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A Internet está mídia de massa

A redenção proporcionada pela liberdade de escolha na Internet é uma mascarada. A cavalar maioria das pessoas recorre a uma ferramenta de busca para iniciar qualquer navegação. E outra estúpida maioria passa mais tempo em alguma rede social de sua escolha, do que nossas avós na televisão. A promessa de universalidade permanece potencial, mas se dissipa na prática.

Todas as grandes iniciativas na Internet têm por objetivo a concentração. Afunilando todas as portas de entrada – buscas, videos, mapas, tradutores, redes sociais, canais de compra, etc – se a Internet é anárquica na sua estrutura, é um ambiente fértil para ambições monopolistas.

A livre competição é presunção e a sonhada segmentação das audiências, uma quiméra. Qualquer portal minimamente agressivo, se é vertical no discurso, acalenta secreto desejo de abraçar novos e diversificados focos de interesse.

A Internet comercial é movida em primeira instância pela audiência e a lógica não é muito diferente da velha mídia. Claro que o discurso é outro, que vendem-se outros modernos argumentos, mais pertinentes, mais modernos, mais precisos. Mas nas entranhas inconfessáveis dos grandes atores da Internet, o dogma do “mais” em detrimento do “melhor” permanece inalterado.

Se o ovo ou a galinha, se porque as pessoas não gostam de  escolha ou se porque não lhes é dada escolha, não há, nem houve revolução alguma. A Internet mudou hábitos, não mentalidades. Ainda.

Internet e a arte do veja bem

Nem tudo que vem do “velho novo mundo” (a Internet) é necessariamente novo ou bom ou eficiente.

Mas apresentar uma plataforma digital é mais fácil porque é necessariamente desconhecido ou barato. Então, mesmo que não seja criativo, veja bem, funciona. Mesmo que não funcione, veja bem, engaja. Mesmo que não engaje, veja bem, temos aquele índice que mensura o envolvimento místico da ação potencializado pelo crescendo exponencial da existência contemporânea, lúdica e holística, acachapante. E veja bem, ainda é cedo para concluir. E veja bem, tem aquela meta digital do seu bônus.

É por isso que qualquer estratégia digital deve vir acompanhada de bula e manual de instruções que percorrem os sete portais iniciáticos do Mistério.

Os incrédulos são heréticos, velhos e caretas demônios da velha mídia, agentes malignos do capitalismo capeta.

Criatividade na velha nova mídia tem outros critérios. Crê-se no veja bem acima da lógica, da experiência e da sensibilidade. Uma espécie de transcendencia esperta.

Criatividade é como honestidade, não tem veja bem.

Mais coisas e menos bits

Os que creem no além túmulo, dizem que lá é tudo virtual, nada existe, que tudo não passa de fantasmagoria. Fantasmagorréia, isso sim, porque se além é esse “não me toques” todo, então viver é a celebração da pegação. A diferença entre uma alma penada e uma alma pegada é que uma pena e outra pega.

Mas por que diabos eu quero mais uma prótese virtual? Por que diabos vocês inventam esse monte de virtualidades para falar comigo?

Vocês acham mesmo que a gente não gosta de tocar, cheirar, beijar, abraçar, comer? Que a gente não gosta de ver com os próprios olhos, apalpar com as próprias mãos, lamber com a própria língua, chorar com as próprias lágrimas, sorrir com os próprios dentes? Que desistimos de olhar no olho das pessoas e dizer “te curto irmão”? Que perdemos o prazer de brincar com coisas de verdade, brigar com pessoas de verdade e bolinar pessoas de verdade? Que “de mentira” é melhor, mais bonito e mais barato que “de verdade”?

Então parem, por favor, com tanto desalmamento.

Quero uns óculos gigantes para ler no meu ipad. Quero um mega fone para ouvir meu ipod. Quero uma mega bolsa para carregar meu iphone. E que tudo seja bonito e dure muito mais do que preciso para poder trocar e trocar e trocar. Tá legal, podem ser sustentáveis, recicláveis, descartáveis, mas quero um gato, sapato, acetato e móvel, automóvel, de carne, osso, e alma.

E se quiser falar, comunicar, propagandear, dialogar, engajar, seduzir, apaixonar a minha pessoa pela sua coisa, seja homem, e não um inefável monte de cocô.

