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Os novos fantasmas da propaganda

Muitos anos atrás, a Internet era uma curiosidade intelectual, como o hermafroditismo dos cavalos marinhos ou o matriarcado das sociedades celtas primitivas. Como é da natureza de todas as idéias divergentes, com o tempo, o assunto tornou-se alvo de ideários inflamados, com argumentos simplórios, como as boutades conservadoras do premier israelense ou de algum ditador africano.

Mas já há alguns anos, a Internet tornou-se uma coceira agradável no discurso de muitos profissionais de comunicação. Uma feridinha que a gente acalenta com prazer, um pecadinho, íntimo, gostoso.

É que na Internet, muitas frustrações se acobertam e o ambiente sorri de volta a ambições fora de moda.

Se a mídia tradicional fechou suas portas para experimentações e ousadias desconexas, temos a Internet para veicular nossas quimeras no Youtube. Se a mídia tradicional encafifou com a forcinha espontânea que sempre deu a idéias originais, sempre haverá um blog “muito influente” afim de dar cobertura gratuita.

Então vemos surgir defesas mirabolantes para investimentos eufemisticamente corajosos: “põe na Internet que a coisa se espalha!” ou “vai dar mídia espontânea”. O intangível e incontrolável justifica.

É assim que nascem os cases de vaudeville que se empilham nos festivais de propaganda.

Instagram é o novo Prozac por José Porto

Café da manhã em NY, pôr do sol poético na Serra da Bocaina, um novo olhar sobre aquela placa de rua feia, almoço exótico num mercado de rua em Hanói, um ângulo descolado onde sua casa fica melhor que aquelas que saem na Casa Vogue.

A vida no Instagram é assim: por alguns segundos você vai se sentir melhor imaginando o que as pessoas estão pensando sobre sua vida sob efeito de filtros glamourizantes. E de quebra você descobriu um novo talento: nasce um novo Helmut Newton.

Tendência hype? Não. Sintoma de Depressão Pós-Photoshop.

Depois de ficarmos inteligentes em 140 caracteres e compartilharmos momentos importantes via Facebook, as imagens falam mais que mil palavras – e com filtros falam mais que um milhão!

O sintoma não se restringe a nós, publicitários e descolados hiperconectados em geral.

Daniel Winter, fotojornalista do NY Times, causou um reboliço na comunidade internacional de fotógrafos profissionais.

Ganhou 3o lugar num respeitado prêmio, o POYI (Picture of the Year International) com uma foto feita com o seu iPhone e devidamente “filtrada” usando o aplicativo Hipstamatic – uma espécie de Instagram sem ferramenta social.

A série de fotos de onde saiu a bendita premiada foi feita em novembro, no Afeganistão, para uma matéria do jornal sobre a vida dos soldados americanos na guerra.

As fotos poderiam estar no seu timeline do Instagram: soldados ouvindo iPod e rindo, um cachorro se espreguiçando na mata, cartuchos de bala jogados no chão fazendo uma bela composição gráfica (veja aqui: http://nyti.ms/bKrWLA).

Questionado, o fotógrafo diz que a estética tem papel determinante na maneira como vemos o mundo e que não somos máquinas de fotocópias ambulantes. Somos contadores de histórias (ou “storytellers” como se gosta de dizer…).

Certo ou errado, a guerra no Afeganistão ficou visualmente linda e a vida dos soldados ganhou um quê de glamour antes impensável para tal contexto.

Não estamos no Afeganistão, mas a vida como ela é cansa, é feia e crua. O Instagram e seus similares nos dão o privilégio de burlar tudo isso e contar uma história mais interessante. Tendência? Não. Sintoma de Depressão Pós-Geração Y.

E é contagiosa.

Tá chato? Feio? Sem chiqueza? Põe um filtro, uma legenda engraçadinha, meio criptografada, meio piada interna e pronto. O Instagram deixa a vida mais suportável.

@zeporto

Ridiculite, você ainda vai ter uma

Trataremos hoje da principal inflamação social do mundo hipermoderno, mais conhecida como ridiculite.

Os sintomas da ridiculite podem ser resumidos em duas alterações de comportamento típicas e evidentes.

Ao primeiro, daremos o nome de “auto-shooting”. No seu estágio mais primitivo, o sintoma é a autoveneração fotográfica. No seu desenvolvimento irreversível, o “auto-shooting” passa a comandar todas as atitudes do doente, que tira foto de tudo e de todos, a todo instante. É o que os médicos chamam de cliquite.

Ao segundo, daremos o nome de “over-sharing”. No início da doença, o sintoma se desenvolve numa procura adolescente de afirmação e hiperidentificação. Já para os estágios mais avançados, o “over-sharing” é uma espécie de gagueira social compulsiva, ou aquilo que os psiquiatras chamam de dadite.

