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Kitsch, vintage e sucata

Na feira de antiguidade, a hora do “Esse a vovó tinha!” é quando exultam os diletantes da caçada decorativa, os pescadores de histórias.

É quando confunde-se kitsch com vintage e tudo vira arte. A anágua, o genuflexório, a espivitadeira, a pâte de verre, o psyché, o son of the bitch, os netuskes, os Sèvres, os Wedgwood, e todos os espólios do fausto perdido.

Kitsch é pastiche, colagem vagabunda, desconjuntada, mal acabada, molambubotabundo, é o avesso despenteado.

Vintage é velho, recauchutado, é patina sem história, é desbotamento, é cansaço, poeira e ácaro.

Quando celebramos o lixo, perdemos tempo com o rebotalho da criação humana.

É que o novo dá tanta preguiça!

Tudo bem, a propaganda referencia-se na retaguarda, pega o vácuo da criatividade artística. Sempre foi assim e é bom que o seja. Mas daí a pegar carona na sucata, dá um certo medo.

E propaganda aqui é eufemismo envergonhado para o hip que mobilia os salões cultos do século.

Muita gerência e pouco projeto

A vida é cheia de projetos. O projeto de ficar com corpinho em cima, o projeto de casar, o projeto de viajar, o projeto de ficar rico, o projeto de relaxar com a pressão hedonista, o projeto de divorciar-se, o projeto de ficar mais em casa, o projeto de aproveitar mais a vida, e o projeto de ter menos projetos.

Para tocar tantos projetos, temos que saber administrá-los, gerenciá-los. Planilhas, listinhas, cronogramas, agendas, alarmes e vamos partindo a vida como salame, abusando da nossa capacidade de assoviar e chupar cana ao mesmo tempo.

Além de sermos homens, mulheres, pais, filhos, amantes, amados, caseiros, bohemios, responsáveis, desmiolados, profissionais, cantores, atores, esportistas, antropólogos, astronautas, arqueólogos e publicitários, também temos que ser gerentes de projetos, de tantos projetos.

Gerenciar projetos significa aproveitar o máximo. Ou seja, otimizar recursos. Ou seja, espremer. Até o último caldinho.

Em outras palavras, gerenciar projetos significa acabar com a preguicinha, a piadinha, o pipizinho, a piadinha.

Ainda, gerenciar projeto é perder um tempo enorme gerenciando e um tempo mínimo projetando.

Pesquisa ou a falácia da verdade

Menos impostos significa mais investimento e mais investimento, mais emprego. Depende, porque quem não gosta de imposto é o lucro, não o emprego. Energia limpa é energia renovável, como a água. Depende, pois água depende de floresta e floresta de água. E a floresta não gosta de barragem. A verdade do sistema capitalista é o lucro, a do sistema ambiental o equilíbrio. E a verdade é inimiga mortal da malandragem, do truque, da cortina de fumaça, da falácia.

A propaganda é muitas vezes uma fábrica de falácias poderosíssima que sobrevive à base de agendas pessoais justificadas por pesquisas.

Funciona mais ou menos assim:

Tem-se um problema de marketing. Entra então o arsenal dos falaciosos que gargareja achismos intelectuais que gostam de chamar de criatividade. E a ciência da manipulação mais conhecida como pesquisa comprova os insights mais conhecidos como agendas pessoais. Bingo: o chute vira verdade e a verdade vira briefing.

Mas tudo bem, quando a plataforma,  mais conhecida por campanha, vai para o ar, tem mais pesquisa para comprovar a verdade que se queria.

A verdade é inimiga da vaidade e por isso dói. Mas como disse o economista M Reich, “a verdade não é o meio do caminho entre o certo e o errado”.

E nenhum, nenhum grande posicionamento nasce no meio do caminho.

É o de quem que está na reta?

Existe uma movimentação ao mesmo tempo inquietante e excitante na forma como os clientes das agências de comunicação vêm se movimentando principalmente no que diz respeito ao papel desempenhado pelo marketing.

A percepção superficial do fenômeno dá-nos a desagradável sensação de juniorização das equipes e a apreciação mais comum dá conta de que os clientes não estariam mais fazendo o que deveriam, a saber, municiar suas agências de informações e objetivos claros sobre suas marcas.

Mas a realidade por detrás dessa falsa idéia, é que os clientes tendem a colocar em xeque o papel mesmo de seus fornecedores de comunicação. Passam ainda a superpor-se às tradicionais funções atribuídas às agências. É nesse nem sempre evidente ponto que a relação fica dramática: “afinal de contas, qual é o papel de cada um?”

Existem duas formas de encarar essa tensão.

A primeira é o belo discurso da parceria, que somos um time que se mobiliza em  torno de um único objetivo. O lugar comum é uma falácia muito pouco objetiva. Afinal de contas, parceria significa comungação de interesses comerciais e embora isso possa ser aplicável em alguns casos, não resiste da porta para dentro de ambos os lados da fronteira cliente/agência.