A internet matou as entrelinhas. #snif (por Rafael Buciani)

Quanto tempo faz desde que você contou uma piada pra meninada da internet no mundo real?  Você se lembra quanto tempo ela demorou para entender a sacadinha? Precisou fazer algum gesto com as mãos? Sacou um gravador com uma daquelas risadas fakes de sitcoms americanos?

Eu não duvido que isso um dia ocorra.

Me explico.

Na internet, o subentendido tem legenda. Piada vem com “kkkkk”. Ironia vem com “#not”. Sarcasmo vem com “:-)”.

Antes não era assim.

O ser humano nunca precisou de artifícios para passar uma ideia.  Machado de Assis nunca colocava “#not” nas suas ironias.  Tampouco Woody Allen escrevia roteiros seguidos de #hahahaha.

Ao mesmo tempo que qualquer porcaria vira piada (afinal de contas, basta uma legenda), citações inteligentes correm o risco de se tornarem indecifráveis para futuras gerações.

Será que estamos ficando burros?

Não sei. Mas já garanti meu gravador com risadas fake. #not

Literatura na Internet

A ampulheta está cheia em cima e caindo. Lentamente. Dá tempo de escrever. Contar.

Vai caindo. Mais rápido. Pode-se elencar. Síntese.

Cai rápido. Só dá pra reagir. Espasmos.

Fim.

Quanto mais perto do fim, mais rápida corre a areia.

Em Moby Dick, Melville escreve trezentas páginas para avistar a baleia e mais trezentas para caçá-la. Um século depois, a mesma história teria mais personagens, mais ação e menos páginas. No cinema não passam de 80 minutos nas versões mais longas. Nesse blog, vai dar algumas frases. Em versão 140 caracteres: “A baleia Moby Dick comeu a perna do véio. O man ficou trolado e foi a caça.”

Lê-se mais, dizem, por causa da Internet.

Não se contam mais histórias. Nem se curtem mais as histórias.

Gosta-se de matar baleias. Sem enrolação, sem blablabla, muitas baleias. Nível 1, 2, três mil. Mais baleias que os amigos. O récorde de baleias.

Antes a gente contava.
Hoje só a síntese conta.
E já já, espasmos.

Desmiliguimos no tempo que escorrega na velocidade do fim de uma ampulheta.

O Facebook está catatônico

Ainda está chegando gente aos borbotões, atropelando-se e os amigos acotovelam-se para encontrar um lugar no mural do próximo. Talvez essa febre esteja no início, e quem sabe um dia, conseguiremos dar sentido à euforia. O vício é confortante. É blasé remar contra.

Mas a sinceridade nunca pode ser acusada de cafona.

Mesmo sendo uma bandeirinha que reafirma a existência num mar de conformismo preguiçoso, mesmo sendo o “hey eu existo” nosso de cada minuto, mesmo sendo um antídoto ao drama existencial, O Facebook estabelece contatos de primeiro grau, fortuitos e quase sempre gratuitos.

Então se não serve para celebrar laços, talvez seja apenas distração, entretenimento, deliciosa inutilidade solitária. Parece que já inventamos a literatura, o cinema, o video-game com outras mais envolventes imersões egoistas. Meia boca esse Facebook.

E se fosse só um amplificador verbal, para transbordar energia, um ladrão para nossa caixa de bobagens? Ou quem sabe sirva para aplacar nossa sede de bisbilhotagem, nossa curiosidade doentia pelo outro presumidamente melhor ou pior que a gente?

O Facebook talvez seja essa colcha de retalhos aí, esse repositório de interesses, um molambento e telegráfico consolo.

Mas isso não é nada. O problema é que desde que virou menino prodígio das manchetes e xodó da nova publicidade, o Facebook virou um feirão vulgar e confuso. Esquizóide. Catatonico. Nenhuma feiura será perdoada.

Que papo é esse de integração on-off line?

Parece que a imprensa especializada não vai parar nunca mais de gaguejar “on-line isso” e “off-line aquilo”. É falta de assunto ou gosto pela retórica: afinal de contas, por que será que ainda andam falando tanto de integração de disciplinas? Por que tanta energia é gasta para ensaiar modelos vencedores e apontar do dedo estratégias perdedoras?

Um marciano que resolva estudar a respeito, vai perceber que nos últimos 10 anos, as agências esnobaram, depois integraram, depois apartaram, depois integraram, depois apartaram, depois integraram, depois apartaram e continuam sem saber o que fazer. Se compram, se educam, se fazem parceria, se aculturam, se, se, se.

