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Nome na porta e pé na cova

Era um dia normal: atendimentos descabelando-se, criativos choramingando, planejadores arrotando e mídias atolados.

Caiu como uma bomba: Jailson estava de saída, recebera uma proposta nababesca. Há anos segurava o pulso do cliente, sobrevivera às trocas, às dissecações, aos esquartejamentos, a todas as crises e todas as vitórias, fugazes como todas.

Jaílson, Fênix, esteio, panteão da sabedoria, colecionador de piadas, intérprete das fofocas e léxico das intricadas relações interpessoais, passadas, presentes e projetivas que mantinham a conta na casa.

Jaílson, imiscuído nas intimidades de tal e qual funcionária chave, fizera malabares com as informações de toucador, e ainda alimentava paixões desassossegadas entre os altos escalões.

Jaílson ia-se cacarejar alhures, carregando consigo rugas políticas e uma extensa rede de favores à espera de compensação proveitosa.

Jaílson desertara. Jaílson, o criativo de todas as mágicas, o atendimento de todos as gingas, o planejador de todas as parábolas, o mídia de tantos Xis da questão.

Teríamos chororô, caça às bruxas, jogos de guerra, forças tarefas, almoços, jantares, planos mirabolantes para recuperar a estima do cliente e a autoestima dos encostados.

E se a conta entra em concorrência? E se contratarmos o fulano, o sicrano, o beltrano? Precisamos de um nome, um sobrenome, um pedigree de alta patente. Outro Bulldozer tarimbado. Uma tête d’affiche.

O tempo passou. A lembrança de Jaílson dissipou-se e não aconteceu absolutamente nada. Nem de bom, nem de ruim.

Não tem nada mais antigo do que cowboy que dá 100 tiros de uma vez. Não tem nada mais antigo do que agências com o sobrenome na porta.

Jaílson jazem.

Envelopar museu não é cultura

Certa feita, o maestro Eleazar de Carvalho, douto apaixonado, louco vacinado e romântico lúcido, procurava subsídios para uma tournée.

Na reunião de apresentação do projeto, o solícito diretor do possível patrocinador disse ao maestro que infelizmente, naquele momento, a marca não precisava de propaganda. Naquele tempo, storytelling transmídia ativaction by design social engagment da sustentabilidade da concha de su madre também era propaganda, sem viadagem.

Por obra da divina providência, naquele instante, os sinos de uma igreja próxima, dobraram.

– Está ouvindo, Senhor?
– Os sinos, Maestro?
– Sim, os sinos. Já fazem mais de dois mil anos. E se não tocam, ninguém vai à igreja. A Coca-Cola não precisa de propaganda?

Às vezes, esquecemos que é mais simples a vida: as marcas, as agências e as metralhadoras que todos os dias idealizam envelopar com projeção 3D em som surround tal patrimônio histórico para dar mídia espontânea, gerar conteúdo engajador e fazer o mundo entrar em transe hipnótico.

Às vezes, esquecemos que relevância cultural não tem target, idade, classe, arquétipo e gavetas lacradas que tais.

Às vezes, esquecemos que os rótulos atrofiam a criação.

Galera pulando de alegria, celebridades alugando sorrisos hipócritas e merchandising no domingão paga um belo mausoléu. Se tudo correr bem, serás o mais rico do cemitério. Miserere nobis.

O Iguatemi JK e a sagração publicitária

Tem gente que leva muito a sério a natureza primata do ser humano. O gozo pulsa numa espécie de compensação hierárquica: comer, trepar, comprar e etc. Coma para poder trepar, trepe para poder comprar. Ou qualquer outra cadeia semântica que tal.

Na atual conjuntura sócio-econômica-cultural do país, a propaganda brasileira se identifica com o esse coito interrompido: comprar é a sublimação do prazer. A propaganda desses pragmáticos é assim: “não me venha com a punheta intelectual, que eu já gozei”. Reclames com jogador de futebol de brinco flamejante, tele-apresentador cínico, atriz gritalhona, dá-lhe!

E o Iguatemi JK é a mecca das drag-queens de Louboutin, o play-ground do cabelo azeviche de BMW branca, a passarela das Goyards monumentais desfilando periguetes engomadas e Falcons inchados. O ideário publicitário não poderia encontrar mais pornográfica evocação.

E depois, Brasil?

Pagar a prestação, dar golpe, ou calote exemplar.

Comer, trepar, comprar, calotear.

E depois, Brasil?

Fernando Campos X Nizan Guanaes

Indicaram-me dois artigos sobre o festival de Cannes de 2012 que, como uma ladainha surrada, todo ano, concentra as atenções, mágoas e êxtases do mercado publicitário.

É provável que tudo já tenha sido dito, e não é de hoje, sobre o Grand Casino de Cannes. Portanto, não é sobre o fundo – batido – mas sobre a forma – reveladora – que a reflexão cabe aqui, ao ler os artigos do Fernando Campos no CCSP e do Nizan Guanaes na FSP (pessoas que não conheço, portanto sinto-me isento de interesses).

Primeiro, um artigo desabafo, vagamente metafórico, escrito com as tripas. Fernando Campos solidariza-se com suas próprias percepções e a sinceridade de suas palavras transbordam, perdoando o estilo ejaculatório. O autor não barganha elogios ou admiração, nem de forma indireta. É uma opinião sobre uma observação.

Segundo, um informe publicitário, trôpego, escrito no smartphone. Nizan Guanaes, depois da longa nota biográfica que serve de credenciamento masturbatório, se curte, se adora, se admira. O artigo é uma declaração de intenção explícita e um manifesto de autopromoção. É uma opinião sobre ele mesmo.