A segunda consiste em resignificar as diferenças. Consiste também em reconhecer os erros, as acomodações, os medos. Em determinado momento, as agências renunciam a suas convicções, intuições e até evidências para adequarem-se aos briefings dos clientes, cada vez mais imperativos. E o acochambro é sinônimo, no tempo, de irrelevância.

Mas existem truques eficientes para fazer a auto-crítica dentro de casa.

– Conhecemos coisas, pessoas, assuntos, pontos de vista, que nossos clientes não conhecem (ou não podem acessar) ou estamos sempre mastigando aquilo que eles já sabem?

– O cliente está confortável com seus recursos? Ele acha que tem todo o dinheiro de que precisa? Ou falta-lhe sempre algo de que ele adoraria dispor para poder executar nossas idéias?

– Finalmente, estamos convictos das nossas propostas? E se fossemos o cliente no lugar do cliente, aprovaríamos? Estamos dispostos a investir na nossa idéia a ponto de demonstrar que o nosso também está na reta?

O Anúncio da Kia, réu duas vezes

Tudo que o homem cria estará voando em nuvens virtuais de instantâneo acesso, mas enquanto estivermos encarcerados em pele, osso e músculos, a matéria será  nossa âncora existencial.

É de péssimo gosto usar o correio e pior ainda uma rede social para enviar um convite de casamento que deve ser impresso com letra caligrafada. Por que milhões se atropelam nos museus se há séculos somos capazes de precisas e fiéis reproduções? Tudo que se escreve estará digitalizado e a leitura dar-se-á em dispositivos apropriados, mas os livros ainda reinarão para as obras dignas de papel e tinta. Obras dignas de materiazar a criação.

Semana passada, cassaram leões de um anúncio de mídia impressa, sim impressa! O anúncio da Kia foi duplamente réu.

Menos importa o coro escandalizado dos puritanos. Já não interessa tal inveja. Culpa velha.

Mais interessante é o choro dos modernos. Nada mais vale e muito menos essa mídia morta que nos sepulta. Agora só é digno de nota, de esforço, de prêmio, o que flutua na rede, o que se integra em múltiplas plataformas, o que desdobra-se, multiplica-se, em incontáveis canais, insondáveis engajamentos, inefáveis resultados. Um anúncio, criado para papel e tinta, em linguagem de HQ, veiculado numa revista que se vende em bancas? Bobageira e cafonice. Moderno sou eu!

Não tem digital integrated, então não presta?

Já tarda o tempo de inverter a lógica: não tem mídia morta, não merece nem um anúnciozinho, um filmezinho na televisão? Talvez a idéia não seja nem tão boa, tão digna, tão nobre, tão merecedora de posar, em papel e tinta, no  anuário de criação.

A lenga-lenga da Internet

Desde que a Internet virou uma coqueluche que saiu do guetto de meia dúzia de pioneiros, a pressão tem sido grande por uma mudança radical nas qualificações de profissionais de agências de comunicação.

Vamos desobstruir o vazadouro para aliviar.

Especialista não existe. Todos, inclusive os desejados “digital natives”, sentem-se como surfista em dia de ressaca: muito desejo e apreensão nutridos diante da imprevisibilidade do ambiente digital. Os pretensos experts encastelam atrás de supostas técnicas de mensuração. A mística é sedutora mas vale-se mais da fé do que da matemática. Ou quando muito e como sempre foi, prevêm o futuro baseados no passado, portanto chutam, com muita técnica, mas chutam. Especialista é quem admite a incerteza.

Por outro lado, é cômico perceber que quanto mais envolvidos são os profissionais com o suposto novo mundo, mais histéricos detratores se tornam do velho. É como se só pudessem construir sobre as cinzas. O contrário também existe, mas está tão – mas tão fora de moda – que nenhum cético ousa posar de bacana. Mas é irônico perceber que o velho tende a comprar o novo com mais competência. E aqueles que muito esbravejam acabam mordendo a língua, lustrando a imaturidade (já caducando, aliás).

Finalmente, “saber fazer” não significa “saber pensar”, assim como “saber pensar” não significa “saber fazer”. Saber projetar e implementar uma plataforma complexa de mídias sociais não significa necessariamente que a ideia seja boa. Assim como ter uma boa ideia não garante sucesso sem viabilidade de execução. Engana-se aquele que justifica uma ideia na execução assim como aquele que sacrifica a ideia para que seja exequível.  Mais parecem defesas recíprocas pois ideia e execução são irmãs xipófagas.

E se ao invés da pressão, a Internet servisse como banho de humildade para ambos os lados da quimérica separação entre on-line e off-line?