Essa busca por uma fórmula é vício mais do que virtude e entorpece um pouco a tomada de decisão.

O foco, por si só, já parece um contrasenso pois foco mais parece uma contingência financeira do que um default de largada. Já faz muito tempo que a comunicação deixou de ser passiva. Faz tempo que o ponto de partida de qualquer briefing de comunicação não é mais a verba ou a mídia: “tenho tanto dinheiro, otimize” ou “comprei isso, veicule nisso”. Pelo menos na ambição, não preenchemos espaços comprados. Os canais estão a serviço de um conteúdo e não o contrário.

E essa lógica, portanto, anula o raciocínio do foco na mídia e reestabelece o foco no conteúdo. A mídia forte não atrai, não engaja, não convence, a não ser pela repetição. Já um conteúdo forte atrai, engaja, convence por si só, onde quer que ele esteja disponível.

Que papo é esse de foco? Que papo é esse na integração das disciplinas on-line e off line? Que foco? Que discplinas?

Só existem duas disciplinas em uma agência de comunicação: a daqueles que focam nas mídias e a dos que focam nas pessoas. A primeira é velha, mesmo que on-line. A segunda é nova, mesmo que off-line.

Email e a bunda mole

Na imigração, entrando nos Estados Unidos:

–       O Senhor trabalha com quê?
–       Propaganda.
–       Mas o Senhor acabou de vir fazem poucos dias.
–       É para uma reunião.
–       Eles não acreditam em email, na propaganda?

Também não acredito. Nem em muitas outras formas de comunicação presumidamente contemporâneas.

Já repararam no estrago que um email pode fazer, principalmente com aquela fila interminável de copiados? Aqueles que devem tomar uma providência, aqueles que devem ficar sabendo, aqueles que devem aprovar, aqueles que podem ter uma ideia, aqueles que não tem nada a ver mas é de bom tom que sejam copiados, aqueles para quem devemos demonstrar empenho, aqueles que devemos integrar. Os que devem tomar providencias aguardam a aprovação de quem aprova, mas os que devem ficar sabendo aprovam o que não devem, aqueles que copiamos por educação tomam providencias, aqueles que devemos impressionar respondem e quase sempre os que devem ser integrados apavoram com ideais do além.

E depois da confusão, aparece um bunda mole para dizer “não falei?!”

A modernidade não faz milagres: para melhorar tem que simplificar. E vivemos numa era em que todas as melhoras convergem para uma única obsessão: encurralar o tempo numa jaula. Agilizar, estreitar, encortar. E encurtar vem de cortar.

Tudo seria tão mais simples se levantassemos a bunda da cadeira com mais frequência.

Muita gerência e pouco projeto

A vida é cheia de projetos. O projeto de ficar com corpinho em cima, o projeto de casar, o projeto de viajar, o projeto de ficar rico, o projeto de relaxar com a pressão hedonista, o projeto de divorciar-se, o projeto de ficar mais em casa, o projeto de aproveitar mais a vida, e o projeto de ter menos projetos.

Para tocar tantos projetos, temos que saber administrá-los, gerenciá-los. Planilhas, listinhas, cronogramas, agendas, alarmes e vamos partindo a vida como salame, abusando da nossa capacidade de assoviar e chupar cana ao mesmo tempo.

Além de sermos homens, mulheres, pais, filhos, amantes, amados, caseiros, bohemios, responsáveis, desmiolados, profissionais, cantores, atores, esportistas, antropólogos, astronautas, arqueólogos e publicitários, também temos que ser gerentes de projetos, de tantos projetos.

Gerenciar projetos significa aproveitar o máximo. Ou seja, otimizar recursos. Ou seja, espremer. Até o último caldinho.

Em outras palavras, gerenciar projetos significa acabar com a preguicinha, a piadinha, o pipizinho, a piadinha.

Ainda, gerenciar projeto é perder um tempo enorme gerenciando e um tempo mínimo projetando.

O Anúncio da Kia, réu duas vezes

Tudo que o homem cria estará voando em nuvens virtuais de instantâneo acesso, mas enquanto estivermos encarcerados em pele, osso e músculos, a matéria será  nossa âncora existencial.

É de péssimo gosto usar o correio e pior ainda uma rede social para enviar um convite de casamento que deve ser impresso com letra caligrafada. Por que milhões se atropelam nos museus se há séculos somos capazes de precisas e fiéis reproduções? Tudo que se escreve estará digitalizado e a leitura dar-se-á em dispositivos apropriados, mas os livros ainda reinarão para as obras dignas de papel e tinta. Obras dignas de materiazar a criação.