A ridiculite é uma inflamação subcutânea, de ação prolongada e degenerativa. Extremamente contagiosa, a doença já assumiu proporções de epidemia. A ridiculite é transmitida por um agente patogênico que se traveste de variadas aparências. Seu grau de adaptabilidade ao ambiente e à vítima torna seu combate direto  praticamente impossível. No entanto, como a dengue, a ridiculite deve ser combatida no criadouro, cujo epíteto genérico convencionou-se chamar de rede social.

Para filósofos de bigodinho e bermuda fashion, tendência e sintoma c’est la même chose. Portanto esqueça a patologia: auto-shooting e over-sharing é megatendência

Internet para conectar?

A Internet foi imaginada, criada e comeu tutano com base em princípios de nobre cunho: acesso democrático à expressão, à comunicação e ao conhecimento por um lado e simplificação, aceleração e abrangência de intercâmbios de toda natureza por outro.

Diante da explosão do uso das redes sociais – 90% da população de internautas afirma ser para lá que se dirigem preferencialmente – muitos gostariam de ver nesses ambientes o futuro concentrador de todas as atividades e interações da Internet do “futuro” (entre aspas). Seria nessas plataformas concentradoras que as pessoas se relacionariam, expressariam, transacionariam, se informariam etc., quase que exclusivamente. E, com muita sede, os agentes (Facebook, Google-Orkut etc.) se mobilizam para diversificar ou colonizar territórios que não lhes eram fundadores.

Mas se analisar com alguma sutileza o comportamento e as pulsões por trás do uso das redes sociais, em seus usuários, parece haver algo que contraria a própria gênese da Internet: sua autocentralidade. As redes valorizam, facilitam e enaltecem a individualidade muito antes da sociabilidade. Basta fazer um exame, sem hipocrisia, de sua própria convivência nas redes sociais: eu primeiro, os outros depois. Faz sentido, é humano, genuíno e não há nada de artificial nesse comportamento. O espelho sempre foi e será o iniciador do despertar para o mundo.

Qual é a contradição, portanto, se a contradição existe? A Internet foi criada antes para conectar. As redes sociais inserem-se como uma luva nesse princípio – e por isso florescem – mas desviam-se rapidamente para o culto da autoimagem, autoexpressão, autossexuação.

Por isso, parece haver um desarranjo quando se arvoram nas grandes redes a ambição de dominação e a concentração das atividades online. Imperceptível mas crescentemente, não parece ter lógica vislumbrar um futuro desses, contrariando todas as tendências numéricas.

Mais parece uma espécie de marketing monopolista do que uma realidade inescapável.

O que torna a Internet forte é que nenhum interesse parece ter prevalência sobre nenhum outro, e mesmo que algum tipo de monopólio se fundamente, em curto espaço de tempo a autogestão orgânica da rede trata de rebaixar sua influência. Ainda bem.

O triunfo da criatividade é a mídia de massa

Um grupo de cem arqueiros certeiros é menos mortífero  do que uma chuva de flechas.

Um exercício simples pode trazer muitos incômodos quando auscultamos as fan pages ou comunidades de algumas marcas nas redes sociais. Caem por terra muitos preconceitos e essa simples observação contradiz as mais acuradas das pesquisas. Quando inventarem uma ferramenta capaz de desenhar o retrato-falado médio de uma comunidade dessas vai ter muita gente vendo sua marca, outrora orientada para um determinado público, revisando sua estratégia radicalmente.

A propaganda, que coteja a ciência, e que a cada dia procura ser mais cirúrgica no alcance de seus alvos, muitas vezes renega ou subestima sua maior virtude: a capacidade que tem de seduzir para além da previsibilidade dos objetivos.

A propaganda só alcança seu máximo poder de fogo quando emociona, engaja e compromete o mais insuspeito dos targets: a diet-freak a tomar cerveja, o gordinho a correr, a perua a comprar na fast-fashion, o classe média a se endividar por um carrão.

Uma marca de luxo não faz propaganda para vender suas preciosidades para quem pode mas para quem não pode, uma marca popular não faz propaganda para vender suas bugigangas para quem não tem opção senão recorrer a elas, mas para dar-lhes prestígio e seduzir o outro lado da cerca. Pensar que trabalhamos para lembrar que existimos é ter em baixa conta a arma que manejamos.

Se o óbvio transpira nessas afirmações, ele está ausente em muitas estratégias nas chamadas novas mídias. Lá, vendem-nos o estado da arte da precisão e mensuração. E mais parece um disfarce para acobertar outras deficiências, como a falta de padrão, o baixo impacto, a pulverização, os formatos exíguos.

Claro que podemos ainda alardear os serviços prestados à cauda longa, que não pode se dar ao luxo de desperdiçar cartucho na esperança de fisgar prospects insuspeitos, mas quando estamos falando de grandes estratégias, dar tiros excessivamente precisos é a desculpa para a má propaganda ou justificativa para a falta de ousadia.