A propaganda é compra de indulgências

Qualquer crítica que se faça à propaganda é empunhada instantaneamente como bandeira revoltosa.

Do didatistmo de Chomsky ao código de defesa do consumidor, quanto mais simplificado for o discurso, mais barulhento o ativismo. E quanto mais contundente e próspera a indústria da propaganda for, maior o alvo.

A propaganda que sustenta e patrocina os meios de comunicação seria uma estratégia urdida pelo poder capitalista para embrutecer o povo. A equação é tão cristalina quanto ingênua. O jornal Libération, criado por Sartre, tentou retornar à fórmula clássica da imprensa: não haveria propaganda para não haver rabo preso. Falhou como falham os orgãos de imprensa independentes que, se negam a publicidade privada, mamam no dinheiro público para sobreviver.

A Internet noticiosa é a prova mais cabal da regra que se impõe nas sociedades pós-revolução da informação: tentar cobrar do consumidor pela informação, de forma direta e transparente, é um caminho de tortuosas incertezas que poucos ousam arriscar. Por outro lado, a explosão das fontes e dos meios não garante nem qualidade nem audiência. Continuamos a nos pautar, mesmo nas mídias individuais, blogs e redes sociais, nos meios de comunicação tradicionais financiados pela publicidade.

Mas Chomsky talvez tenha mesmo razão, pois a propaganda além de combustível do sistema dá a cara a tapa com soberba. A propaganda é o bode expiatório preferido da nossa envergonhada adesão ao sistema no qual vivemos.

O novo criativo, das profundezas e superfícies

A grande sorte da “criação” das agências de comunicação é elas terem, de todos as estabelecidas áreas, o melhor nome: Criação. Criar é uma atividade que conjuga a habilidade para expressar-se de forma escrita com aquela para fazê-lo de forma visual. Criar significa também e principalmente, ambas  as linguagens confundidas, aprofundar-se na essência de uma ideia. Pensar o conteúdo para além da forma.

Assim usurpado o sagrado coração da profissão, os impostores desenvolveram proteções ardilosas que empurram as outras “especialidades” numa periferia necessária mas acessória.

Sem querer entrar na retórica cliché de “agência de ideias em todas as áreas”, um mutável virus introduziu-se na indústria da comunicação: a o big bang dos meios, a Internet. As habilidades de redator e diretor de arte não parecem mais suficentes para Criar. Uma garotada domina outra linguagem, que, embora pareça suja de graxa, é curiosamente celebrada nos grotões novos ricos da indústria tecnológica. A primeira reação é enquadrar os energumenos que nascem nesse mar subterrâneo numa lógica conhecida: designers digitais e programadores – tipos novos de produtores. Assim (e ainda), para salvar a proteção territorial, incorporam-se esses novos à “criação”.

Mais vale, no entanto, entender que linguagem “nova” é essa que as plataformas digitais demandam? Certamente não se trata apenas de uma habilidade específica para produzir em ambientes virtuais.

De forma sintética, os novos “criadores” são pessoas que possuem talento ou desenvoltura, para “criar” horizontalmente, numa multitude encadeada e estratégica de meios. Não são designers nem programadores – embora possam sê-lo, assim como podem ser diretores de arte ou redatores clássicos – mas falam uma língua que pensa transversalmente mídias afora. Podem ser também mídias, planejadores, atendimentos.

E por que essa “habilidade” é uma habilidade que soma (e integra) e não substitui?

Voltemos à definição de “criativo” do primeiro parágrafo: “criar” é aprofundar-se na essência de uma ideia. Como era esse o talento necessário para tornar-se um dos bons (e não só um original pirilampo), com o tempo, as atividades acessórias aproximaram-se desse olimpo, e em particular o planejamento. Até chegarmos ao momento em que “planejar” e “criar” confundem-se na busca da conceituação profunda de mensagens, discursos e histórias que seduzam, envolvam e fidelizem o coração dos consumidores. “Criar” é (ou era) portanto verticalidade, essencialidade.

Isso funcionava, e bem, em um mundo em que poucas e domesticáveis são as interfaces com os consumidores. Não funciona mais depois do big bang.

Criar é portanto, hoje, verticalidade e horizontalidade ao mesmo tempo. É a habilidade indissociável de intuir e pensar profunda e superficialmente, na largada, desde o primeiro briefing. E essa nova Criação está na mídia de um novo tipo, no atendimento de um novo tipo, na “criação” de um novo tipo e principalmente no planejamento de um novo tipo.

Falamos (inglês) antes de pensar (em português)

Nosso big mac é igual ao big mac dos outros, nossa bolsa Kelly é igual às bolsas Kelly das outras, nossas campanhas publicitárias são de nível internacional.

Tem um lado bom contar com as mesmas referências dos gringos, nem que seja para aprender com suas derrapadas ou copiar sem vergonha.