Semana passada, cassaram leões de um anúncio de mídia impressa, sim impressa! O anúncio da Kia foi duplamente réu.

Menos importa o coro escandalizado dos puritanos. Já não interessa tal inveja. Culpa velha.

Mais interessante é o choro dos modernos. Nada mais vale e muito menos essa mídia morta que nos sepulta. Agora só é digno de nota, de esforço, de prêmio, o que flutua na rede, o que se integra em múltiplas plataformas, o que desdobra-se, multiplica-se, em incontáveis canais, insondáveis engajamentos, inefáveis resultados. Um anúncio, criado para papel e tinta, em linguagem de HQ, veiculado numa revista que se vende em bancas? Bobageira e cafonice. Moderno sou eu!

Não tem digital integrated, então não presta?

Já tarda o tempo de inverter a lógica: não tem mídia morta, não merece nem um anúnciozinho, um filmezinho na televisão? Talvez a idéia não seja nem tão boa, tão digna, tão nobre, tão merecedora de posar, em papel e tinta, no  anuário de criação.

Celebridades e a redenção da Internet

Tenho uma grana sobrando. Quem me aconselha melhor? O amigo do peito que tem uns trocos investidos ou no desconhecido que manja de dinheiro?  Tenho uma proposta de trabalho. Quem me aconselha melhor? O parceiro que me conhece como ninguém ou meu ex-chefe que admiro? Vou ao cinema. Quem me aconselha melhor? Meus contatos do facebook ou o chatonildo que escreve no jornal sobre cinema?

Em quem confio mais?

Na sabedoria do povo ou no poder da sabedoria?

Essas prosaicas interrogações estão no centro da revolução cultural que vivemos. Desde que quebraram-se as estruturas de poder da circulação de informação e conhecimento, vivemos uma enorme crise de confiança e navegamos à deriva, num mar de incertezas.

O primeiro movimento creditou muita energia no sufrágio da maioria. Na sabedoria do povo. Quando a Internet abriu a porteira da livre expressão, fomos enebriados pela extaordinária produção represada de conhecimento, que emanava da maioria anônima. Foi nessa febre que estabeleceu-se uma equação nunca antes imaginada entre colaboração e qualidade. Wikis, jornalismo cidadão, blogs colaborativos, redes de conhecimento alternativas, etc. Esse primeiro estágio era uma reação do tamanho da opressão que vivíamos: o poder concentrado (da informação e conhecimento) ditava o rumo da cultura. Era a tirania do braodcast em todas as esferas: nas instituições políticas, na mídia, na iniciativa privada, no poder paralelo das grandes marcas.

Mas parece que já estamos vivendo um contra-fluxo e o sinal precursor desse movimento é o novo poder que emerge agora: o poder da celebridade. Não há dinheiro nem poder suficiente para fazer uma marca ganhar relevância se ela não associar-se com uma celebridade. As marcas (de produtos, de imprensa, de instituições, etc) estão a cada dia mais dependentes desses imãs de relevância. Principalmente na Internet (que é o que importa).

O que isso significa?

Significa que as pessoas, novamente, estão buscando credenciais culturais para aderir ou acreditar. O amigo do peito ou da rede não dá mais segurança suficiente para aconselhar. Nem a soma dos amigos do peito ou da rede. E se hoje, acredita-se na celebridade, é uma transição para voltar a acreditar também na reputação construída sobre conhecimento e não apenas intimidade (amigo do peito) ou fama (celebridade).

Cala a boca Mané

Temos hoje infinitas formas de nos comunicar. A cada dia, surge uma nova e excitante ferramenta. Como é que o mundo funcionava quando nossas bisavós precisavam mandar o filho com um recadinho para a parteira vir socorre-la? Hoje ela mandaria um viber para cinco médicos diferentes, a família e os padrinhos. Ou, mais simples, faria um parto monitorado remotamente com uma junta médica internacional pelo Skype.

Mas ao mesmo tempo que ganhamos tempo e qualidade, perdemos objetividade. O moleque, a menos que resolvesse dar um mergulho no rio e roubar uma manga da vizinha, era o único mensageiro. Hoje, tudo é compartilhado, pedimos a opinião de Deus e o mundo, e as mensagens se esfacelam na velocidade da luz.

O email é o exemplo mais gritante de inoperância.