Quando a estratégia de mídia é nebulosamente calculada, em qualquer mídia, inclusive as novas, ela resgata a criação e dá-lhe espaço para transbordar de sedução. Fazer propaganda do Corinthians para o corintiano é bico, agora que tal fazer propaganda do Corinthians para vender uma marca para um palmeirense? Esse é um desafio para o qual não há técnica, não há ciência, não há TGI ou Analytics capaz de solucionar.

A libertinagem de opinião das redes sociais

De uma coisa ninguém fala, mas a explosão da popularidade das redes sociais, por trás de todos os superlativos positivos, secreta um efeito pernicioso: a intolerância. O que antes acontecia nos cochichos de salão e nos covis das colunas dos jornais é mais fértil nas redes sociais e germina e dissemina-se com a velocidade das más notícias.

Numa rede social, e principalmente na mais ácida de todas, o Twitter, deslizes éticos são desculpáveis pela falácia do espaço curto e grosso das mensagens. Bizarra  ironia usar o argumento de que em 140 caracteres não há espaço para perder-se em comprovações e argumentos, logo na Internet, em que a relação espaço x preço é tão favorável à verborragia, ao tempo e ao aprofundamento (muito diferente de outros veículos em que cada segundo ou linha é disputado e custa caro).

Educação, bons modos e correção ortográfica são detalhes. Nas redes, o poder de síntese não é qualidade, mas álibi de vulgaridade ou ignorância.

Propósitos racistas ou simplesmente imbecis também são tolerados como se toda afirmação digital acontecesse em um manicômio ou num tribunal nazista, desta vez, em nome de uma presumida liberdade de opinião.

A moralidade das redes também é relativizada já que, no faroeste da Internet, manda quem tem mais seguidores, amigos, portanto, poder de influência. Então, aqui, ninguém tem freio e deita e rola porque sabe que todo controle é vago, difícil e sem consequência. É serra pelada: cada um por si e Santo Mark Zuckerberg por todos nós.

Assim, qualquer infâmia repercute. Basta uivar uma merda que a alcateia faminta se encarrega de defecar nos trend topics. Uma espécie de fascismo com pele de cordeiro.

De longe, as mudanças são um soluço

Não é fácil entender como a onda do tsunami que devastou o nordeste do Japão andava a 700 km por hora.

Deve ter uma explicação que jamais serei capaz de entender.

Mas, quando nos afastamos do nosso mundo de todos os dias, somos capazes de refletir sobre e relativizar o tema central do mundo contemporâneo: Virilio diz que tudo é tão veloz que um dia chegaremos ao limite intangível, inobservável, da luz, e que nesse dia o futuro não mais existirá.

Aqui de baixo, contrariamente à onda do Japão, quanto mais perto estamos, mais rápido chega. As mudanças que vislumbramos e profetizamos com urgência não passam de um saltitar débil, aos olhos da águia que sobrevoa tudo.

Vemos a fragmentação exponencial das mídias e a desatenção extremada do consumidor como iminentes. Parece que a água bate na nossa bunda todos os dias, a cada nova manchete alardeada no quinquilhão dos soit-disant blogs de tendências de comunicação. É só alguém ter uma ideia aproximadamente brilhante e incertamente bem-sucedida que lá vem aquela culpa “Não lhe disse? Não lhe disse?”, ou aquela cobrança “Alguém já fez! Alguém já fez!”.

Mas o distanciamento analítico mora ao lado. Não é preciso ser nenhuma águia solitária para assistir a como tudo é moroso: é só sentar a bunda na poltrona, de cueca, com os neurônios em coma, e assistir às nossas mídias, novas e velhas.

Sobre o que conversam aqueles jovens sorridentes, sentados no banco de uma praça do Chiado em Lisboa, numa segunda-feira à tarde? O mesmo que tantos jovens da geração-Y que nos aporrinham com seus comportamentos superantenados, mega-aflitos, ultradispersos: merda, graças a Deus.

A incontinência da crítica na Internet

A crítica, assim como o riso, é própria do ser humano.

A crítica faz andar pra frente, e o riso, uma espécie de  antídoto, dá trégua à caminhada. A crítica dá rugas, o riso é anti-age. E, quando a crítica consegue divertir, é como um porre sem ressaca.

E, apesar do lugar comum (“criticar é fácil, difícil é fazer”), a crítica está na origem de qualquer fazer minimamente criativo. A energia inovadora nasce da crítica (ou autocrítica). É quando não concordamos, não gostamos ou não nos basta que surge mais inspiração. Referenciamo-nos, cercamo-nos de outras autorias e, consciente ou inconscientemente, criticamos para criar. Negamos, destruímos, relativizamos, para construir.