Mas desde que o consumo virou o maior (e único) embaixador cultural do mundo, a Paris Hilton é nossa referência inconfessável.

A indústria “cultural” de massa carrega valores de mínimo denominador comum quando exportada. É seu jeito: simplificar para reinar. E cá estamos: são os valores do strip mall Americano que consumimos com sofreguidão. Não é a New Yorker que nos pauta, é a Fox News.

Disseram-nos que o inglês é a língua do futuro. Disseram-nos isso quando mal falávamos português. Quando mal sabíamos pensar. Quando mal sabíamos que referência não é espelho, é inspiração.

Publicitários são pedreiros sem pedreira

Muitos desenham enormes raciocínios para tentar revisar a segunda palavra de nossa denominação: publicidade, propaganda, ideias, comunicação, etc. Somos agências de publicidade, propaganda, ideias, comunicação, etc. Vá lá que hajam diferenças, semânticas e de fato, em cada uma das entregas.

Mas muito pouco ou quase nunca se discute a primeira palavra: assumimo-nos sem questionamento como agências. E agênciar significa que intermediamos serviços de terceiros. Por isso somos remunerados.

No entanto a palavra “agência” subentende que nada ou pouco se obra. Usamos recursos intelectuais, criativos, produtivos de terceiros que escolhemos (nem sempre) e organizamos (mais ou menos).

Não é humildade nem abnegação muito menos compartilhamento generoso. É que os publicitários secretam a crença de que o trabalho intellectual – ou criativo – abstrato, inspirado, de fonte secreta, misteriosa e portanto de valor inefável, vale mais do que o trabalho produtivo, que faz coisas, que suja as mãos, que pode se mensurar, se equacionar e automatizar. Conceber é mais do que fazer.

Ainda que a mística criativa encanta e seduza, a capacidade de produzir é uma arte em si que não deveria ser tão menosprezada e desvalorizada.

Quem cria também faz, pelo menos é assim na indústria mais flamejante do século, na teconologia da informação ou seja lá como chamemos o ramo de atividade da Apple, do Google, do Facebook. Quem inventou a Internet não a concebeu numa prancheta e intregou seus rabiscos a excutadores diligentes, sentou a bunda na cadeira e programou. Quem cria faz e quem faz cria.

Por que agências continuam sendo agências, que nada fazem, nada produzem? Até quando essa crença na lâmpada, na maçã, na banheira, no estalo divino, concedido e não obrado?

Só que vivemos um mundo mais complexo e histérico que no passado. Mais competitivo e com recursos mais escassos do que queremos crer. E se não formos capazes, rapidamente, de usar nossa inteligência e sorte para fazer ao invés de agenciar, corremos o enorme risco de virarmos resignados executores de criações alheias.  Pedreiros sem pedreira.

O paroxismo da comunicação sem mensagem

No começo era o verbo. Milhares de anos depois o verbo não resolveu o caos. E de tradução em interpretação, o sentido se perdeu e verbo significou comunicação e muito blablablá.

Para o pensador Georges Haldas, verbo é o que une sujeito e objeto, dentro e fora, “em cima” e “em baixo”. Verbo é conexão.

Mas para aterrissar as discussões mais metafísicas, façamos um exercício gramatical para entender o que é essa conexão.

Na sentença “Maria (sujeito) ama (verbo) chocolate (objeto)”, o verbo é o que une Maria ao chocolate. Mas o verbo não é só forma, é também, e principalmente, sentido. “Maria detesta chocolate” dá um sentido diferente à conexão entre Maria e o chocolate.

Se cavarmos um pouco mais o raciocínio, destituindo-lhe de todo brilho filosófico, o verbo é o meio que une sujeito e objeto, o meio que une emissor e receptor. É um raciocínio semelhante que nos fez, um dia, acreditar que a comunicação era a engrenagem do nosso sistema. A comunicação é o verbo (relação) entre um emissor e seus muitos potenciais receptores.

Investimos por décadas na tese de que o meio prevalece sobre a mensagem. Tese extremamente bem sucedida em toda lógica broadcast de transmissão de mensagens. Em outras palavras: fale, grite, repita, à exaustão, qualquer coisa, ou qualquer coisa bem simples, mínimo denominador comum, que o meio se encarrega do mais importante: convencer.

Gastei todo esse verbo aí para chegar no cliché do cliché, que um dia foi genial: o meio é a mensagem.

E veio a Internet, veio o quantum leap e os meios viraram um googol tendendo ao infinito. Incontrolável, com geração expontânea e exponencial.

Como é que faz agora? Ah, já sei: mídia de massa significa de um para muitos e de preferência para todos. Ficamos anos soltando pum sem pedir a opinião de ninguém ou de poucos. O povo ficou puto, inventou a Internet e ferrou a gente mas vamos ferrar eles de volta. Vamos abrir o canal. Vamos fazer a via ser dupla. Vamos ouvir essa gente diferenciada, dar voz à negrada e pronto, tá resolvido. Vamos ser interativos, colaborativos e o escambau.