Alguém manda uma solicitação por email para os envolvidos diretamente e para uma penca de outros que precisam participar da decisão “vai-quê!” (também conhecidos como fyi). Todos respondem para todos, inclusive os “vai-quê!”. O que era uma distribuição de tarefas vira um sufrágio de opiniões. O que era um recado, vira uma assunto, o que era um assunto, vira um colóquio, o que era um colóquio vira uma eleição, o que era uma eleição vira uma Babel.

Por isso, todo email, além de CC e BCC deveria ter um CBM (Cala a Boca Mané) e um QMA (Quem Manda Aqui).

A lenga-lenga da Internet

Desde que a Internet virou uma coqueluche que saiu do guetto de meia dúzia de pioneiros, a pressão tem sido grande por uma mudança radical nas qualificações de profissionais de agências de comunicação.

Vamos desobstruir o vazadouro para aliviar.

Especialista não existe. Todos, inclusive os desejados “digital natives”, sentem-se como surfista em dia de ressaca: muito desejo e apreensão nutridos diante da imprevisibilidade do ambiente digital. Os pretensos experts encastelam atrás de supostas técnicas de mensuração. A mística é sedutora mas vale-se mais da fé do que da matemática. Ou quando muito e como sempre foi, prevêm o futuro baseados no passado, portanto chutam, com muita técnica, mas chutam. Especialista é quem admite a incerteza.

Por outro lado, é cômico perceber que quanto mais envolvidos são os profissionais com o suposto novo mundo, mais histéricos detratores se tornam do velho. É como se só pudessem construir sobre as cinzas. O contrário também existe, mas está tão – mas tão fora de moda – que nenhum cético ousa posar de bacana. Mas é irônico perceber que o velho tende a comprar o novo com mais competência. E aqueles que muito esbravejam acabam mordendo a língua, lustrando a imaturidade (já caducando, aliás).

Finalmente, “saber fazer” não significa “saber pensar”, assim como “saber pensar” não significa “saber fazer”. Saber projetar e implementar uma plataforma complexa de mídias sociais não significa necessariamente que a ideia seja boa. Assim como ter uma boa ideia não garante sucesso sem viabilidade de execução. Engana-se aquele que justifica uma ideia na execução assim como aquele que sacrifica a ideia para que seja exequível.  Mais parecem defesas recíprocas pois ideia e execução são irmãs xipófagas.

E se ao invés da pressão, a Internet servisse como banho de humildade para ambos os lados da quimérica separação entre on-line e off-line?

O novo criativo, das profundezas e superfícies

A grande sorte da “criação” das agências de comunicação é elas terem, de todos as estabelecidas áreas, o melhor nome: Criação. Criar é uma atividade que conjuga a habilidade para expressar-se de forma escrita com aquela para fazê-lo de forma visual. Criar significa também e principalmente, ambas  as linguagens confundidas, aprofundar-se na essência de uma ideia. Pensar o conteúdo para além da forma.

Assim usurpado o sagrado coração da profissão, os impostores desenvolveram proteções ardilosas que empurram as outras “especialidades” numa periferia necessária mas acessória.

Sem querer entrar na retórica cliché de “agência de ideias em todas as áreas”, um mutável virus introduziu-se na indústria da comunicação: a o big bang dos meios, a Internet. As habilidades de redator e diretor de arte não parecem mais suficentes para Criar. Uma garotada domina outra linguagem, que, embora pareça suja de graxa, é curiosamente celebrada nos grotões novos ricos da indústria tecnológica. A primeira reação é enquadrar os energumenos que nascem nesse mar subterrâneo numa lógica conhecida: designers digitais e programadores – tipos novos de produtores. Assim (e ainda), para salvar a proteção territorial, incorporam-se esses novos à “criação”.

Mais vale, no entanto, entender que linguagem “nova” é essa que as plataformas digitais demandam? Certamente não se trata apenas de uma habilidade específica para produzir em ambientes virtuais.

De forma sintética, os novos “criadores” são pessoas que possuem talento ou desenvoltura, para “criar” horizontalmente, numa multitude encadeada e estratégica de meios. Não são designers nem programadores – embora possam sê-lo, assim como podem ser diretores de arte ou redatores clássicos – mas falam uma língua que pensa transversalmente mídias afora. Podem ser também mídias, planejadores, atendimentos.

E por que essa “habilidade” é uma habilidade que soma (e integra) e não substitui?

