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Compra sorvete do Saponga que ele é pobre

Somos muito maniqueístas. E infelizmente a única revolução possível se dá pela dialética. Se não tem pobre, não tem rico e se não tem ricos e pobres, não tem progresso. É triste mas é verdade.

Durante quase toda a história da mídia, sensacionalista por força da audiência, o mundo além-túnel, além-rio, além-dignidade, além-respeito, além-cidadania foi tratado de forma dramática. Era apelação em cima de apelação e parecia que nunca estava pior o bastante. Quando o pobre que morria na fila do atendimento médico não levantava as sobrancelhas, “inventava-se” uma grávida estuprada pelo pai, quando a grávida não arrepiava mais, “inventava-se” um traficante cruel, quando o traficante cruel não revoltava mais “inventava-se” uma mãe descabelando-se do filho morto pela guerra das facções e quando a guerra das facções não provocava mais, “inventava-se” um genocídio de inocentes menores.

Mas até a miséria acostuma. E aos poucos uma outra agenda foi substituindo a antiga. Surge a hora do bem, do exemplo, dos símbolos raros, da flor que desabrocha na merda. Nove entre cada dez matérias falam do menino pobre que aprendeu a tocar violino, da mãe que se prostituía e virou empresária, do ex-traficante que estrela nos cinemas, da freira caridosa, do gringo que se hospeda no cortiço, da madame que ensina corte e costura na favela, do empresário que passa o fim de semana batucando no morro, do rappeiro que frequenta o templo do novo-riquismo.

Por um passe de mágica, os ex-fodidos são coqueluche da burguesia, pochetes em todos os eventos sociais, cobertos de glórias e discursos emocionados. Um otimismo histérico toma conta dos corações, uma mão de cal cobre as consciências cansadas, Madonnas caridosas pululam na high society, um amanhã fogoso se descortina e rega-se a esperança renascida com muito dinheiro incentivado e renúncia fiscal.

Está na hora de impor o terror, porque esse bom-mocismo dá preguiça. Daqui a pouco voltamos a vestir o pijama e a brindar a pobreza que nos embriaga.

Diga-me se fuma que lhe direi quem és

O governante, consciente de sua missão cósmica, venceu uma cruzada mística no quinhão que ele administra. A partir de amanhã, é proibido não fumar. É obrigado fumar em ambiente fechado. E se alguém à sua volta recusar um cigarro, denuncie. Extravase seu ódio soltando quatro mil e setecentas substâncias tóxicas pelas ventas.

A partir de depois de amanhã, é proibido não fumar na minha casa. Na mesma proporção da população brasileira fumante, 18% de todos os meus amigos poderão contar com esse último bastião de resistência. Só será permitido não fumar livremente no jardim.

O dia 7 de agosto de 2009 vai ficar para a história: é o fim da farra da fumaça. Fumantes, esses seres de segunda classe, serão a escória perversa da sociedade. Esses mesmos que matam, a fogo brando, uma legião de pulmões virgens. Dizem que um deles foi preso comendo uma criançinha, entre duas baforadas. Não basta o isolamento tóxico dos recintos destinados a esses párias, que fumem na sarjeta, na rua da amargura, no quinto dos infernos!

O governo da democracia da maioria venceu. E a minoria que se exploda. Que morra, de preferência. De frio, e respirando tranquilamente os escapamentos da via pública.

Sainte-Foy de Conques: fé, ouro e paixão

“Pierre, esconda-se, corra, eles estão chegando!”

Tremendo e soluçando, é dentro do baú de carvalho que o pequeno encontra refúgio, entre salames e restos de um fausto puído. Aqueles instantes gravaram-se com navalha na memória: a mãe sob tortura, sob a risada ébria, as línguas estrangeiras, o banquete de sangue.

O século era invadido de perversas heresias, sedentos conquistadores, vadiagem de bárbaras tribos. A proteção dos elmos e escudos, das muralhas e esconderijos espanta os ladrões e corruptos. Mas quem segura os sarracenos?

Pierre retira-se do mundo, mudo. Vagueia por anos, de aldeia em aldeia e da linhagem que abandonou, da família que sumiu sob a crueldade dos homens; ele conserva o pequeno missal da mãe, o crucifixo de batismo e uma fé selvagem em Cristo.

Pierre se faz eremita nos vales do Aveyron na primeira metade do século VIII. Ele se dá a Deus e nasce assim Dadon, o santo homem.

É numa pequena e verdejante depressão que ele chamaria de Conques (do latim conca, concha) edifica sua primeira capela. A fé e a dedicação consequente elevam rapidamente o pequeno santuário à consideração dos reis carolíngios que a cobrem de riqueza. Dadon legou sua fé; o poder lega o ouro.

No entanto, Conques ainda tem baixa cotação no pedigree sacro: falta-lhe
um osso, um crânio, um cabelo, um caco de cruz, uma ferrugem, uma relíquia de santo.

Aronis era um miserável. Para escapar da fome, ele se faz monge, como tantos outros homens de igreja. No mosteiro beneditino de Agen, encontra abrigo e pequenas obrigações.