Mas comunicação é só conexão? Adianta abrir retorno? Verbo não era conexão com sentido? Cadê o sentido?

Às vezes, não dá a impressão que estamos destituindo a conexão de sentido?  A mensagem que uma dia foi substituída pelo meio não estaria agora sendo mais uma vez subvertida pela interação ainda mais vazia de sentido?

A mensagem escrava do meio agora é escrava da interação e assim perde o pouco do sentido, vulgar, que ainda lhe restava.

O nome na ficha enquanto o nome na porta não vem

Tem muita coisa que mudou, mas tem um porão que dá medo de encarar: o “nome na porta” ou sua versão menos ambiciosa “na ficha”.

É deliciosamente reveladora a procissão que se arrasta todo ano atrás dos holofotes de led chinês de Cannes. Não por Cannes, nem pelo vinho, nem pela farra, nem pelo glamour murcho da riviera. Ela começa antes, muito antes. Aliás ela não começa nem acaba, ela se persegue. Estar na ficha e quem sabe um dia em letras douradas na porta, é um incentivo que vale o ridículo de mendigar 3 linhas em algum jornal, o ridículo de colecionar estátuas, o ridículo de usar todo esse ridículo para barganhar um aumento, enquanto o nome na porta não chega.

Mas essa vaidade toda é toda a virtude. Se fosse só para vender mais o bônus do cliente, se fosse só para agradar mais o bônus do cliente, se fosse só para mais bônus para nós também, ainda estaríamos batendo lata na rua do comércio. Se fosse só para fazer esse vulgar insight, esse vulgar check list, essa vulgar pesquisa, qualquer software vulgar daria essa luz.

Essa é a cruz e a calderinha do publicitário, sempre entre o ridículo e o vulgar. Dureza.

Don Draper dança minueto

O que o melômano sem formação teórica percebe da música são melodias e harmonias e, vez por outra, surpreende-se com as estruturas. Não por acaso, a música é popular não somente quando as melodias e harmonias são simples, mas porque as estruturas são intuitivas, sem sofisticação.

A criação publicitária ficou nesse mesmo “been there, done that” por décadas. Ainda que o pensamento tenha evoluído e “as ideias estão em toda a parte” seja um leitmotiv (planejamento criativo, mídia criativa, atendimento criativo, criação criativa), o clichê nem sempre é real.

Nas novas plataformas de comunicação, é um equívoco isolar-se das estruturas, sempre novas, que movimentam o comportamento das pessoas. A mídia display, recentemente ainda soberana, perde espaço para as novas experiências de engajamento dos consumidores. É preciso, sim, envolver-se com mecanismos mais técnicos, caso contrário a criação – como ela ainda é – não passa de decorativa.

É difícil quebrar o ritmo, chacoalhar as mentalidades calcificadas por sistemas embriagadores que funcionaram por tantos anos. Os festivais e prêmios publicitários, apesar do esforço de renovação, são o exemplo mais evocativo do vício do qual a criação publicitária clássica padece.

A menos que resignifiquemos a palavra criação publicitária, ela não passará em breve de uma especialização, uma necessária mas não crucial atividade, perdendo sua centralidade e atratividade para as marcas. Decoração versus arquitetura.

Mad Man é charmoso mas, se ainda parece que os modelos de trabalho atuais são parecidos com os da Sterling Cooper, então continuamos fazendo minuetos e sarabandas na criação publicitária.

Os novos fantasmas da propaganda

Muitos anos atrás, a Internet era uma curiosidade intelectual, como o hermafroditismo dos cavalos marinhos ou o matriarcado das sociedades celtas primitivas. Como é da natureza de todas as idéias divergentes, com o tempo, o assunto tornou-se alvo de ideários inflamados, com argumentos simplórios, como as boutades conservadoras do premier israelense ou de algum ditador africano.

Mas já há alguns anos, a Internet tornou-se uma coceira agradável no discurso de muitos profissionais de comunicação. Uma feridinha que a gente acalenta com prazer, um pecadinho, íntimo, gostoso.

É que na Internet, muitas frustrações se acobertam e o ambiente sorri de volta a ambições fora de moda.

Se a mídia tradicional fechou suas portas para experimentações e ousadias desconexas, temos a Internet para veicular nossas quimeras no Youtube. Se a mídia tradicional encafifou com a forcinha espontânea que sempre deu a idéias originais, sempre haverá um blog “muito influente” afim de dar cobertura gratuita.

Então vemos surgir defesas mirabolantes para investimentos eufemisticamente corajosos: “põe na Internet que a coisa se espalha!” ou “vai dar mídia espontânea”. O intangível e incontrolável justifica.