E a crítica alheia, maldosa ou condescendente, vulgar ou educada, do nosso próprio trabalho, também acende novas gasolinas internas.

Mas, porque o exercício da crítica é viciante, ela apaixona, e a paixão é uma doença incurável.

Daí vem a Internet: nego compra um megafone na liquidação e sai fazendo passeata por qualquer galinha atropelada.

Lidar com essa enxurrada de opiniões pode causar sérios danos ou muito sono.

Mas, afinal, incentiva-se ou censura-se? É bacana ver todo o mundo tendo opinião de tudo, sobre tudo e, pior, falando para todos despudoradamente?

Então vem o sábio da montanha e diz ” A crítica exige responsabilidade ou costas largas”. Em outras palavras, deixa estar, deixa fazer, e que cada um assuma seus próprios riscos ou acione seus pistolões.

Mas aí vai uma dica: se você tiver venta grande e incontinência digital, lembre-se do riso. Faça graça. A crítica gozada é sempre mais difícil de entender. A crítica que faz rir é também muito mais fácil de digerir. Isso afasta uma pá de problemas.

Cases, benchmarks e perucas

Todo o mundo já enfrentou seminários, palestras, reuniões ou simples conversas, ilustradas por cases apresentados como soluções exemplares para problemas idem.

Como é bem sabido, a douragem de pílula é prática comum: o acidente, o improviso, o chilique, os medos e os fracassos viram inspiração, transpiração, experiência, coragem e sucesso, num piscar de antônimos. A história belamente contada num vídeo cheio de efeitos especiais e trucagem funciona ainda melhor: ninguém pergunta nada e se deixa embalar pela alta voltagem.

Pode-se supor, no entanto, que alguns cases são realmente geniais, ultrapassaram a esfera dos amigos do Facebook, transpuseram a fronteira dos veículos-releases, tiveram audiências para além dos júris de festivais e deram resultados que não se contam em milhões de views no YouTube, mas em mudanças de paradigma de consumo, transformações de categorias e, por que não, abalos culturais.

Existe um determinado tipo de pessoa com o dom transcendental de citar cases alheios como respira, para qualquer situação. Esses arrotadores são da mesma espécie daqueles outros com o talento de encaixar pesquisas como vírgulas numa frase. Esses indivíduos  são também chamados de especialistas, sumidades, e por que não, eruditos.

Então, para todos esses gênios da raça e da memória, Consultores & Co, Workshops-rats, stoarm-blogs e Google-planners, para todos os Kicker-cases, devolvemos-lhes com a mesma moeda, de Schopenhauer.

“A peruca é o símbolo mais apropriado para o erudito puro [Kicker-case]. Trata-se de homens que adornam a cabeça com uma rica massa de cabelo alheio porque carecem de cabelos próprios. Da mesma maneira, a erudição [Kicker-casismo] consiste num adorno com uma grande quantidade de pensamentos alheios, que evidentemente, em comparação com os fios provenientes do fundo e do solo mais próprios, não assentam de modo tão natural, nem se aplicam a todos os casos ou se adaptam de modo tão apropriado a todos os objetivos, nem se enraízam com firmeza, tampouco são substitutivos de imediato, depois de utilizados, por outros pensamentos provenientes da mesma fonte.

Os eruditos [Kicker-cases] são aqueles que leram as coisas nos livros. Os pensadores são aqueles que as leram diretamente no livro do mundo.”

Atrofia de 140 caracteres

Imaginemos o ano de 2300.

A Terra tem algumas dezenas de bilhões de homens; florestas e praias estão em museus e falamos chinês fluentemente.

As pessoas são mais altas, mais velhas e mais ociosas do que nos séculos anteriores. O trabalho é um luxo, um hobby ou um vício.

A produção de todos os bens é automatizada, autossustentável e sintetizada, já que o planeta está oco como um queijo suíço.

Os governos não se preocupam mais com guerras, nem com exploração e beneficiamento de riquezas, mas com ocupação do tempo. Imensos movimentos de terapia ocupacional são subvencionados, mas a produção manual, artesanal ou artística gera insuperáveis acúmulos de sucata. Por isso, normas internacionais exigem licenças raras para a produção física. Todas as energias concentram-se nas manifestações virtuais perecíveis.

A humanidade inteira entrega-se à curtição. Estéril.

Não há mais luta de classe, nem de raça, nem de sexo nem de religião – que não há mais. Nem divergências políticas, nem polêmicas, nem de opinião. Não há fatos, nem história.

Nada de drogas, álcool, esportes, sexo. Angrybird virou mania global.

De volta aos anos 2000.

Quando o conhecimento vira consumo, a luta vira esporte e o cinismo, a religião, a preguiça é epidemia.

A curiosidade superficial, fruto dos estímulos de 140 caracteres e das simplificações indexadas, atrofia a existência.

