidores ou seres humanos, pessoas, gente, comedores, dorminhocos, cagadores, amantes, mámiferos bípedes dotados de cérebro avantajado). Sem medo de errar, esse se tornou também o grande balizador de qualquer iniciativa para uma marca. Estratégias vencedoras devem emocionar, mas existem também todas as muitas outras, que, quando muito, informam.

A partir desse critério, portanto, encontramos dois formatos: o formato cuja vocação é tocar o consumidor no coração (emoção), o outro que deve atingir sua cabeça (razão). Sabe-se que o primeiro, quando bem executado, tem um poder soberano sobre o segundo porque o coração age mais rápido e de forma incontrolável. Já o segundo é escravo da comparação, portanto mais frágil.

Vale o adendo aqui de que os dois formatos são excludentes. Qualquer tentativa de despertar um ou outro dos sistemas (emocional e racional) elimina qualquer possibilidade de atuação do segundo. A confusão é comum e muitos acreditam ser possível emocionar e racionalizar simultaneamente.

Dando crédito de confiança à tese do tiro bilateral (emoção e razão), devemos portanto começar priorizando e, assim, todo e qualquer briefing deveria começar definindo, sem qualquer julgamento de valor, a sua prioritária vocação: emocionar ou informar?

Se o objetivo é emocionar, deve-se evidentemente dar livre curso à imaginação baseando-se em evidências ou descobertas motivadoras. O insumo criativo aqui são os pulsos, comportamentos, valores, aspirações, sonhos, frustrações ou recalques. Aqui não estamos falando com consumidores mas pessoas. Aqui o que importa são as  “Multiple Mind Motivations” e os “Points to Feel”.

Já se o objetivo é informar, o trabalho consiste em levantar os atributos concretos, funcionais, pragmáticos, operacionais daquilo que pretendemos comunicar. O insumo criativo é criar uma ordem, um foco, uma escolha em cada uma das informações colhidas em função das necessidades e das expectativas, corretamente alinhadas com as razões para crer na entrega. Aqui estamos com consumidores e não pessoas. Aqui o que importa é a “Single Mind Proposition” e o “Reason to Believe”.

O segundo passo portanto de um briefing deve ser definir, dependendo da primeira escolha (emocionar ou informar), qual é o Multiple Mind Motivations e o Points to Feel, em um caso, e o Single Mind Proposition e o Reason to Believe, no outro.

Isso seria relativamente simples se não tivesse surgido a Internet para bagunçar o trabalho. A Internet extrapola em vários sentidos o que nos acostumamos por décadas a chamar de mídia. E um dos erros clássicos incorre em chamar a Internet de mídia. Ela é mídia, inclusive, mas é também serviço: meio de comunicação interpessoal (como o telefone), espaço de entretenimento (como os games) e de negócios (como as feiras e shoppings), é plataforma de transação (como bancos, correios, serviços públicos) e por aí vai.

Para resolver a definição do que seria comunicação em uma era pós-Internet, decidiu-se pela solução mágica e imprecisa de substituir “comuicação” por “conteúdo”. E assim, tudo seria conteúdo (o emocional e o racional e esse monte de outras coisas que a Internet permite).

Mas essa é uma solução gauche ou na melhor das hipóteses que redefine para além do prático o papel das agências (ex-agências de propaganda, ex-agências de comunicação e agora agências de conteúdo).

Existe no entanto uma forma mais simples de resolver o nó  do briefing, contemplando agora o maremoto vago e polivalente das possibilidades nascidas pela Internet (ou digital pra ser mais genérico ainda).

Como vimos, o briefing deveria dizer se o trabalho deve priopritariamente emocionar ou informar. Pois talvez seja a hora de acrescentar a terceira variável: o trabalho deve prioritariamente emocionar, informar ou servir?

Assim, e inclusive na Internet, é possível definir a “question one” do briefing e, de forma precisa, o papel de cada canal.