Cannes só tem graça porque anedotiza as duas faces típicas do profissional de comunicação: luxúria irada e volúpia gulosa. Fico com a primeira.

O messianismo (do Google e do Facebook) são armas de dominação em massa

O que caracteriza a sociedade de informação e do conhecimento, é a explosão de intermediários que disputam espaço e poder no impulso das pessoas.

A utopia do acesso livre e universal é uma quimera e as coisas ficaram paradoxalmente muito mais intrincadas.

Entre uma pessoa e a mais singela e banal das informações, existem muitas camadas de acesso e todas essas pontes tem pedágios. Entre qualquer conteúdo e um usuário existe o device (um smarphone, etc), o provedor de acesso (uma operadora), o software de acesso (um browser, um aplicativo), um organizador (uma ferramenta de busca), um agregador (o curador do conteúdo), uma plataforma de recomendação (uma rede social), uma comercializador (uma loja de aplicativos), e por aí vai.

Portanto, em princípio, entre uma marca e um consumidor, a via de acesso é muito mais complexa e fragmentada. A marca e seu conteúdo têm que pingar uma energia em cada uma das etapas, o que teoricamente encarece o custo unitário do impacto.

Quando se ouvem os apelos entusiastas de qualquer um desses intermediários (o Google, o Facebook, para citar os da hora) enaltecendo o extraordinário potencial de retorno de suas plataformas, eles mal disfarçam sua real intenção monopolizadora: concentração é poder.

Para as marcas, a concentração também pode significar uma economia de esforços, mas numa perspectiva estratégica, ela está empenhando a sua liberdade, caucionando seu poder e tornando-se deliberadamente vassala dos intermediários poderosos.

A contradição é flagrante: se uma marca acredita que tem capacidade de produzir conteúdos relevantes e engajadores para seus consumidores, por que ela iria se privar do direito e do poder de também dominar a distribuição desse conteúdo?

Por que o conteúdo de uma marca tem que concentrar o pedágio no Facebook, no Youtube? Porque ela não pode ter seu próprio canal? Por que o Facebook não pode ser simplesmente uma mídia? É só uma rede social e como tal é imbatível. Mais uma. Por que o Youtube não pode ser simplesmente um organizador de conteúdos em vídeo? É só uma infraestrutura inigualável de exibição. Mais um.

Não, não pode, porque seus modelos de negócio passam pela concentração. Dependem dele. Não, não podem, porque seus discursos de venda são messiânicos. Dependem dele.

Uma marca que acredita em seu próprio poder, em seu próprio conteúdo, não pode ser dependente de uma estratégia concentradora. Deve dividir e equalizar, fragmentar para reinar.

Pitch de gato e rato

Primeiro capítulo. O chefe vem aí. De tanto que já apanhou, vai bater de volta.

Segundo capítulo. A culpa, de quem a culpa? O bode? O bode? A agência, claro.

Terceiro capítulo. Vamos dar um susto neles. São recalcitrantes, lentos, caros. Não estão acertando. Não entendem. Não mastigam nossa idiossincrasia, nem aliviam nossos medos. E ainda se embriagam de Taittinger na Côtes d’Azur.

Quarto capítulo. Precisa ser um show. Para distrair, desfocar, armar um circo. Chama uma concorrência.

Quinto capítulo. Sapeca um briefing. Ajunta um pá de informações daqui e dali. Recheia o pedido de palavras que-é-pra-dar-uma-dica e frases que-é-pra-agradar-a-todos.

Sexto capítulo. Ratos, tremam e lambam os bigodes. Bastante dinheiro para aleitar as messalinas. Depois vira tudo pó de varejo. É assim mesmo. Somos assim.

Sétimo capítulo. Tem que usar um disfarce. Tem rato calejado por aí. Faz uma mise en scène. Arrisca uma pesquisa. Não vai ter auditor. Depois acochambra.

Oitavo capítulo. Escolhe os ratos mais gordos. Que façam um belo zoológico.

Nono capítulo. Sem tempo. Sem tempo. Sem tempo. Ouve o blablablá, faz de conta, preenche a planilha.

Décimo capítulo. O gato olha o rato que olha o gato que olha o rato. Para o rato, o gato é um gato. Para o gato, o rato é um prato, só um nhaco. O gato arrota o rato.

Fim.

Planejamento, o sonho do possível

Se o Planejamento nasceu de necessidades ou ambições associadas a evoluções do mercado de comunicação, e se idealistas criaram necessários dogmas e métodos, a especialidade continua indefinida, maleável apesar de convicta, sensorial apesar de exata. E talvez resida precisamente nesses paradoxos a pedra angular que faz do Planejamento uma sustentação do negócio de comunicação hoje e amanhã.

A disciplina polariza-se entre duas visões, aparentemente antagônicas mas muitas vezes concomitantes: a primeira atribui importância prima na quantificação das observações, a segunda dá maior relevância à intuição. Mas a evolução do negócio de comunicação que apartou as duas entregas clássicas – ideía (Criação) nas agências “tradicionais” e execução (Mídia) nas de “mídia” – forçou o Planejamento a assumir um papel que o distanciou da realidade e prática da comunicação.

Foi assim nos principais mercados do mundo, mas não é assim nos periféricos. A reflexão sobre o mercado no Brasil oferece uma possível alternativa para enfrentar os desafios presentes do Planejamento e por conseguinte, do negócio de comunicação.

A gênese do Planejamento

Se primeiro veem os fatos, se uma marca deve cerca-se de certezas para elaborar, prever, ambicionar seu futuro, ou se antes deve vir o ideário, se uma marca deve defender uma Missão e perseguir uma Visão, são duas questões que dividem opiniões e críticas.