Os índios somos nós

Ontem, Raoni, líderes de várias nações indígenas e ambientalistas foram entregar, em Brasília, um abaixo- assinado contra a hidrelétrica de Belo Monte. Raoni foi recebido por algum preposto de subnada e a manchete de um jornal em seu portal dizia “Índio não quer usina”.

Foram 500 mil assinaturas, arregimentadas na internet, em redes sociais. O resultado, impressionante considerando a rapidez da mobilização, mal sensibilizou o ministro das Minas e Energias que respondeu que a construção estava prestes a começar.

O fato ilustra o descompasso de uma instituição que permanece outorgando-se uma missão de representatividade popular, há muito perdida: o Estado.

Quando meio milhão de pessoas se manifestam deliberadamente, o ministro, de cínica pantomima, devolve com a chantagem típica do populismo de gabinete: “é Belo Monte ou usinas termoelétricas poluidoras”.

Ao nobre líder de uma luta que dura 30 anos, só resta rasgar a petição. À população que assinou conscientemente o pedido, só resta rasgar seus títulos de cidadão.

Pagamos impostos eletronicamente, mas ainda estamos muito longe de qualquer suspeita de democracia participativa.

Em um mundo cada vez mais conectado, em que populações inteiras se reúnem em redes autossuficientes e que elegem seus líderes e ideologias, o Estado, até em autoproclamadas democracias como a nossa, permanece míope ou fantoche de interesses imediatistas.

Ministro Lobão, Presidenta Dilma, o meio-apagão-meia-boca de São Paulo não é mais importante que o pedido dessas pessoas que ontem, pacificamente, portavam a voz de milhões.

A pressa é a antítese da alma

– Claudia, o que é isso colado no vidro do escritório, atrás de você? Tira isso!
– Mas, Steve, isso é um texto muito lindo e verdadeiro.
– O que é?
– É a palavra do Senhor. Está na Bíblia!
– Bíblia?
– Sim, na Bíblia, você deveria ler.
– Está bem, Claudia. Me faz uma apresentação disso em bullet-point, por favor, e tira isso do vidro.

Que gringo insensível, desrespeitoso, sem alma.

Mas no mundo de hoje, não há mais espaço para contemplação, meditação, poesia e sutilezas. Quanto mais rápidos nos tornamos, menos adjetivos, menos metáforas sofisticadas. Proust já teria morrido de fome e Tolstoi e Balzac, e Saramago também.

Estamos nos tornando mais nervosos, sem paciência. Temos pressa de ir ao âmago sem atalhos sensoriais. Fome de comer sem mastigar.

Todo piano tem uma tábua de ressonância. É a alma do instrumento, por sobre a qual deitam-se as cordas. Um Steinway usa pinho de Riga, cultivado em Riga mesmo, a uma altitude precisa de 900 metros do nível do mar, que só pode ser abatido quando alcança a idade precisa de 22 anos, quando então passa por precisos 5 anos de descanso, até poder ser usado. Um Yamaha usa a mesma espécie de pinho. Mas seu plantio, abate e descanso respondem às necessidades do mercado. Mais encomenda, menos tempo. Um Steinway é um Steinway, e um Yamaha, bem, um Yamaha, que usa o mesmo material que um Steinway, é, e sempre será, apenas um Yamaha.

Como o primeiro movimento do concerto número 4 de Beethoven tem no mínimo 19 minutos e no máximo 20, sempre, qualquer que seja o intérprete e a demanda, nenhum solista sério quer tocar num Yamaha, nunca.

O que se perde com a pressa é precisamente precisão. E com falta de precisão, o que se perde? Alma.

A imprensa de soluço

– Bom dia, seu Fernand.
– Bom dia, Dona Maria.
– Acabou o pão, a máquina de lavar quebrou e a sua cachorra comeu aquela planta que sua mãe lhe deu.
– Sei.
– E o Egito, hein? Que confusão, não?
– Sei.

Difícil imaginar o que fazia aquele punhado de gente manifestando-se no centro de São Paulo pela queda do Mubarak. Talvez tropicalizados descendentes dos faraós ou a associação de egiptólogos de São Paulo ou, quem sabe, entusiastas cool-hunters provando que a cidade está no epicentro hype do mundo.

Mas, se pensarmos bem, não é pra menos. Cinco em cada cinco manchetes dos jornais dos últimos 10 dias falam do Egito como se fosse da Freguesia do Ó. Conhecemos mais as ruas do Cairo do que os becos de São Mateus. Sabemos mais da política do Oriente Médio do que das negociações de cargos do governo. Conhecemos melhor o canal de Suez do que a Volta Grande do rio Xingu, onde vão construir uma bomba-relógio chamada Belo Monte.

A imprensa, se não é sensacionalista, se não é rasteira, se não é míope, se não é vendida, é, pelo menos, incrivelmente enfadonha e repetitiva.