Assim também, e de forma clara, não correriamos mais o risco de tentar emocionar numa mala direta, nem informar  em diárias na home do Youtube. Não tentaríamos, como cegos em tiroteio, arrepiar nossos públicos com estratégias de redes sociais ou de search. Isso também nos livraria da batalha das campanhas de preços e features que aterrorizam dispendiosamente os horários nobres da televisão.

Finalmente, poderíamos também julgar o que é boa “comunicação” e não dizer que uma caralhada de likes no Facebook é do caralho.

Quem pensa em dinheiro é pobre

Uma Ferrari custa caro, mas se você usá-la para conduzir celebridades mediante um cachê exclusivo, cobrar couvert artístico dos transeuntes que ficam no sereno vendo a comitiva passar, se você vender com exclusividade a cobertura dos eventos na mídia e comercializar espaços publicitários nos intervalos do show, se você ainda conseguir patrocínios para envelopar o veículo, oferecer kits patrocinados para dar um up na experiência, se você cobrar vaga no estacionamento para glamourisar os restaurantes, hotéis, motéis,  drive-ins e se calhar de uma top model em fim de carreira ressuscitar sua glória passada com atitudes midiaticas a própria Ferrari vai emprestar o bólido para tão brilhante holofote.

Você já viu a isca filosofal “dinheiro não é um problema, se vocês nos apresentarem uma idéia genial”.

Dinheiro é só uma questão de ponto de vista. Nenhum cliente é pobre.

A culpa  sempre foi e sempre será sua, incompetente interesseiro.

Publicitários e profissionais de marketing: vítimas da própria criação

Cada vez que o assunto aqui é pesquisa de comunicação, a curva de audiência alcança os pícaros dos 15 minutos de fama.

E quanto mais radical for a opinião, quanto mais direta, quanto mais destruidora, mais júbilo. O jargão assinado tira da reta o reto de quem cita. Só isso é um sinal.

As pesquisas de comunicação fazem muito mais estrago  nos resultados objetivos das marcas do que na moral dos publicitários e profissionais de marketing, ambos vítimas conformadas da própria criação.

O problema concentra-se na presunção da verdade.

Pesquisas do tipo alegado são contratadas como pitonisas. Prevendo o futuro com o insidioso poder de manipular seus   atores, não passam de catalisadoras de mentiras e interpretações corrompidas.

Primeiro porque não existem verdades quando tratamos de emoções humanas. Não existem verdades em intenções, pulsos, reflexos e sonhos.

Segundo porque, na vida, não há causa e efeito nem determinismo. Consumidores são pessoas, portanto, como nós, vogam ao sabor de seus desejos e à deriva.

Terceiro porque o consentimento social é mais poderoso do que a opinião. A aprovação do grupo altera a verdade íntima, a memória e até as convicções mais sangúineas.

E quarto porque quem lidera, modera, interpreta e decide as pesquisas também é gente, ou seja mente,  divaga e teme  o próximo.

A propaganda é um teatro grostesco em que marionetes cambaleantes fingem a verdade nas mãos de gepetos manipuladores.

A Internet está mídia de massa

A redenção proporcionada pela liberdade de escolha na Internet é uma mascarada. A cavalar maioria das pessoas recorre a uma ferramenta de busca para iniciar qualquer navegação. E outra estúpida maioria passa mais tempo em alguma rede social de sua escolha, do que nossas avós na televisão. A promessa de universalidade permanece potencial, mas se dissipa na prática.

Todas as grandes iniciativas na Internet têm por objetivo a concentração. Afunilando todas as portas de entrada – buscas, videos, mapas, tradutores, redes sociais, canais de compra, etc – se a Internet é anárquica na sua estrutura, é um ambiente fértil para ambições monopolistas.

A livre competição é presunção e a sonhada segmentação das audiências, uma quiméra. Qualquer portal minimamente agressivo, se é vertical no discurso, acalenta secreto desejo de abraçar novos e diversificados focos de interesse.