Para alguns, a ciência se constrói sobre certezas observadas. Mas desde o dia em que constatou-se que a própria observação alterava o objeto observado – como em qualquer pesquisa, por mais discreta, bem moderada e analisada que seja – todo fato coletado passou a vir acompanhado de ressalvas que condicionavam as conclusões à condições de laboratório, portanto de duvidosa extrapolação para a realidade.

No entanto a vivência comprova que a ortodoxia pseudocientífica pode desembocar em estratégias de comunicação conservadoras, covardes ou que não conseguem tirar as marcas de um crescimento vegetativo. E como é fácil identificar, nas mais simples peças publicitárias, esse pensamento cartesiano ou quando muito genérico, incapaz de arrepiar o mais sensível dos consumidores!

Para outros, no entanto, certezas só podem ser obtidas a partir de uma intenção, de hipóteses inspiradas de musas criativas. A partir desse salvo conduto corajoso, é que a observação passa a corroborar o mistério da iluminação preliminar.

Mas essa espécie de criação antes da Criação, pouco técnica mas não menos intelectualizada, castiga uma Criação com referências elevadas, tendências mirabolantes e estímulos eruditos. E como é fácil reconhecer, na mais prosaica das reuniões de briefing, o transe dos planejadores confrontado ao desespero pragmático dos criativos.

Ambos os pontos de vista – “primeiro pesquisamos” ou “primeiro intuímos” – são métodos intercambiáveis, dependendo tão somente daquilo que cai no colo antes – os dados ou as ideias: na falta de dados, vamos às ideias; na falta de ideias, vamos aos dados.

Sobretudo, ambas os caminhos, enferrujam o difícil equilíbrio operacional de uma agência de comunicação. O planejamento-comme-il-faut que coleciona dados com obsessão, censura a liberdade e o planejamento-enfant-terrible que capricha nas metáfora, isola-se sem serventia.

Planejamento: o triunfo do hip

O eixo fundador, no entanto, passou por enormes transformações nas últimas décadas que, além de impactar no modelo de negócio, teve forte influência sobre uma certa visão do papel do Planejamento nas agências de comunicação.

A mais notável – e que talvez tenha deixado de frequentar os debates – é a separação entre o negócio de “criar estratégias e mensagens” e o negócio de “planejar e comprar mídia”. Nesse processo, no entanto, a disciplina de Planejamento esquartejou-se: do lado das agências de comunicação ficaram os planejadores mais “criadores” e do lado das agências de mídia, aqueles mais “matemáticos” (ou o Planejamento limita-se a ser um Planejamento de canais).

Qualquer agência minimamente influente no mercado, defende um planejamento parasita da Criação, distante da execução e principalmente alienado do comportamento de consumo de meios.

Planejamento: garantia e sonho para os clientes

O cliente flutua ao sabor dessa idiossincrasia.

Por um lado, brilham aos olhos dos clientes as ricas técnicas de pesquisa, cada vez mais profundas, rápidas, e pretensamente analíticas. O Planejamento que comprova os insights – mesmo que óbvios – é um escudo contra as incertezas. Por outro, a construção de um raciocínio mais elaborado, comportamental e filosófico, compensa as metas terrenas dos profissionais de marketing. O Planejamento quase sempre brilha nas apresentações aos clientes e é cada vez mais comum triunfar em detrimento até mesmo da própria ideia criativa.

Nunca dantes, o Planejamento conheceu tamanho prestígio. O profissional, nerd ou hip, é valorizado, super-valorizado, over-valorizado. O Planejamento é a grande estrela da sala de reunião e fideliza os clientes. Desde que o contrato entre uma agência e um cliente deixou de se dar pelo viés do relacionamento pessoal, o Planejamento é o elo perdido. É a ponte, muito mais lógica, muito mais inspiradora, entre o cliente e a agência. Da porta para fora das agências, o Planejamento salva as crises.

Planejamento muleta

Se o Planejamento tem seu papel circunspecto a uma crescente e sólida interface com o cliente (origem, inclusive da sua gênese), será esse, no entanto, seu destino? Voltar a ser o que foi? Só uma interface “pensadora” entre o cliente e a agência?

O planejamento não pode ser relegado a um mero papel de vitamina intelectual pois sua importância seria um luxo extravagante. O planejamento não pode ser a muleta a serviço dos calcanhares de Aquiles de uma agência de comunicação: uma Criação autista ou um atendimento acéfalo.

Brasil: o sonho do possível

O Brasil, como todo país periférico ao eixo fundador, ostentou por décadas uma adaptação publicitária de seus clichés de cartão postal. A propaganda brasileira era um brilho de alegria adolescente e maliciosa nas estratégias das marcas globais. Os pródigos publicitários brasileiros davam um sopro positivo e desenvolto nas campanhas, contribuindo de forma marginal a uma imagem mais universalista, democrática e sem preconceitos para as marcas. Esse ar mestiço, com o sorriso frouxo, era recebido com boa vontade para aliviar os debates dos fóruns internacionais das agências. Era também, muitas vezes, o trunfo “fora da caixa” e exótico.
A contribuição era, no entanto, mais facilmente retribuída nos festivais de propaganda do que nas estratégias globais das marcas. A propaganda brasileira, nos anos 80, colecionou centenas de prêmios mas raríssimas aparições na mídia do eixo fundador.

Afundado em políticas retrógadas que levaram o país a enormes gaps culturais e econômicos, crescimentos pífios, inflação galopante, indicativos educacionais decepcionantes e estagnação dos investimentos publicitários, o Brasil adernava e com ele todas as ambições de uma geração de profissionais acostumados com louros internacionais mas para marcas provincianas.