Da próxima vez em que ligar o noticiário, pergunte-se se ainda existe alguma coisa que você queira muito saber sobre o Egito que ainda não tenha sido dita e que possa ser dita.

E, da próxima vez em que você responder que já sabe tudo e que o Egito é lindo mas é lá nas arábias, procure o que você não sabe, por exemplo, sobre o Brasil e o que está acontecendo agora, na sua venta.

A imprensa tradicional (vide, em veículos passivos), na busca pela audiência a qualquer custo, sofre de soluço perpétuo. Soluço excitante para uma audiência cada vez mais senil.

Censurar ou não censurar conteúdos colaborativos

Na propaganda eleitoral gratuita, um ex-presidente enaltece a “transparência” suscitada pela “Internet e Facebook” como uma nova exigência pública que transforma os comportamentos políticos. Mas é tão ingênuo acreditar que a Internet é causa quanto crer no poder transformador de uma ferramenta.

A origem das invenções humanas se perde na noite dos tempos e sua gênese raramente está associada à necessidade. Os Mayas inventaram a roda, usada em brinquedos de crianças, mas nunca a utilizaram como ferramenta porque não viam nela nenhuma aplicação técnica. O princípio do pistão a vapor também remonta a muito antes da era industrial, mas quem é que poderia achar útil substituir milhares de escravos baratos e com capacidade de autorreprodução por máquinas? A Internet não causa nada, nem o Facebook.

É evidente que após um tempo toda ferramenta se autoalimenta de necessidades, transformando-se. Dessa forma nascem afirmações como a do ex-presidente, falsas na explicação, mas possíveis na prática. Na Internet, mentira tem perna curta (talvez não por causa, mas por consequência).

Mas essa afirmação também é ingênua.

Os governos totalitários, assustados com a capacidade de propagação de ideias subversivas, tiveram como comportamento inicial a censura ou o controle da Internet. Mas já há algum tempo que esses próprios governos – os menos imbecis – perceberam que a Internet pode ser utilizada a favor de suas ideologias e que isso é mais eficiente e barato do que proibir. Assim, fazem exatamente o mesmo que seus opositores, a saber, difundem-se publicitariamente.

A mesma regra, simples e lógica, deveria ser entendida amplamente também pelas marcas.

Com a Internet, a censura tem pernas muito mais curtas do que a mentira.

Os clubes das inutilidades coletivas

Não, eu não quero comprar a nova safra de nenhum vinho. Não, eu não quero desconto na academia. Não eu não quero branquear meus dentes, nem uma pizza de graça na compra de uma esfiha.

Não, não e não, eu não quero comprar nada que eu não queira. Já sou bem crescidinho pra saber que, se eu quiser um desconto de 50% em alguma coisa, é só juntar uma galera com a mesma intenção.

Alô, gênios, essa revolução aconteceu séculos atrás quando descobrimos que, quanto maior a demanda, maior a economia de escala e, portanto, menor o preço.

É justamente por isso que a gente faz propaganda para um monte de gente, partindo da premissa de que as pessoas têm desejos inconscientes de coisas que eles nunca imaginaram querer. É o que chamamos de geração de demanda. Gerando demanda, o preço cai, parabéns aos brilhantes garotos que inventaram os famosos clubes de compra online.

Parabéns também aos milhões de dementes que se conectam com esses clubes porque eles certamente irão fazer incríveis negócios, mesmo que jamais os realizem. Toda mulher de malandro sabe disso: se não encontra afago positivo, leva porrada. E gosta. Afinal de contas, quem resiste a uma liquidaçãozinha? Mesmo que não seja o seu tamanho nem sua cor preferida, com esse desconto também, pudera!

Toda essa genialidade reunida balançou o rabo na cauda longa e a cauda longa deu a pata. A mídia também, sedenta de um assuntozinho qualquer para preencher a editoria de Nova Economia, já vaticinou a surpreendente, estonteante tendência. E lá vai a velha economia, do alto de seu empoeirado poleiro, solicitar planos, estratégias, para abocanhar também este novo mercado.

Enquanto a economia da miséria humana consome emagrecimentos milagrosos e outras mezinhas, tem gente enchendo a pança, vendendo a privacidade alheia.

60% da receita publicitária do Facebook é a-agência

O Facebook faturou no ano passado 1.86 bilhões de dólares em propaganda. Para uma empresa que ainda usa fraldas, é um resultado e tanto. Se esse número não chega a embevecer as megacorporações da mídia, o que impressiona é que 60% desse resultado é a chamada propaganda self-service, portanto sem agência de propaganda alguma no meio.