A Internet comercial é movida em primeira instância pela audiência e a lógica não é muito diferente da velha mídia. Claro que o discurso é outro, que vendem-se outros modernos argumentos, mais pertinentes, mais modernos, mais precisos. Mas nas entranhas inconfessáveis dos grandes atores da Internet, o dogma do “mais” em detrimento do “melhor” permanece inalterado.

Se o ovo ou a galinha, se porque as pessoas não gostam de  escolha ou se porque não lhes é dada escolha, não há, nem houve revolução alguma. A Internet mudou hábitos, não mentalidades. Ainda.

Internet e a arte do veja bem

Nem tudo que vem do “velho novo mundo” (a Internet) é necessariamente novo ou bom ou eficiente.

Mas apresentar uma plataforma digital é mais fácil porque é necessariamente desconhecido ou barato. Então, mesmo que não seja criativo, veja bem, funciona. Mesmo que não funcione, veja bem, engaja. Mesmo que não engaje, veja bem, temos aquele índice que mensura o envolvimento místico da ação potencializado pelo crescendo exponencial da existência contemporânea, lúdica e holística, acachapante. E veja bem, ainda é cedo para concluir. E veja bem, tem aquela meta digital do seu bônus.

É por isso que qualquer estratégia digital deve vir acompanhada de bula e manual de instruções que percorrem os sete portais iniciáticos do Mistério.

Os incrédulos são heréticos, velhos e caretas demônios da velha mídia, agentes malignos do capitalismo capeta.

Criatividade na velha nova mídia tem outros critérios. Crê-se no veja bem acima da lógica, da experiência e da sensibilidade. Uma espécie de transcendencia esperta.

Criatividade é como honestidade, não tem veja bem.

Grude gringo

Você já deve ter ouvido que o Brasil é a bola da vez um milhão de vezes e, embora isso possa ser animador, o  grude gringo preocupa.

Eles estão suspirando no nosso cangote, com olhão de inveja na nossa vitalidade, vampirizando nossa energia e trucando com seus molambos de poder.

Prometem, douram a pílula, distribuem abraços e beijos, e com metralhadoras, distribuem saraivadas de elogios “brasileiro é tão bonzinho, criativo, engraçado, descontraído, carinhoso!”

Tem uns que se arrepiam com o interesse cafajeste: abrem a casa, pousam sexy na Hola e arrepiam-se com a misantropia dessa nata do B.

Mas nosso sangue não é purinho, cambada! Derreter-se nesses bailes de elogios é para debutante.

O que esses guys não sabem é que aprendemos tropeçando, levando rasteira, upa neguinho na estrada.

Nesse momento de transfusão de recursos in-extremis, toda malandragem será perdoada.

 

Talento é pouco

É difícil acreditar que um bom profissional de criação, cheio de referências e festivais na cabeça, possa sentir orgulho de estar em algumas fichas técnicas. Por mais cínico que seja:  “afinal de contas é apenas propaganda”, por mais conformado: “o cliente tem mau gosto”, perdedor: “a pesquisa estragou tudo” ou preconceituoso: “o consumidor é burro”, ainda assim, a grande maioria desses criativos, coeteris paribus, é melhor do que aquilo do que ele coloca na rua.

Talento e inspiração não são fatores de sucesso. O que mais então precisa?

Capacidade de trabalho talvez e a energia para baixar a cabeça, produzir opções, caminhos, pontos de vista conflitantes ou em cadeia. Espremer-se até a última gota de criatividade, esgotar-se até desmaiar exsangüe e em crise: tem alguma coisa nessa pilha? Essa é a técnica da dúvida perpétua.

Aguçar o julgamento também e, com o coração, descartar o que não presta, rápido, sem pena nem arrependimento. Fixar-se num prazo e número: “tenho até amanhã para selecionar 3 ideias”. Essa é a técnica da faxina sem pena.