Na chamada década perdida (80), o Brasil quebrou duas vezes. O PIB bruto cresceu 17% no período, mas representou uma queda acumulada de 4% no dado per capita, sem melhorar a distribuição de renda e portanto sem aumentar o mercado consumidor interno. Já o investimento publicitário era equivalente a 0,5% do PIB, em média – bem menos do que os 1,2% atuais.

Não fosse mais um lugar comum, o país do futuro (sempre postergado), no entanto, despertou na virada do milênio, quando percebeu que sua força residia no mercado interno em detrimento de sua vocação de exportador de matéria prima e mão de obra. Na contramão do eixo fundador, o Brasil emergia quando o consumidor despertou de dentro do cidadão.

O Brasil dos anos 2010 é o país de uma nova classe média ingênua e ávida, combinação perfeita para nutrir todas as esperanças de corporações saturadas em seus mercados de origem.

A economia brasileira ganhou destaque recentemente, quando passou a ser a sexta maior economia do mundo – ultrapassando UK. Apesar de ser um marco, essa mudança andou junto com outras importantes: entre 2000 e 2010 o PIB per capita deflacionado cresceu mais de 30% e o índice de Gini caiu 10%. No começo da década, as classes C e D representavam 37% da massa de renda brasileira, enquanto a classe A respondia por 30%. Hoje, esse número é, respectivamente, 59% e 16%.

No entanto essa Meca consumista ainda apresenta enormes obstáculos estruturais. O desafio das marcas transcende em muito as calejadas estratégias globais acostumadas a tudo planejar com método, racionalidade e antecipação calculada. As alternativas pasteurizadas não vencem uma população acostumada a usar de enorme criatividade para vencer os desafios da sobrevivência. As saídas “mínimo-denominador-comum” são frias para um consumidor empoderado.

A solução fácil é portanto recorrer a gritarias varejistas, endossos de celebridades locais e uma mídia repetitiva e massiva, mas os consumidores só aderem às ofertas e esnobam as marcas magistralmente.
Distribuindo conteúdos de comunicação mastigados para o estômago “global” ou recorrendo a apelos varejistas vulgares, as marcas globais enfrentam enormes desafios no país para conquistar o coração dos consumidores.
A defesa do negócio da propaganda no Brasil

Fruto das vicissitudes de um país economicamente oprimido por décadas, o mercado brasileiro de comunicação, passou ao largo da especialização excessiva. As agências brasileiras ainda oferecem às marcas um serviço abrangente que inclui, por exemplo, serviços de inteligência e compra de mídia. Essa oferta ampla permite uma visão holística da comunicação, que vai do impacto broadcast de uma mídia de massa ao engajamento dos consumidores com os conteúdos das marcas nas mídias digitais.

Frente à explosão dos meios e formatos, acompanhada de uma adesão rápida e entusiasmada da população, inclusive e sobretudo a chamada nova classe média (Até pouco tempo atrás, a internet era um território quase completamente povoado pelas classes A e B. No entanto, desde 2005, a classe média cresce seu volume de usuários em 30% ao ano. Nesse contexto, 2011 foi um ano simbólico: a Internet brasileira passou a ser composta por 50% de usuários da classe média) à Internet, as agências de comunicação brasileiras nunca abriram mão de sua operação de mídia.

Parecia vital não permitir a entrada no país das agências especializadas na compra de mídia. O mercado garantiu assim, não somente uma rentabilidade segura, mas principalmente uma inteligência e um pulso permanente com a realidade do consumo de meios, canais e conteúdos. Assim, sem perder a capacidade de conjugar mensagem e meio no desenho das estratégias de comunicação das marcas, as agências de comunicação brasileiras permanecem um parceiro estratégico para os anunciantes, apesar de obedecer às imposições globalizantes ou varejistas.

Do total de investimento publicitário brasileiro, em 2011, 88% foi intermediado através de agências de propaganda clássicas. Essa proporção se mantém desde que a lei 4.680 que veda a entrada de bureaus de mídia no país foi promulgada em 1965.

Planejamento: o triunfo do hip II

No Brasil, assim como em mercados desenvolvidos, e apesar de ainda beneficiar-se de todos os recursos de inteligência de mídia, o Planejamento das agências conectou-se muito cedo com as tendências internacionais.
Assim como lá, o Planejamento padece de pulso, sentido de urgência e principalmente pragmatismo. Tendo rejeitado com veemência o Planejamento nerd, sonhou com briefings mais inspirados e idealizados.

A promessa da lua enternece o sapo, mas no mundo real, sapo é sapo e príncipe é príncipe. O Planejamento das agências brasileiras fala inglês e joga cricket.

Planejamento: o sonho do possível

Como se pode planejar a comunicação de uma marca sem conhecer a dinâmica do consumo de mídia? Encastelando-se atrás de dados, abstraindo-se da prática, criando metodologias cada vez mais abstratas, místicas, intelectualizadas, etéreas?

Esse parece ser o nó górdio a ser rompido pelo Planejamento das agências na próxima década: equilibrar-se entre a improviso e a ortodoxia, aplicar a inteligência com uma dose equalizada de imaginação e pragmatismo.
O Planejamento de uma agência de comunicação, para além de seu recente papel de sedução junto aos clientes, também deve saber voltar-se para a própria agência, descendo de seu pedestal científico ou filosófico, fazendo decolar dados ou aterrissar insights. De sua torre elevada, a pitonisa ficou distante, pedante e recitativa. Perdeu timing e principalmente conexão, transformou pessoas em consumidores e ideias em números.

Em tempos de multiplicação exponencial de meios e formatos de comunicação, talvez o Planejamento possa liderar o retorno de uma certa inteligência de mídia às agências. Talvez essa volta seja necessária tanto para o negócio quanto para trazê-lo de volta ao mundo real.