É assim que nascem os cases de vaudeville que se empilham nos festivais de propaganda.

Prêmios de propaganda e a guerra imaginária

No começo, você se surpreende, feliz, com a recompensa gratuita que premia um trabalho bem-sucedido. O prêmio, que você esperava ou não, é a coroação sem compromisso do seu esforço.

Depois, você percebe também, satisfeito, que as pessoas olham para você diferente, que elas comentam antes as medalhas e depois os feitos de guerra. Seus distintivos deixam então de parecer merecimento e passam a ser uma patente que lhe qualifica.

Quando você se dá conta, orgulhoso, de que seu uniforme paramentado atrai as atenções, você passa também a agir diferente, com mais segurança e condescendência. A lapela decorada justifica a gamela nem sempre saborosa, o catre nem sempre confortável, as ordens nem sempre gentis, as mortes nem sempre justas.

Os generais também gostam de se cercar de oficiais com feitos reconhecidos. Quando assinam-se tratados, alianças e declarações, quanto mais medalhas, maior o pio. E quanto maior o pio, maior a partilha, os provimentos, as honras e mordomias.

Até que um dia, a guerra que se faz no estado-maior não tem mais nada a ver com a das trincheiras. Você se bate do bunker, vocifera ordens imaginárias e leva um tiro do mais raso dos soldados.

No começo, você ganha um prêmio em um festival de propaganda e fica feliz. Não esperava. Chora de emoção.

Depois, você ganha um aumento, uma promoção ou uma proposta e percebe que isso não caiu do céu, caiu do palco de Cannes.

Então, já com a estante a preencher-se, você facilmente perde a paciência. Sempre que o cliente parece ruim demais, o briefing tosco demais e os consumidores burros demais, você se consola nos braços dos leões.

No seu clube, entre amigos, todos são iguais porque todos têm prateleiras cheias. La a vida é cheia de piadas, trocadilhos, e compete-se pelo apelido mais criativo. Já nas salas de reunião, você tem chiliques e poses.

Até que um dia, toda propaganda que você não fez é feia, suja e maltrapilha.

Até que um dia, a propaganda que você não fez ganha nas salas de reunião e ganha a rua.

Até que um dia, a propaganda que você fez vai para o YouTube.

Papai quis que eu estudasse (propaganda) fora

– Oi.
– Oi.
– Me conta um pouco de você.
– Como assim?
– O que você fez, do que gosta, o que quer fazer?
– Ah, eu gosto de redes sociais.

A inocência do primeiro emprego ameniza muita decepção. Vamos em frente.

– Estudou?
– Sim. Volto de um curso de dois anos na Baton Rouge State University, sabe a BRSU?
– Estudou o que lá?
– Fiz o curso de Disaindidjitol, sabe?
– Como?
– Didjitol!

É, está difícil.

Vá lá que a formação, aqui embaixo, pode ser manca e caolha. Então é só ter um dinheirinho suado de família e lá se vão os neófitos bem-nascidos laurear seus diplomas no exterior.

Vejamos como o estudante procede para escolher e como devemos decodificar as informações para julgar o candidato.

Diplomas de cuponagem nos Estados Unidos são assim: fez um curso de qualquer meleca no Arizona, é meio rico; a meleca é na Costa Leste, é mais rico; tem N e Y na sigla da universidade, deve ser bem rico. Se a meleca foi estudada na Costa Oeste, não quer dizer riqueza mas nível de vagabundagem. Quanto mais ao Sul, mais vagabundo.

Já os diplomas pega-trouxa europeus são mais sutis. Na Inglaterra, o estudante tem tendências ao Olimpo fashion; na França foi vovó quem pagou; na Itália foi vovô. Na Alemanha ou na Holanda, foi o que deu. Na Espanha e em Portugal, o garoto é cagão e cabulou as aulas do Alumni.

Agora, se foi na Suécia, na Nova Zelândia ou na Romênia, o candidato se arrumou nas redes sociais.

É gostoso brincar de fazer generalizações, porque caça-níquel universitário gringo no currículo não engana ninguém. Só o papai-que-quer-o-melhor-pro-filhinho.

Esses vídeos-muleta para animar uma apresentação

A moda pegou, mas pegou mesmo. Virou uma mania (e lugar-comum) da nação de planejadores e criadores: colocar a viseira e sentar na cadeira de diretor para produzir minidocumentários ou videozinhos para apresentar suas ideias.

Não tem derrapada, gaguejo nem cacoete; tudo é lindo, rápido, sintético e, principalmente, não suscita interrupção.

É a grande evolução dos power-points com pessoas pulando e jovens sorrindo, que substituíram aqueles com imagens-conceito de lâmpadas, escadarias e tiro ao alvo.