Finalmente engolir o choro e acreditar messianicamente no talento, na capacidade de trabalho e na força do julgamento. É a fase do guerreiro em transe que não conhece dúvida nem pena. A fase do descarte do processo e da fé no resultado.

Dúvida, julgamento e fé. Mas como é difícil não embaralhar tudo e julgar antes de tentar ou acreditar antes de julgar.

Mais coisas e menos bits

Os que creem no além túmulo, dizem que lá é tudo virtual, nada existe, que tudo não passa de fantasmagoria. Fantasmagorréia, isso sim, porque se além é esse “não me toques” todo, então viver é a celebração da pegação. A diferença entre uma alma penada e uma alma pegada é que uma pena e outra pega.

Mas por que diabos eu quero mais uma prótese virtual? Por que diabos vocês inventam esse monte de virtualidades para falar comigo?

Vocês acham mesmo que a gente não gosta de tocar, cheirar, beijar, abraçar, comer? Que a gente não gosta de ver com os próprios olhos, apalpar com as próprias mãos, lamber com a própria língua, chorar com as próprias lágrimas, sorrir com os próprios dentes? Que desistimos de olhar no olho das pessoas e dizer “te curto irmão”? Que perdemos o prazer de brincar com coisas de verdade, brigar com pessoas de verdade e bolinar pessoas de verdade? Que “de mentira” é melhor, mais bonito e mais barato que “de verdade”?

Então parem, por favor, com tanto desalmamento.

Quero uns óculos gigantes para ler no meu ipad. Quero um mega fone para ouvir meu ipod. Quero uma mega bolsa para carregar meu iphone. E que tudo seja bonito e dure muito mais do que preciso para poder trocar e trocar e trocar. Tá legal, podem ser sustentáveis, recicláveis, descartáveis, mas quero um gato, sapato, acetato e móvel, automóvel, de carne, osso, e alma.

E se quiser falar, comunicar, propagandear, dialogar, engajar, seduzir, apaixonar a minha pessoa pela sua coisa, seja homem, e não um inefável monte de cocô.

Jornalista é chato e publicitário, bobo

Quando já não sabemos mais a fronteira entre conteúdos jornalísticos e publicitários – se é que algum dia houve tal distinção – está cada vez mais difícil identificar a diferença de talentos exigidos pelas respectivas profissões. Porque as duas profissões têm uma relação de sado-masoquísmo ancestral, a conjugação conceitual das duas técnicas e éticas, tem sentido.

Há quem diga que o jornalista dirige e o publicitário é carona. Outros diriam o contrário: que o publicitário é a ama de leite, o jornalista o bebê chorão. Mas se bons jornalistas podem ser bons publicitários e vice versa, a cerca está a cada dia mais fácil de pular porque a amizade entre as empresas de mídia e as agências é colorida.  Ainda mais quando quem paga a conta, o anunciante, rege a discórdia pacífica: “to pagando, pô”.

Há quem diga que o repertório jornalístico é erudito e denso, que o publicitário é popular e superficial. Outros preferem dizer que jornalista é chato e publicitário,  piadista. Mas se bons jornalistas fazem publicitários prolixos e bons publicitários fazem jornalistas preguiçosos, a troca de pontos de vista pode ser boa.

Há quem diga que a imprensa é ranzinza e padece de senilidade precoce. Há quem diga que a publicidade é debilóide e com espinhas incuráveis.

Que papo é esse de integração on-off line?

Parece que a imprensa especializada não vai parar nunca mais de gaguejar “on-line isso” e “off-line aquilo”. É falta de assunto ou gosto pela retórica: afinal de contas, por que será que ainda andam falando tanto de integração de disciplinas? Por que tanta energia é gasta para ensaiar modelos vencedores e apontar do dedo estratégias perdedoras?