É a hora de deixar de tergiversar com ares proféticos. É hora de entrar na sala de máquinas, sujar as mãos de graxa, interessar-se novamente pelos canais que conectam pessoas de carne, osso e humores com as coisas – e não só as marcas – que elas desejam possuir.

Vamos rir da metafísica estudada nas escolas, nos livros e nos estéreis wokshops. Fazer mais e pensar menos. Sonhar com o possível.

A propaganda e as empreguetes

Uma coisa é fazer um produto barato, outra coisa é fazer um produto vagabundo. Uma coisa é construir uma marca democrática, outra coisa é construir uma marca segregada. Uma coisa é montar um plano de mídia inteligente, outra coisa é montar um plano de mídia preconceituoso.

Tem sido um axioma incontornável começar qualquer raciocínio mercadológico a partir de sua adequação para uma classe social: “se o produto tem qualidade, ele é para poucos, logo vou falar para quem entende” ou “se o produto é vagabundo, a marca tem que falar com o povão na mídia massivamente burra”.

Não é preciso citar o sucesso das marcas (da Coca Cola ao Google) que foram capazes de transcender esse raciocínio estúpido, atingindo plateias que se unem pelos seus valores e não pelo seu bolso.

Mas para derrubar essa deformação profissional, esse calo intelectual, é preciso antes defrontar-se com outro comum preceito (preconceito): a propaganda precisa ser aspiracional.

Temos a mania de achar que todo mundo tem os mesmos sonhos, ambições e desejos que nós mesmos. O nosso entendimento dos consumidores tem sido demasiadamente construído à nossa imagem e semelhança. Isso explica tanta comunicação cheia de personagens com a nossa cara, gente bonita, rica, jovem, alegre, ouvindo bossa nova, fazendo e acontecendo como se o mundo estivesse à nossa disposição, esperando o toque de Midas. Tanta comunicação que achamos cosmopolita e antenada, refletindo tendências copiada dos arautos da modernidade internacional. Tanta comunicação com cenas da vida de um jovem londrino bem nascido, com voice-over de clichês de auto-ajuda, moralista, com malabarismos semânticos pretensamente inteligentes. Tanta propaganda dando aula e tão pouca propaganda convidando para o boteco.

A propaganda não precisa ser aspiracional para ser boa e eficiente. Basta que seja sincera e verdadeira. A propaganda não precisa organizar a frustração dos consumidores e compensar a nossa, basta que ela crie empatia entre as marcas e os valores das pessoas. Basta que seja cheia de charmes.

Você não vale quanto te pagam

Dizem que a atual geração é ansiosa e idealista. Quer mudar o mundo e que para que isso aconteça, vê-se centro propulsora das transformações. Como vislumbrou o mundo antes de tirar as fraldas e, a poucos cliques de distância, faz malabarismos com o conhecimento humano, tem pressa de ficar rica. Para ela, dinheiro não é nem fim nem meio, é merecimento precoce, ponto de partida.

As flores que floresciam quando Cabral avistou Terra só diferem das que colorem as matas do século XXI, porque aquelas eram uma esperança e, estas que vemos pela janela, um arrependimento. Aquelas eram a redenção, estas um incômodo, aquelas um começo alegre, estas uma fim melancólico. Aquelas, o Novo Mundo, estas, o Velho Mundo debatendo-se nas entrelinhas do código florestal.

Na história da Terra, o homem saiu das trevas há muito pouco tempo, mas porque a vida terrestre é um soluço, damo-nos senso inventando marcos históricos, eras, épocas e gerações. Pertencemos a essa ou aquela era, época e geração que necessariamente em tudo opõem-se àquelas outras, anteriores e posteriores. Ajuda consolar-se da imutabilidade da condição humana.

Mas de verdade, não mudou tanta coisa assim. Geração não é código genético, é ambiente cultural, portanto fugaz e fabricado. Dinheiro fácil é parte dessa ilusão.

Rimbaud escreveu muito jovem e pobre. Depois foi para a África. Rico, nunca mais escreveu uma linha.

Compra-se lápis, papel higiênico e propaganda

Muitas linhas já foram derramadas sobre concorrências entre agências de comunicação. É uma unanimidade vociferar contra, mas assim mesmo, a prática virou regra, e virou regra porque aceitam-se as regras, sem piar.

Não adianta chorar, nem cacarejar: concorrência não é a melhor maneira de escolher uma agência mas é a única.

No entanto, existe um pequeno detalhe, singelo, que poderia trazer alento nessa briga de foice entre cegos famintos. Um educado gesto de civilidade e honestidade numa arena gelada: feedback. Quem promove uma concorrência poderia ter, mais vezes, a decência de avaliar os concorrentes.

Em um jogo de futebol ou numa rinha, o resultado da concorrência nem sempre premia o melhor, o mais esforçado, o mais talentoso. Mas pelo menos, ao final, sabe-se que o time ou o galo perdeu porque estava cansado, distraído, emocionalmente despreparado ou simplesmente fez as escolhas erradas. Ou quem sabe foi a culpa do juiz safado. Sai-se melhor do que se entrou. Mais sábio, mais inteligente, mais calejado, mais aguerrido.

Respeito e transparência é para os românticos. Na propaganda, é a tesouraria quem manda.

Planejamento e criação, la même chose

O bom planejamento de comunicação não é aquele que levanta suspiros da plateia, não é aquele que provoca perguntas inteligentes, muito menos aquele trunfado de glamorosas citações que arrancam concordâncias inequívocas.

Tem sido muito fácil aprovar o backstage da propaganda. Tem sido fácil demais levar a coxia para o palco principal. Tem sido fácil demais sair de uma reunião com ramalhetes de flores na mão dos contrarregras e atores condecorados com tomates podres no peito.