Voltemos à definição de “criativo” do primeiro parágrafo: “criar” é aprofundar-se na essência de uma ideia. Como era esse o talento necessário para tornar-se um dos bons (e não só um original pirilampo), com o tempo, as atividades acessórias aproximaram-se desse olimpo, e em particular o planejamento. Até chegarmos ao momento em que “planejar” e “criar” confundem-se na busca da conceituação profunda de mensagens, discursos e histórias que seduzam, envolvam e fidelizem o coração dos consumidores. “Criar” é (ou era) portanto verticalidade, essencialidade.

Isso funcionava, e bem, em um mundo em que poucas e domesticáveis são as interfaces com os consumidores. Não funciona mais depois do big bang.

Criar é portanto, hoje, verticalidade e horizontalidade ao mesmo tempo. É a habilidade indissociável de intuir e pensar profunda e superficialmente, na largada, desde o primeiro briefing. E essa nova Criação está na mídia de um novo tipo, no atendimento de um novo tipo, na “criação” de um novo tipo e principalmente no planejamento de um novo tipo.

Falta bom senso nas estratégias de redes sociais

Todos os dias ouvimos falar dos tsunamis de reputação que abalam o mundo. O poder insidioso e contagiante de um post ingênuo em alguma rede social, arrepia, apavora, paraliza.

Quando se bate com o martelinho naquele ponto sensível do joelho, a perna dá um coice, geralmente desproporcional à força do impacto. Todo reflexo, quando bem estimulado, é superlativo.

O bom senso escorrega tão rápido quanto a coragem de assumir riscos, principalmente quando estamos lidando com o desconhecido sub-mundo digital. E via de regra, a retranca é ordenada: “se não estou preparado para entrar nas redes sociais, se tenho telhado de vidro, deixa quieto”.

Mas é evidente que essa política, de enterrar a cabeça no chão com a bunda de fora, excita os atiradores de elite.

Ocorrem portanto dois movimentos que se anulam. O extase iluminado e a covardia de procuração. Exageramos os impactos justamente acreditando que eles podem despertar da letargia: “cuidado, sua marca está a mercê de qualquer consumidor histérico!”. E a reação, o reflexo, é seu corolário: “a ordem vem de cima, me desculpa, mas é melhor não mexer no vespeiro”. Mas as vespas não são nem tão histéricas nem tão inocentes.

Talvez devessemos começar a medir, ou estimar, os riscos: qual é o potencial de contagio? Talvez devessemos criar mais alarmes do bem, e menos alarmes do mal. Ao invés da chantagem “cuidado, você está correndo perigo!”, o estímulo “olha o tamanho da oportunidade”.

E talvez, mas principalmente, tenhamos que conter nossos impetos catastrofistas do lado de cá.

E do lado de lá, não acreditar na máxima “falem mal, mas falem de mim”, porque, afinal de contas, falar mal é muito mais legal.

Publicitários são pedreiros sem pedreira

Muitos desenham enormes raciocínios para tentar revisar a segunda palavra de nossa denominação: publicidade, propaganda, ideias, comunicação, etc. Somos agências de publicidade, propaganda, ideias, comunicação, etc. Vá lá que hajam diferenças, semânticas e de fato, em cada uma das entregas.

Mas muito pouco ou quase nunca se discute a primeira palavra: assumimo-nos sem questionamento como agências. E agênciar significa que intermediamos serviços de terceiros. Por isso somos remunerados.

No entanto a palavra “agência” subentende que nada ou pouco se obra. Usamos recursos intelectuais, criativos, produtivos de terceiros que escolhemos (nem sempre) e organizamos (mais ou menos).

Não é humildade nem abnegação muito menos compartilhamento generoso. É que os publicitários secretam a crença de que o trabalho intellectual – ou criativo – abstrato, inspirado, de fonte secreta, misteriosa e portanto de valor inefável, vale mais do que o trabalho produtivo, que faz coisas, que suja as mãos, que pode se mensurar, se equacionar e automatizar. Conceber é mais do que fazer.

Ainda que a mística criativa encanta e seduza, a capacidade de produzir é uma arte em si que não deveria ser tão menosprezada e desvalorizada.

Quem cria também faz, pelo menos é assim na indústria mais flamejante do século, na teconologia da informação ou seja lá como chamemos o ramo de atividade da Apple, do Google, do Facebook. Quem inventou a Internet não a concebeu numa prancheta e intregou seus rabiscos a excutadores diligentes, sentou a bunda na cadeira e programou. Quem cria faz e quem faz cria.