Como se subitamente todo o mundo fosse acometido de mudez envergonhada. Faz-se uma pequena introdução e lá vem o play com uma música animada, imagens lindas, textos de impacto e outras referências chupadas no parnaso descolado.

O improviso, o senso de oportunidade, a condução diligente a partir da observação, a body language e a sedução foram enlatados e trocados por imagens roubadas.

Em breve, tudo será feito por videoconferência com atores construídos em 3D.

Em breve, a saudade da vida real vai ser compensada por algum reality armado e vulgar a que assistiremos de cueca velha em casa.

Mas não há nada mais convincente que o não dito, mais sedutor que o deslize, mais poderoso que o subliminar que só a presença física, de carne, osso, voz e olhar pode produzir.

Andando do lado ensolarado da rua

A propaganda tem uma monstruosa culpa nesse mundo atolado na sucata em que vivemos. E se há culpa na impulsividade das pessoas, no desmoronamento de valores, na aceleração da vida e do progresso, sabemos enroscar ainda mais a equação, jogando gasolina na fogueira, criando estímulos e pânicos irresistíveis, através de nossas mensagens publicitárias.

Mas também podemos enxergar o mercado com esperança.

Podemos e devemos abstrair-nos da mentalidade exploratória e selvagem com o cinismo típico que nos acomete quando defendemos a propaganda (“é a vaselina do sistema”) ou transferimos responsabilidades (“sou pago para fazer isso, a culpa é do sistema”).

Rumamos sem trégua para um futuro em que as ideologias estarão a serviço da intransigência defensiva, fundamentalistas e violentas. Não há mais “humanismo” nas grandes ideologias, apenas defesa de território, medrosa e raivosa. O sentido que as orientações de outrora nos davam perdeu seu humanismo. E, com esse vácuo moral, vemo-nos nus, indefesos, cheios de incertezas. Não tem mais nenhum dogma a nos consolar.

Além disso, o mundo acelera muito mais rápido do que nossa capacidade de absorvê-lo. As revoluções tecnológicas, indispensáveis para se sobreviver na sociedade em permanente transformação, nos excitam mas sufocam.

Tudo muda tão rápido que não sabemos mais onde nos prender, como fazer escolhas, em que consultar-nos e confortar-nos.

É aqui que as marcas têm algum papel e responsabilidade, assim como a propaganda. Elas significam – ou podem significar – novos referenciais para as pessoas, e de valores também.

Não estamos tão longe assim, por incrível que pareça, dessa tomada de consciência. Qualquer marca digna, minimamente comprometida e ética, preocupa-se sempre e a todo instante com os valores dos seus consumidores, mais do que com suas qualidades. Quanto mais avançada é uma imagem, mais ela deixa de lado suas propriedades para concentrar-se nos seus potenciais clientes, nem que seja para inspirar a inovação. Quanto mais eficiente é uma comunicação de marca, mais ela se foca na ponta que interessa – o consumidor – e menos na descrição exaustiva ou mentirosa de seus benefícios. Ainda – e até no Brasil, fronteira ainda virgem de responsabilidade – as marcas representam empresas que por sua vez têm papéis sociais e ambientais que estão na mira de muitos consumidores.

O mundo da abundância em que germinou o consumismo materialista e imediatista sempre foi uma presunção, um discurso falacioso. Mas essa ilusão já quebrou seu encanto. Sabemos que iremos afundar na merda que produzimos já, já, isso sim. E o mau cheio da propaganda atributo-benefício já fede há algum tempo.

Planejamento guard rail ou off-road?

Primeiro ato: elabora-se um raciocínio encadeado e sem arestas, sustentado por convicções intuitivas e informações contundentes, que resulta em um caminho que parece criativo o suficiente e convincente o bastante para responder a um problema de comunicação cascudo. O planejador esbalda-se.

Segundo ato: explica-se, com minúcias deliciosas, uma história apaixonante, floreada por incontáveis desdobramentos. Com o olhar do evangelizador cheio de compaixão e segurança, recebe-se a aprovação unânime do posicionamento, com humildade. O planejador goza.

Terceiro ato: ouve-se, com a contrição do dever cumprido, uma campanha que parte de uma ideia catada, sabe-se lá em que sórdido meandro autista, desgarrada da augusta inspiração planejada, vulgar, baixa, simplória, genial. O planejador chora.

Quarto ato: recupera-se o brio ferido, lucubram-se argumentações reversas e, estoicamente, ao calar da madrugada, cotovelos inchados e orgulho escapando pelo dedão do pé, põe-se a aparição brilhante no altar. O planejador conforma-se.

Finale: o cliente regozija-se.

Post-scriptum: a campanha vai ao ar por falta de tempo ou para o lixo por excesso.

Post-scriptum 2: sucesso ou volta à página em branco.

Acontece cada vez mais.