Quando o planejamento brilha e a criação chora, é porque o planejamento foi incapaz e profundamente egoísta. Quando o planejamento está aprovado e a criação precisa de ajustes eufemísticos, é porque o planejamento falhou vergonhosamente. Quando o planejamento está bom e a criação não chegou lá, é porque o planejamento estava errado no briefing e na defesa.

A glória fácil do planejamento materializado em uma comunicação medíocre na rua é sinal de que algo está errado. Nos papéis, nas expectativas, no processo e nas veleidades.

O bom planejamento é aquele que treina, incentiva, inspira e suporta. Custe o que custar, inclusive as premissas, inclusive o suporte, inclusive as vaidades.

Decidiu-se que existiam pessoas que criavam e outras que pensavam. Mas foi evidentemente uma figura de linguagem exagerada, que levaram a sério. Como é pretensioso chamar os que escrevem e os que ilustram de Criativos! Como é arrogante dizer que aqueles que pesquisam e defendem são Pensadores! E como é injusto atribuir menos pensamento aos que criam e menos criatividade aos que pensam!

O bom planejamento tem que ser frouxo no briefing como o bom criativo deve ser maleável na convicção. O bom planejamento não pode ser covarde e o criativo preguiçoso.

O bom planejamento de comunicação é, no mínimo, aquele que aprova uma campanha e, no máximo, aquele que coloca um trabalho bom na rua.

Criatividade não passa procuração

Os gregos tinham várias palavras para Amor, os Berberes muitas para Estrela e os Esquimós uma dezena para neve. Nós só temos uma para Criatividade.

Alguns irão encontrar formas de adjetivar o conceito pra dar-lhe mais precisão: “original ou eficaz”, “mensurável”, “rompedora”, “emocional ou racional”, “universal ou precisa”.

Outra forma de avaliar a criatividade é julgar sua performance com “high scores”, “green lights” e recomendações diversamente pesquisadas.

Existe ainda outra não menos utilizada maneira que é custear a criatividade: “muito ou pouco time sheet”, “ideia cara ou barata de executar”, “ideia com quilometragem ou sem”, “ideia com bom custo-benefício”.

Mas preferimos qualificar seu poder de forma referenciada: “ganhou leão ou lápis ou estrela ou tomate”, “teve views gratuitos, citação nos blogs, likes e comentários”, “a mãe, o filho, o vizinho, o chefe, a moça do SAC gostaram”.

Mas as palavras são o espelho de uma cultura. Se Criatividade não tem definição precisa na nossa sub-cultura publicitária é que talvez não haja juízo de valor possível para qualificá-la. Sem exatidão, foco, compreensão universal, talvez essa criatividade não seja um critério válido para julgar e aprovar propaganda. Essa criatividade não é conteúdo mas forma, não seja um fim, mas meio. Um meio para alcançar um fim, que pode ser envaidecer-se, ter aprovação na pesquisa, custar pouco, ganhar prêmio, fazer falar os tagarelas ou vender. Um dos muitos, muitos, muitos meios.

Mas Criatividade pura, sem epíteto, necessariamente vaga, impossível de mensurar e quantificar, é aquela que toca, arrepia, ferve os glóbulos, emudece, enrijece, tremelica os pelos, sem perceber, sem calcular, sem prever. É pessoal e intransferível. Não passa procuração para ninguém, nem para os poderosos, nem para as pesquisas, nem para os juízes.

O trabalho dignifica o homem, não significa

Trabalhamos tanto e com tanta fingida paixão que é comum acreditarmos que o produto daquilo que fazemos – qualquer que seja a atividade – é o ouro do Reno. Valem todos os esforços, todos os sacrifícios, inclusive o sacrifício do senso do ridículo.

E já que é mais fácil raciocinar com exemplos, a título meramente ilustrativo, por que não usar a propaganda?

Pensemos um minuto no berço ainda tão fofinho dos publicitários: um ninho autocentrado e referenciado. Evoluímos num aquário habitado por peixes da mesma espécie que se cruzam com simulada benevolência e disfarçada competição. Para além dos espessos vidros, habitam os others, clientes, fornecedores, parceiros. Gente hostil e aproveitadora.

Nesse habitat, criamos um aparelho que regula nosso microclima. Uma espécie de termostato e distribuidor automático de alimentos chamado “Prêmios”,

Às vezes, tá um frio danado. As condições não são favoráveis: clientes rebeldes, verbas reduzidas, pesquisas castradoras, concorrência acirrada. Entra a geringonça em ação, distribuímo-nos prêmios e a temperatura volta ao normal.

Outras vezes, a comida fica escassa: os salários não sobem, as ofertas de trabalho escasseiam, os chefes estão fominhas. A máquina entra em ação, esprememos as meninges e os time-sheets e os prêmios matam a fome.

O termostato-alimentador por sua vez, é movido a fichas técnicas, o palco de todas as batalhas. No aquário publicitário, a ficha técnica é o Nirvana.

Devemos admitir que esse é um sistema muito eficiente. De dentro do aquário, ninguém ousa rebelar-se contra a máquina.

De dentro.

Mas para quem está de fora, os peixes estão nus.

O trabalho – mesmo esse – dignifica o homem. O trabalho – até esse – não significa o homem.

Repatriados e transpatriados

O mundo está girando muito mais rapidamente. Tanto que estamos – física ou virtualmente – em muitos lugares quase ao mesmo tempo. Tende a não fazer mais sentido falar de fluxo migratório, mas desde que a emergência do Brasil saiu do folclore, o assunto pipoca a torta e a direita. Mas a nossa recente afluência não justifica tudo, ainda bem, e existem pulsos diferentes que motivam uma pessoa a migrar.