Em Nova York, depois que os fast-foods viraram o capeta da supercalórica fome americana, a nova tendência de comida barata (sim, tendência não é só pra arroto de rico) é invenção nossa: o serve-serve-a-quilo. Pelo menos enquanto a comilança a quilo não vira alvo da nova ativista Obama. O serve-serve-a-quilo é a proeza do paga  quanto pode comer. Ideal, mas constrangedor, seria pesar o cliente antes e depois da refeição, numa espécie de success-fee. Mais ou menos como a propaganda-monte-seu-prato do Facebook.

Aqui no Brasil, a miséria é pretexto sem-vergonha. Para um certo tipo de turismo, por exemplo. Para um certo tipo de diversão. Para um certo tipo de arte. É nossa maneira de esconder e aliviar a vergonha. Dilúvio sem precedente: lá vem aquela enxurrada de ajuda voluntária. Nego mora na tosqueira: lá vem aquele desfile cheio de brilho e nobreza. Cidade horrenda e suja: grafitti é arte, gente! Mais ou menos como a propaganda-faz-de-conta das grandes marcas na Internet.

Pangloss, o profeta do “tudo está bem no melhor dos mundos possíveis” acabou pedindo esmolas, sem perna nem braço. Filosofar sem mau humor dá nisso.

Rede social: a festa do cabide

Nenhuma festa suporta penetra de porre. Mas se o abelhudo for cativante e educado, pode até virar vedete e roubar a cena.

Metida e petulante, a propaganda é a arte de se meter onde não se é chamado. Uma definição interessante para a boa propaganda é quando ela consegue tornar essa intromissão menos atrapalhada e desagradável.

Em mágicas situações, a propaganda honra o espaço que nos surrupia, ilustrando, ifluenciando e inspirando nossa rotina. É quando a sogra comenta com o genro: “Você viu aquela propaganda?”. Deve ser o que gostam de chamar de conteúdo para dar cartas de nobreza à profissão.

Tem muita gente que ainda entende que a propaganda é legítima convidada. Afinal, ela paga caro. Mas como nenhum convidado da festa recebe um centavo por isso, sua situação piora muito. Quem paga para aparecer comprou o título de nobre falido. É novo-riquismo, arrivismo, esnobismo, puxa-saquismo. O farsante não falsificou o convite, mas comprou o promoter que, se não enganou o anfitrião, ludibriou os convivas.

Deve-se portanto, estudar antes de driblar a segurança. Como se vestem, do que falam, o que olham, o que comem, como se portam os festeiros. É preciso adaptar-se ao ambiente e, paulatinamente, mimetizar-se. Só quando a confiança está ganha a sedução pode desdobrar-se diabolicamente.

Imagine agora que a festa não é daqueles convescotes cheios de interesses mascarados, em que a pose é mais importante que o discurso. Que a festa não é de firma, nem de negócio. A balada é convivial, entre amigos. A gente quer falar, fofocar, trocar, aprender. A gente quer tocar, amolengar, aconchegar, xamegar, afagar e, quem sabe, kcuf kcuf no final. Ou, mais careta, o  encontro existe para suprir a necessidade de sobreviver na selva do drama humano, de se segurar uns aos outros, de se atribuir relevância existencial, mesmo que fugaz, de se espelhar, de se dar gozo, de se consolar no próximo.

Imiscuir-se nessa barafunda de desejos e pulsões potencializa o desafio do penetra. Afinal de contas, o malandro tem interesses escusos. E muitas vezes quer vender enciclopédia a analfabetos.

Podemos chamar essa festa de rede social e pouco importa se ela é virtual ou presencial.

Já se disse que o prodígio do capitalismo acnegênico, Mark Zuckerberg, inventou o Facebook porque não comia ninguém. Essa é a poética das redes sociais: quem participa tem fome.

E que diabo pode uma marca patrocinar nessa suruba de potencial ou de direito?

O erro clássico consiste em nutrir a quimera de achar que nas redes sociais as marcas podem, mais naturalmente, integrar-se, fazer parte, ser atrizes antes de agentes. E a tentação é grande porque festa mais barata parece catraca livre.

Não é bem assim porque as marcas são e sempre serão, qualquer que seja a plataforma de comunicação, de agora ou daqui a pouco, intrusas.

Os esforços mais bem-sucedidos são eminentemente promocionais e como reza a ortodoxia do marketing, esse P custa muito caro.

Se uma marca não consegue intrometer-se com delicadeza, educação, inteligência e criatividade na televisão, por exemplo – festa bem mais família e comportada – não é nas redes sociais que ela vai conseguir resolver sua prática canhestra de catequese, convencimento ou engajamento. Se ela não consegue,  nas mídias ditas tradicionais, conter a gritaria, a demonstração piegas, a apelação batida, nas redes sociais a truculência fica ainda mais ridícula. E cara, caríssima, carissíssima.

É quando a tendência, sempre excitante, mascara a ferida.