Em um universo de mídias mais fragmentadas, acidentais ou sempre novas, com consumidores mais conscientes, menos escravos de seus hábitos e que borboleteiam ao sabor do impulso fugaz, já não se tem mais certeza da construção de marca dogmática: o planejamento está em crise existencial.

Como defender a coerência do discurso de comunicação, construído no tempo e no espaço, paulatino, faseado, “planejado”, se não se tem nem recursos nem ferramental para valer-se da frequência, pedra de toque da comunicação de massa? Se o convencimento pela repetição já não percute com tanta eficiência?

É tão evidente decodificar uma campanha de publicidade que ainda se vale dos cabrestos das metodologias clássicas do planejamento que chega a ser melancólico. Falsidades de fotonovela.

Qual seria, então, nosso papel, se não podemos mais ser guardiões da ortodoxia, se a voga glamorosa do “branding” não passa de um sobressalto defensivo?

Nas nem tão novas mídias, na internet, é em um clique de sorte que se alcança a fama. É seguindo um percurso quase acidental que se cerca o consumidor. É com impacto que se mobiliza a audiência.

Nosso novo exercício é uma espécie de caça ao inesperado, no contrapé das expectativas do cliente e do consumidor. É buscar uma heterodoxia criativa e libertadora. É garimpar aquilo que ninguém espera que aquela marca, categoria ou agência possa fazer. Não devemos renunciar, no entanto, a nenhuma das ferramentas que já conhecemos — às pesquisas — mesmo que com roupagens aparentemente empoeiradas. É lá, no campo e na vida, que iremos garimpar o contrafluxo. Se ainda iremos indagar o gosto e as preferências, é para desacomodá-los e reacomodá-los em caminhos perturbadores. Nossos briefings serão desconfortáveis, mas comprovadamente desconfortáveis. Quem sabe assim libertemo-nos também das nossas bíblias ilustradas, ingênuas e superlativas, quiçá mentirosas.

A virtude da comunicação de massa é hoje seu maior vício.

É pelo fato de o consumidor, consciente ou inconscientemente, ter cansado das setinhas de peregrino que colocávamos em seu caminho, que perdemos sua atenção. A propaganda não é mais uma estrada demarcada, e o planejador deve esforçar-se off-road ou morrer guard rail.

Artigo originalmente publicado no Meio & Mensagem de 28/03/2011

O triunfo da criatividade é a mídia de massa

Um grupo de cem arqueiros certeiros é menos mortífero  do que uma chuva de flechas.

Um exercício simples pode trazer muitos incômodos quando auscultamos as fan pages ou comunidades de algumas marcas nas redes sociais. Caem por terra muitos preconceitos e essa simples observação contradiz as mais acuradas das pesquisas. Quando inventarem uma ferramenta capaz de desenhar o retrato-falado médio de uma comunidade dessas vai ter muita gente vendo sua marca, outrora orientada para um determinado público, revisando sua estratégia radicalmente.

A propaganda, que coteja a ciência, e que a cada dia procura ser mais cirúrgica no alcance de seus alvos, muitas vezes renega ou subestima sua maior virtude: a capacidade que tem de seduzir para além da previsibilidade dos objetivos.

A propaganda só alcança seu máximo poder de fogo quando emociona, engaja e compromete o mais insuspeito dos targets: a diet-freak a tomar cerveja, o gordinho a correr, a perua a comprar na fast-fashion, o classe média a se endividar por um carrão.

Uma marca de luxo não faz propaganda para vender suas preciosidades para quem pode mas para quem não pode, uma marca popular não faz propaganda para vender suas bugigangas para quem não tem opção senão recorrer a elas, mas para dar-lhes prestígio e seduzir o outro lado da cerca. Pensar que trabalhamos para lembrar que existimos é ter em baixa conta a arma que manejamos.

Se o óbvio transpira nessas afirmações, ele está ausente em muitas estratégias nas chamadas novas mídias. Lá, vendem-nos o estado da arte da precisão e mensuração. E mais parece um disfarce para acobertar outras deficiências, como a falta de padrão, o baixo impacto, a pulverização, os formatos exíguos.

Claro que podemos ainda alardear os serviços prestados à cauda longa, que não pode se dar ao luxo de desperdiçar cartucho na esperança de fisgar prospects insuspeitos, mas quando estamos falando de grandes estratégias, dar tiros excessivamente precisos é a desculpa para a má propaganda ou justificativa para a falta de ousadia.

Quando a estratégia de mídia é nebulosamente calculada, em qualquer mídia, inclusive as novas, ela resgata a criação e dá-lhe espaço para transbordar de sedução. Fazer propaganda do Corinthians para o corintiano é bico, agora que tal fazer propaganda do Corinthians para vender uma marca para um palmeirense? Esse é um desafio para o qual não há técnica, não há ciência, não há TGI ou Analytics capaz de solucionar.