Fugitivos ou exilados.

Se você não tem onde cair morto e não consegue emprego nem de coveiro, melhor cair fora. Qualquer lugar é melhor do que a miséria sem perspectiva. Nesse caso, você é um fugitivo. Mas se o seu lugar ficou burro, preconceituoso ou retrogrado, é de fome intelectual que você sofre. Se as pessoas a seu redor lhe parecem provincianas demais, então está na hora de você se exilar.

Trabalhador ou talento.

Tem gente que vende o que dá. Suas horas de trabalho, por exemplo, seu suor, sua alma. Esse é o trabalhador cuja mais valia é extorquida pelo empregador. Mas tem aquele eufemismo de trabalhador que chamamos de talento. Esse cara vende capacidade e potencial de transformação. Vale pelo que pode, não pelo que entrega. Vale pela promessa.

Repatriados ou transpatriados.

As vezes é um bom negócio mandar gente passear, experimentar e trazer de volta o que aprendeu. São os repatriados, espécies de emissários-espiões. Mas as fronteiras de hoje são vagas e ser cidadão do mundo não é mais uma ambição mas uma questão de necessidade. Raízes se formam com culturas, não com países, estados ou empresas. Ser transpatriado é carregar identidades e assimilar as novas, onde e para onde a curiosidade soprar.

Ócio e ofício

Esse post gostaria de ser um rascunho de auto-ajuda mas corre o risco de ser um alívio na consciência. Afinal, quais são as dicas objetivas que se pode dar a um iniciante na carreira de publicitário? Não falo daquelas filosóficas, retóricas qual sabedoria de biscoito da sorte. Aí vai.

Estudos

Diploma é um pedaço de papel num canudo. Faculdade é onde se toma cerveja e se faz amigos. Professor é referência teórica. Livro é estudo paleontológico.

Mas assim mesmo, tem que fazer. E uma boa. A melhor de preferência. Dure o que durar para entrar. Escolha a mais difícil que muito provavelmente será a mais barata. Na pior das hipóteses, você não sairá achando que te extorquiram. Na melhor das hipóteses, você vai saber o que dizer para quem vai te empregar como estagiário. E na média, você vai estar ocupado.

Se sua escolha não for essa, então trate de gostar de alguma coisa por conta própria e investir-se nela. Serve qualquer coisa mas tire dessa curtição algo original, que só você reparou.

Estágio

É lá que você vai aprender e padecer de verdade. Onde há luz, há sombra, já dizia o mestre. Um dia de estágio vale mais do que um ano de faculdade. Um ano de estágio vale mais do que toda a grana que você gastou pagando os estudos. Dois anos de estágio vale mais do que todas as garotas ou garotos que você pegou na faculdade.

Mas é difícil, muito, encontrar um bom lugar. Você vai ser desprezado, vai mandar currículo como uma metralhadora, vai esperar na recepção horas, vai ser entrevistado por um cara sem paciência, que olha mais para o celular do que para a camisa que você demorou horas para escolher.

Mas insista e uma hora você engrena. Alguém vai curtir sua timidez, sua frase de efeito, seu sorriso, seu performance atlética no Angry Bird, seu comentário envergonhado e sensível sobre o filme que você viu, o livro que você leu ou a campanha que te despertou.

Cursos, viagens, palestras, prêmios

O extracurricular funciona para mobiliar seu tempo ocioso, porque no fundo, só sofrendo a gente aprende. É ralando que a gente acaba gostando.

Fazer curso da última modernidade é investimento de alto risco mas comprar tênis ou bolsa nova, ainda mais.

Ir a palestras de gurus ou profissionais ajuda a ficar focado. E também te faz relaxar um pouco. É também ali que você pode azarar como no tempo da faculdade, uma garota, um garoto ou seu próximo empregador.

Finalmente, se arriscar em premiações – mesmo aquelas para dente de leite – ensina a saber perder. Faz também você desenvolver um ódio muito estimulante pelos babacas que te julgaram, os regulamentos estúpidos e as panelinhas que você não frequenta.

Dica final

Importa menos o que você vai decidir fazer do que a perseverança em fazê-lo. Importa menos a escolha e mais a disciplina. Importa mais a vontade e menos o talento. Importa menos a grana e mais o prazer, que aliás só vem com perseverança, disciplina e vontade.

Os 30 segundos castradores

Bashô enxergava
a lágrima
no olho do peixe.

Alice Ruiz

A palavra é uma imitação da natureza. Tudo que lemos e vemos é artificial e ilusório. Porque a imensidão e complexidade do universo é insustentável, por reflexo ou consciência, filtramos, resumimos, editamos o mundo.

A grande e pequena literatura são essas curadorias da observação da natureza. E o poder de síntese é a sublimação mágica, o dom sagrado, que a Criação nos permitiu.

A propaganda sempre soube disso. Os parcos segundos, as palavras contadas, os símbolos gráficos não são um cabresto senão um fermento de criatividade. O slogan, o conceito, a assinatura, a última frase que arremata a ideia são a apoteose da inteligência publicitária.

Mas a comunicação está namorando com outros formatos, mais longos, mais duráveis. Acreditamos que talvez as pessoas tenham ficadas mais complexas, mais inteligentes e que demoram mais para se convencer. Ou então, queremos crer que o engajamento seja uma questão de tempo. Ou ainda, a fragmentação dos estímulos torna as pessoas mais impacientes e por isso devemos criar experiências de amortecimento intelectual para envolver e convencer. Ou simplesmente, desde que a propaganda deixou de atrair instintos para seduzir personalidades com veleidades artísticas, a criação não cabe mais nos formatos. “Seus malditos mídias, castradores!” ou “abaixo a Rede Globo e viva a Argentina!”

