Primeiro ato: elabora-se um raciocínio encadeado e sem arestas, sustentado por convicções intuitivas e informações contundentes, que resulta em um caminho que parece criativo o suficiente e convincente o bastante para responder a um problema de comunicação cascudo. O planejador esbalda-se.
Segundo ato: explica-se, com minúcias deliciosas, uma história apaixonante, floreada por incontáveis desdobramentos. Com o olhar do evangelizador cheio de compaixão e segurança, recebe-se a aprovação unânime do posicionamento, com humildade. O planejador goza.
Terceiro ato: ouve-se, com a contrição do dever cumprido, uma campanha que parte de uma ideia catada, sabe-se lá em que sórdido meandro autista, desgarrada da augusta inspiração planejada, vulgar, baixa, simplória, genial. O planejador chora.
Quarto ato: recupera-se o brio ferido, lucubram-se argumentações reversas e, estoicamente, ao calar da madrugada, cotovelos inchados e orgulho escapando pelo dedão do pé, põe-se a aparição brilhante no altar. O planejador conforma-se.
Finale: o cliente regozija-se.
Post-scriptum: a campanha vai ao ar por falta de tempo ou para o lixo por excesso.
Post-scriptum 2: sucesso ou volta à página em branco.
Acontece cada vez mais.
Em um universo de mídias mais fragmentadas, acidentais ou sempre novas, com consumidores mais conscientes, menos escravos de seus hábitos e que borboleteiam ao sabor do impulso fugaz, já não se tem mais certeza da construção de marca dogmática: o planejamento está em crise existencial.
Como defender a coerência do discurso de comunicação, construído no tempo e no espaço, paulatino, faseado, “planejado”, se não se tem nem recursos nem ferramental para valer-se da frequência, pedra de toque da comunicação de massa? Se o convencimento pela repetição já não percute com tanta eficiência?
É tão evidente decodificar uma campanha de publicidade que ainda se vale dos cabrestos das metodologias clássicas do planejamento que chega a ser melancólico. Falsidades de fotonovela.
Qual seria, então, nosso papel, se não podemos mais ser guardiões da ortodoxia, se a voga glamorosa do “branding” não passa de um sobressalto defensivo?
Nas nem tão novas mídias, na internet, é em um clique de sorte que se alcança a fama. É seguindo um percurso quase acidental que se cerca o consumidor. É com impacto que se mobiliza a audiência.
Nosso novo exercício é uma espécie de caça ao inesperado, no contrapé das expectativas do cliente e do consumidor. É buscar uma heterodoxia criativa e libertadora. É garimpar aquilo que ninguém espera que aquela marca, categoria ou agência possa fazer. Não devemos renunciar, no entanto, a nenhuma das ferramentas que já conhecemos — às pesquisas — mesmo que com roupagens aparentemente empoeiradas. É lá, no campo e na vida, que iremos garimpar o contrafluxo. Se ainda iremos indagar o gosto e as preferências, é para desacomodá-los e reacomodá-los em caminhos perturbadores. Nossos briefings serão desconfortáveis, mas comprovadamente desconfortáveis. Quem sabe assim libertemo-nos também das nossas bíblias ilustradas, ingênuas e superlativas, quiçá mentirosas.
A virtude da comunicação de massa é hoje seu maior vício.
É pelo fato de o consumidor, consciente ou inconscientemente, ter cansado das setinhas de peregrino que colocávamos em seu caminho, que perdemos sua atenção. A propaganda não é mais uma estrada demarcada, e o planejador deve esforçar-se off-road ou morrer guard rail.
Artigo originalmente publicado no Meio & Mensagem de 28/03/2011