Por que agências continuam sendo agências, que nada fazem, nada produzem? Até quando essa crença na lâmpada, na maçã, na banheira, no estalo divino, concedido e não obrado?

Só que vivemos um mundo mais complexo e histérico que no passado. Mais competitivo e com recursos mais escassos do que queremos crer. E se não formos capazes, rapidamente, de usar nossa inteligência e sorte para fazer ao invés de agenciar, corremos o enorme risco de virarmos resignados executores de criações alheias.  Pedreiros sem pedreira.

O paroxismo da comunicação sem mensagem

No começo era o verbo. Milhares de anos depois o verbo não resolveu o caos. E de tradução em interpretação, o sentido se perdeu e verbo significou comunicação e muito blablablá.

Para o pensador Georges Haldas, verbo é o que une sujeito e objeto, dentro e fora, “em cima” e “em baixo”. Verbo é conexão.

Mas para aterrissar as discussões mais metafísicas, façamos um exercício gramatical para entender o que é essa conexão.

Na sentença “Maria (sujeito) ama (verbo) chocolate (objeto)”, o verbo é o que une Maria ao chocolate. Mas o verbo não é só forma, é também, e principalmente, sentido. “Maria detesta chocolate” dá um sentido diferente à conexão entre Maria e o chocolate.

Se cavarmos um pouco mais o raciocínio, destituindo-lhe de todo brilho filosófico, o verbo é o meio que une sujeito e objeto, o meio que une emissor e receptor. É um raciocínio semelhante que nos fez, um dia, acreditar que a comunicação era a engrenagem do nosso sistema. A comunicação é o verbo (relação) entre um emissor e seus muitos potenciais receptores.

Investimos por décadas na tese de que o meio prevalece sobre a mensagem. Tese extremamente bem sucedida em toda lógica broadcast de transmissão de mensagens. Em outras palavras: fale, grite, repita, à exaustão, qualquer coisa, ou qualquer coisa bem simples, mínimo denominador comum, que o meio se encarrega do mais importante: convencer.

Gastei todo esse verbo aí para chegar no cliché do cliché, que um dia foi genial: o meio é a mensagem.

E veio a Internet, veio o quantum leap e os meios viraram um googol tendendo ao infinito. Incontrolável, com geração expontânea e exponencial.

Como é que faz agora? Ah, já sei: mídia de massa significa de um para muitos e de preferência para todos. Ficamos anos soltando pum sem pedir a opinião de ninguém ou de poucos. O povo ficou puto, inventou a Internet e ferrou a gente mas vamos ferrar eles de volta. Vamos abrir o canal. Vamos fazer a via ser dupla. Vamos ouvir essa gente diferenciada, dar voz à negrada e pronto, tá resolvido. Vamos ser interativos, colaborativos e o escambau.

Mas comunicação é só conexão? Adianta abrir retorno? Verbo não era conexão com sentido? Cadê o sentido?

Às vezes, não dá a impressão que estamos destituindo a conexão de sentido?  A mensagem que uma dia foi substituída pelo meio não estaria agora sendo mais uma vez subvertida pela interação ainda mais vazia de sentido?

A mensagem escrava do meio agora é escrava da interação e assim perde o pouco do sentido, vulgar, que ainda lhe restava.

O Instagram e o Guitar Hero por André Kassu

O grande trunfo do Guitar Hero é trazer a sensação de que você é um
guitarrista, certo? Por alguns momentos, sacudir aquela guitarrinha colorida
faz de você o melhor Stevie Ray Vaughan da sua sala. Sem uma aula de teoria
sequer, sem uma aula prática, lá está você todo suado, dedos doloridos e
feliz por acompanhar Pride and Joy no modo expert. E vai: é uma sensação e
tanto. Fora que para uma geração de pais, é a redenção ouvir seus filhos
tocando AC/DC ou qualquer outro gênero que não tenha universitário logo
depois do seu nome.
Pois o Instagram é o meu Guitar Hero. Confesso meu vício no aplicativo
chamado de Prozac pelo Zé Porto. Sim, a felicidade está ali. Exuberante.
Disfarçando as nossas fraquezas com filtros coloridos. Mas não é uma
novidade em fotos caseiras, é? Don Draper diz em um brilhante comercial para
Kodak, na série Mad Men: fotos nos levam para um lugar em que você sabe que
é amado. Nós registramos muito mais o que gostamos do que o contrário. Ou
existem albuns de famílias infelizes? O Instagram me traz por segundos a
falsa sensação de que eu sou um fotógrafo. Sem saber que diabos faz um
obturador. E aí está o segredo: ter a noção que é uma sensação breve. Que
está muito mais ligada à diversão do que ao talento.
O Instagram não faz de você fotógrafo. Nem o twitter faz de você um
escritor. Muito menos, o Guitar Hero faz de você um guitarrista. Existe uma
fossa gigante entre as duas coisas. E que você cai facilmente quando se leva
a sério demais. O Instagram me diverte. Amanhã, como tudo hoje em dia, pode
não divertir mais. Hoje, peço para uma torneira dizer X, jogo um filtro e
disfarço minha incompetência. Já para o Guitar Hero, não abro concessões.
Não até inventarem um Harmonica Hero.