Queremos mais tempo mas para falar a mesma coisa?

Infelizmente é o exercício da hipérbole que vem seduzindo as mentes criadoras, com um emprego exagerado de sinônimos – em imagens e palavras. Uma gagueira barroca tão cansativa!

Perdemos o poder de síntese ou é só preguiça mesmo?

A propaganda de apertar parafusos

Falemos dos silos, das gavetas secretas, das caixinhas impermeáveis, das agendas lacradas que coabitam numa agência de comunicação. O assunto é cansado e recorrente, e sua resposta, retórica: integração é uma panaceia.

Mas nenhuma integração é remédio, nem pode haver ordem poderosa o suficiente, tampouco metodologia bastante criativa para vencer as resistências culturais e de vaidades individuais que criaram os feudos. Integração é uma questão de bom senso e boa vontade.

A Verdade Mística é que inventamos a separação das áreas de uma agência. Nós é que resolvemos dizer que mídia-é-mídia-que-não-tem-nada-a-ver-com-planejamento-nem-com-criação-ah-não-criação!-nem-me-fala-é-outra-coisa-que-é-quase-o-avesso-do-atendimento-pelo-amor-de-Deus!

No começo, parecia uma boa ideia, porque dava foco e separação de tarefas. Ajudava também a dar valor para o trabalho. Enfim justificava o trabalho. Mas isso era na época em que a especialização estava na ordem do dia: Chaplin em “Tempos Modernos”?

No fundo e hoje mais do que antes, será que nosso trabalho é apertar parafuso? Será que nossas habilidades são tão restritas? Será que somos tão debilitados e deformados?

Com um pouco de recuo, é fácil perceber que a separação dos poderes se reflete desastrosamente na mídia: existem campanhas que são claramente campanhas lideradas pela mídia, outras pela criação, outras pelo planejamento, outras pelo atendimento. Não fosse triste, seria divertido fazer as apostas. Campanhas com janelas de oferta: quem manda é a mídia. Campanhas com filmes de um minuto difíceis de entender: criação. Campanhas com cenas da vida e papo-cabeça em off: planejamento. Campanhas demo de produto: atendimento.

Claro que existem talentos: jeito pra fazer desenhinhos, piadas, filosofias, cálculos ou salamaleques. Mas um bom diretor de arte, redator, planejador, mídia ou atendimento não faz um bom profissional de comunicação.

Seremos iconoclastas e polivalentes ou não seremos a agência do futuro.

Cada um tem o like que gosta

O debate da moda é a likabilidade.

Muitas linhas já foram derramadas sobre esse tema e o consenso é meio óbvio: o like é o novo viewed, a quantidade de likes corresponde à antiga medida de pages viewed. Portanto a likabilidade é uma medida de atividade, ou se preferirmos uma metáfora ainda mais antiga, é cobertura: um like é um impacto em uma pessoa.

Portanto, like não quer dizer like nem engajamento, nem envolvimento. É só uma confusão típica de quem, ingênua ou maliciosamente, viu na Internet uma revolucionária nova fronteira – para a comunicação ou para ganhar dinheiro. A Internet e o Facebook estão cheios dessas armadilhas: assim como like não é like, fan não é fan.

Mas é bom ter muitos likes, claro que é. É sinal que a página não é um cemitério periférico. Tem fluxo. E como o excesso de métricas atrapalha o raciocínio: no fim do dia, o que se procura mesmo é o beabá dos beabás desde que inventaram a palavra mídia: likes (fans), ou seja, audiência. A “Internet” nos enganou vendendo sua improvável mensurabilidade in extremis.

Então qual seria a métrica ideal? Outras mais complexas são inventadas todos os dias. E assim tiramos do baú mais palavras falsas que convencem para justificar a falta de likes.

Talvez um dia a gente consiga praticar a “engajaganda”, mas certamente não será através do artifício esperto de confundir like com like.

Marketing é marketing. Cultura c’est autre chose

Os gurus de autoajuda empresarial trocaram ideologias por idolatrias. Rezam por essa mesma ladainha há anos: as marcas são ou devem ser influências culturais.

Existe um extenso repertório de patologias empresariais e tipificá-las retoricamente costuma ser um alívio psicológico.

Para isso, a polarização ajuda a definir extremos sem correr riscos: caricaturas não encarapuçam.

Há empresas que se autoproclamam influenciadoras. Mais por acidente do que por ideologia, suas marcas impregnaram infinitas histórias de incontáveis pessoas. E acreditando que cultura se constrói quantitativamente, as marcas, seriam, assim, uma espécie de patrimônio cultural de um grupo, de uma sociedade, de um povo, da espécie inteira. A pretensão crê-se assim capaz de transformar a cultura.

Essas organizações costumam orientar suas ações, principalmente de comunicação, para estratosferas filosóficas, evoluindo em bolhas dogmáticas, gramáticas peculiares e bíblias conceituais messiânicas.

Um terráqueo normal – desses que nasce, sofre, ama e tem medo da morte – ao aterrissar por acidente no marketing desses Olimpos, se sentiria em Marte: “que língua falam? com quem querem falar? o que querem vender? isso é algum reality show?”

Mas a cultura, felizmente, não se molda através de coisas mas de ideias. A cultura, felizmente, não é um produto. Cultura não é uma sopa enlatada, nem mesmo quando decora os museus.

Até porque, como sempre, os “culture shapers” entenderam errado, ou apressadamente o que não passava de uma piada.

Infelizmente, tudo é tão desprovido de humildade e senso de humor, que poucos sacaram que marketing é só marketing e propaganda é só propaganda.

Sem essa de cultura. O que realmente presta no marketing – e principalmente na propaganda – é quando ri de si mesmo.