Artigo originalmente publicado no Meio & Mensagem de 17/01/2011

Orkut X Facebook em Cajamarca

De um lado, o velho comandava sua pequena força de sessenta cavaleiros e cento e poucos homens a pé. Do outro, o imperador pimpão à frente de um exército de 60 mil homens.

Por que Pizarro venceu Atahualpa, em Cajamarca? Cansados soldados venceriam um exército 400 vezes maior, bem alimentado, defendendo sua própria terra e seu Deus Soberano? Estratégia e desespero poderiam dar cabo de um império que dominara seus inimigos de forma implacável?

As probabilidades, felizmente, não explicam tudo. Muito menos a Wikipedia.

Mas a história é bem conhecida.

Pizarro tinha maldade no coração: convidou o imperador para parlamentar e o fez prisioneiro. Recebeu resgate riquíssimo mas descumpriu o trato e matou Atahualpa.

Mas Pizarro é um acidente de percurso que, com boa vontade, só acelerou em poucos meses a vitória. A Espanha teria aniquilado o império Inca com ou sem Pizarro.

Os brancos tinham eficientes montarias – os cavalos – armaduras resistentes – de aço – armas poderosas – com pólvora.

Dizem que o Facebook (4% de penetração) cresce no Brasil a taxas de 400% ao ano. O Orkut (40% de penetração) pula de 30% em 30%.

O Facebook tem os milhões do Goldman Sachs, e o Orkut, a soberania preguiçosa do Google.

O Facebook tem a fanática evangelização Yankee. O Orkut come pão de queijo, sem pressa.

Ainda torcemos, mas já vimos esse filme em Cajamarca, quase 500 anos atrás.

Vender ou ler

No Ipad não dá pra ler o último livro do Jonathan Safran Foer. O livro, todo recortado, página por página, mais parece uma lápide à mais formidável invenção humana: o livro.

As bibliotecas bocejam, os autores se aborrecem, as editoras soçobram. O imenso auto da fé e o pesadelo de Ray Bradbury em Farenheit 451 na porta da Apple: Ipads saindo de roldão.

O que será da promessa de universalização do conhecimento com os e-readers? O que será da democratização da cultura e da informação com a alforria das florestas de papel?

Vai ser mais barato, mais prático, mais rápido, comprar, ler, instruir-se, divertir-se, enriquecer-se?

No dia que um teleférico subir o Everest, o Everest não será mais o Everest. No dia do teletransporter, viajar não será mais uma viagem. No dia do sexo sem limite, obstáculo ou possibilidade do fracasso, o sexo divorcia-se-á do desejo.

Nem tudo que simplifica e espalha, enobrece.

Vender mais livro digital, por enquanto, só significa que se vende mais livro digital. E vender só significa vender. Vender, vender e vender não é nada além de vender.

70% de desconto? Fala sério

Se você tem a sorte (ou o azar) de estar na Europa ou nos Estados Unidos na época das liquidações, é muito comum deparar-se com histéricos compradores se arrancando produtos de marca com 50 ou 70% de desconto. A famosa liquidação anual da Harrods faz parte do calendário turístico de Londres, muda o trânsito na região e tem até mapinha, distribuído nas semanas que a antecedem, anunciando onde estarão espalhadas as ofertas. Uma verdadeira estratégia de guerra é preparada com cuidado, com treinamento especializado para acolher com sorriso os desesperos consumistas. É comum também ver hordas de brasileiros deambulando pelos corredores dos outlets americanos, delirando.

O pânico consumista tem efeitos psicológicos e conseqüências econômicas evidentes, embora navegue a léguas de distância da elegante tendência do consumo consciente. Às favas a responsabilidade!

O consumismo é o mais eficiente anti-depressivo psicológico e econômico.

No ambiente virtual, também temos nossas Mecas e são os famosos clubes de compras, esses flash-mobs comerciais que acotovelam-se nas redes sociais.

Posto de lado o balsamo espiritual que o consumo inútil provoca, é evidente que os clubes de compra coletiva têm por terreiro fértil os empreendimentos da cauda longa. Se o Marc Jacobs de Nova York pode oferecer 70% de desconto na sua loja porque não as clínicas de branqueamento dentário tupiniquins?

Ademais a metafísica da precificação da economia de mercado (preço não tem nada a ver com valor, como dizia o velho barbudo), uma marca dita “séria” pode ver vantagens em escancarar descontos faraônicos nesses clubes.

Uma pessoa sensata – se é que existe – ficaria com o gostinho amargo de ter sido ludibriada nos 364 dias em que a promoção não está vigente. Nenhuma economia de escala explica 50% ou 70% de desconto.

Mas uma marca pode e deve utilizar-se dos clubes de compra coletiva na linha “sampling” de seu budget de comunicação. E para isso eles podem ser incrivelmente úteis.

Mas fala sério! Não estamos no terreno da razão mas da compra por impulso.