Um marciano que resolva estudar a respeito, vai perceber que nos últimos 10 anos, as agências esnobaram, depois integraram, depois apartaram, depois integraram, depois apartaram, depois integraram, depois apartaram e continuam sem saber o que fazer. Se compram, se educam, se fazem parceria, se aculturam, se, se, se.

Essa busca por uma fórmula é vício mais do que virtude e entorpece um pouco a tomada de decisão.

O foco, por si só, já parece um contrasenso pois foco mais parece uma contingência financeira do que um default de largada. Já faz muito tempo que a comunicação deixou de ser passiva. Faz tempo que o ponto de partida de qualquer briefing de comunicação não é mais a verba ou a mídia: “tenho tanto dinheiro, otimize” ou “comprei isso, veicule nisso”. Pelo menos na ambição, não preenchemos espaços comprados. Os canais estão a serviço de um conteúdo e não o contrário.

E essa lógica, portanto, anula o raciocínio do foco na mídia e reestabelece o foco no conteúdo. A mídia forte não atrai, não engaja, não convence, a não ser pela repetição. Já um conteúdo forte atrai, engaja, convence por si só, onde quer que ele esteja disponível.

Que papo é esse de foco? Que papo é esse na integração das disciplinas on-line e off line? Que foco? Que discplinas?

Só existem duas disciplinas em uma agência de comunicação: a daqueles que focam nas mídias e a dos que focam nas pessoas. A primeira é velha, mesmo que on-line. A segunda é nova, mesmo que off-line.

O improviso domesticado

É da natureza de uma agência de comunicação abrigar e atrair talentos com personalidades e gostos distintos. Dessa miscigenação, nasce uma sadia e criativa colisão de pontos de vista. E quanto mais diversos forem os clientes, mais mestiço deve ser o capital humano de uma empresa de comunicação.

Ainda que existam agências com personalidades marcantes e que ainda ditam uma espécie de ética criativa, seu sucesso fica confinado a uma demanda igualmente teimosa. Em um mundo metamórfico, que cultiva a colaboração e celebra a interação, tais posicionamentos são quitoxescos ou caducos.

Mas se é mais contemporâneo, vibrante e criativo conviver com a diversidade, é mais desafiador encontrar um foco convincente, seguro, vendedor. No modelo antigo, era acertar ou errar na mosca (tendendo ao erro reincidente). No novo, o erro é menos frequente, mas os acertos mais diversos. Quanto mais ricos os pontos de vista muito mais difícil ser afirmativo e seguro na recomendação proposta.

E por enquanto só tem um jeito de unir diversidade e assertividade: teatralizando as apresentações. Só tem um jeito de convencer: ensaiando o show.

Corn syrup nas meninges

Tem alguma coisa enferrujada no coração do mundo. E talvez não seja por um leniência sistemica, de natureza econômica, política ou social. Parece-se muito mais com atrofia criativa.

Basta caminhar por um supermercado e percorrer as gôndolas com o olhar afolosado. Não existe nada mais monótono no mundo do que as prateleiras de marcas americanas.

Basta sentar na frente da televisão e acompanhar um break com seus comerciais “problema-solução”. É um deserto saturado de clichês, imagens artificiais, palavras vazias, mensagens amortecidas por toneladas de pesquisas politicamente corretas e covardes.

Basta entrar numa reunião de trabalho e tentar permanecer acordado no teatro morno de teorias rasteiras e referências batidas.

Falta senso de humor, falta imaginação, falta vida e principalmente falta, mas falta muita leveza.

Várias quimeras passam pela cabeça para justificar esse estado de letargia. Uma espécie de mau-gosto endêmico;   uma Texanização da percepção do mundo; um gosto patológico pelo método e seu corolário, a aversão à imaginação; o fascínio pela grana que vem da poupança investida na bolsa e a consequente preguiça criativa.

Quem sabe o xarope de milho tenha empastelado o hemisfério direito do cérebro das grandes marcas americanas.