Don Draper dança minueto

O que o melômano sem formação teórica percebe da música são melodias e harmonias e, vez por outra, surpreende-se com as estruturas. Não por acaso, a música é popular não somente quando as melodias e harmonias são simples, mas porque as estruturas são intuitivas, sem sofisticação.

A criação publicitária ficou nesse mesmo “been there, done that” por décadas. Ainda que o pensamento tenha evoluído e “as ideias estão em toda a parte” seja um leitmotiv (planejamento criativo, mídia criativa, atendimento criativo, criação criativa), o clichê nem sempre é real.

Nas novas plataformas de comunicação, é um equívoco isolar-se das estruturas, sempre novas, que movimentam o comportamento das pessoas. A mídia display, recentemente ainda soberana, perde espaço para as novas experiências de engajamento dos consumidores. É preciso, sim, envolver-se com mecanismos mais técnicos, caso contrário a criação – como ela ainda é – não passa de decorativa.

É difícil quebrar o ritmo, chacoalhar as mentalidades calcificadas por sistemas embriagadores que funcionaram por tantos anos. Os festivais e prêmios publicitários, apesar do esforço de renovação, são o exemplo mais evocativo do vício do qual a criação publicitária clássica padece.

A menos que resignifiquemos a palavra criação publicitária, ela não passará em breve de uma especialização, uma necessária mas não crucial atividade, perdendo sua centralidade e atratividade para as marcas. Decoração versus arquitetura.

Mad Man é charmoso mas, se ainda parece que os modelos de trabalho atuais são parecidos com os da Sterling Cooper, então continuamos fazendo minuetos e sarabandas na criação publicitária.

A mídia de massa é advogada do diabo

Sempre que uma tragédia ocorre, a já eterna discussão sobre liberdade de expressão e Internet inflama as mentes. Radicaliza-se de ambos os lados, seja defendendo um território livre e amoral para a Internet, seja enaltecendo valores tradicionais e achocalhando a produção livre de conteúdos.

É cansativo entrar nesse debate porque todo argumento levado a esse extremo pode estar certo. É  essa mania que as pessoas tem de construir barricadas para a falta de opinião ou para uma opinião torpe, suja, preconceituosa, interesseira: “Vou aqui fazer o advogado do diabo”.

A Internet taí e as pessoas, queiram os advogados do diabo ou não, usam e abusam dela. Para se expressar. Sim, livremente. Mas essa liberdade, todos sabem, é condicionada pelas leis, pela moral, pelos valores. Como na vida de todos os dias, como na vida da rua.

Bin Laden mandou avisos para os Estados Unidos durante anos. Seus discursos circulavam em aparelhos de videocassetes, em fitas-cassetes, em praças públicas, em conversas na Medina e depois na Internet também. Disse o que faria. E fez.

A opinião não é um delito. O discurso não é um delito. A expressão não é um delito. Delito é o fato. Se o marido diz para sua esposa “Vou te matar” e não mata, não fez nada. Mas, se mata, será condenado por matar, não por avisar que mataria.

A Internet não tem nada a ver com essa discussão, pois, se o assassino filmou-se antes de cometer sua barbárie, ninguém viu. Mas, que ironia, depois do atentado, a mesma mídia dos advogados do diabo populariza sua mensagem louca. Dá lhe voz, difusão e credencial.

Em nome de quê? Da mesma liberdade de expressão dos defensores extremados da liberdade na Internet.

No mundo em que vivemos, com a Internet do jeito que é e sempre será, queiram os advogados do diabo ou não, difundir é muito mais sério e irresponsável do que fazer.