Certo dia, o irmão encarregado da faxina dos tesouros adoece, e Aronis é incumbido de lustrar as imagens. Ao entrar na pequena capela escura, uma centelha de luz reverbera no mármore polido do altar. Aronis sente seu olhar guiado, sua pelas têmporas, palpita desordenadamente sob o manto. Em um nicho lateral, uma dama dourada, oferece-lhe delicada flor. O monge cai de joelhos e contempla em adoração a Santa em sua alcova.

Não houve no Ocidente medieval mais bela e pura história de amor. Uma paixão, como todas, impossível. Um monge casto e uma santa. Um homem rude e uma estátua dourada. Um coração oco e um relicário. Aronis e a memória da pequena Foy, de 12 anos, decapitada por ordem de Diocleciano.

Por dez anos, o monge devotou à Foy um incontrolável amor.

E se paixão é doença de coração, se não mata, engorda.

Um belo dia, o doido surrupiou a estátua do convento e picou a mula sem deixar vestígios. O safado foi parar em Conques e vendeu seu amor ao corrupto abade, que colocou a cidade na mais santa de todas as santas rotas, o caminho de Santiago de Compostela (Via Podiensis).

Aronis morreu por ali, anos depois, gordo e mal-amado. Foy irradia ainda hoje, e para sempre, o mais puro sorriso de compaixão.

Essa história é meia verdade, como todas as paixões.

Minha devoção à Sainte-Foy

Tenho pelo menos três inabaláveis motivos para crer na linda santinha, com suas delicadas mãos segurando minúsculos vasos de flores.

1998, copa do mundo em terra estrangeira. Vai começar o jogo, o primeiro do Brasil. Chegada a Conques, aldeia perdida no meio do nada. Turista brasileiro ali é mais raro do que Havaianas nos pés dos monges beneditinos que ainda vagueiam pela rua estreita que leva à igreja. “Será possível que não tem um único bar aberto com televisão ligada?” Finalmente, um café com televisão. Ligada. Numa porcaria de um programa de auditório. “Madame, s’il vous plait, La Coupe du Monde de football!!” Finalmente, dois canarinhos grudados na televisão. “Shuuuut” diz a velha senhora varrendo a porta para um casal de turistas alemães, em respeito à nossa concentração. Brasil 2 X 1 Escócia. Primeiro milagre de Sainte-Foy.

2000, mais uma visita a Conques. Sem motivo. Só para rever aquele “écrin de verdure” (desculpem, mas, em português, “estojo de verdura” é medonho). Dormimos no único hotel da cidade. A igreja abre até muito tarde para receber os peregrinos, mas que tal assistir a uma missa? A próxima é às cinco e pouco da manhã. As matinas! Com os monges! Lá vamos nós. Entramos na pequena capela atrasados. Seis monges e uma velha que, educadamente, nos empresta um missal. “É pra cantar alguma coisa! E agora, o que estão cantando?”. Folheio o livro, sem muita fé. E não é que ele se abre na página certa? Arrebatados, entoamos o cântico. Segundo milagre de Sainte-Foy.

2006, Conques de novo, a caminho da Provence. É tarde e estou cansado. Vamos fazer uma parada no hotelzinho da cidade. À noite, tem pouco ou nada para fazer em Conques. Vamos ligar para a Lígia e saber como está. Ainda no hospital, a pequena Júlia em seu ventre, desenganada. Drama sem palavras. “Estou em Conques, vou fazer uma promessa amanhã”. Por procuração, claro, uma vez que minha religiosidade se perdeu em algum prazer proibido. Cem velas para Sainte-Foy se minha afiliada conseguir vencer seu prematuro sofrimento. Júlia tem hoje três anos é linda e forte. Uma vencedora antes de ser gente. Terceiro milagre de Sainte-Foy.

Serviços

Para ir a Conques, é simples. Basta colocar no GPS do carro. Se não estiver de carro, tente o caminho de Santiago, a pé. Não tem muito o que indicar em Conques. Está tudo lá, à mão, sem stress, sem guia tagarela, sem galleries Lafayette e sem japonês.

Hotel só tem um razoável, o “Le Sainte Foy”. Mas se quiser um pouco mais de luxo, ali do ladinho, tem o mais confortável “Le Moulin de Cambelong”.

Comer, não tem opção. A sugestão é sempre a mesma quando você se perde na “France profonde”: uma salada qualquer, um sanduíche de camembert ou um steak-frittes.

O que ver também não tem segredos: a basílica romana (no fim da rua) e o museu com o tesouro (incluindo a belíssima Sainte Foix). Fora isso, se deixe levar pela rua, saia da aldeia, volte, saia de novo. Compre um sorvete e sente num banco olhando o tempo passar. Você nem vai perceber, mas de repente anoiteceu e você já está com saudade.

Perto de Conques existem outras etapas imperdíveis:

– Rocamadour com sua aldeia, santuário e castelo trepados no precipício.
– Albi e sua catedral fortaleza com as mais flamejantes pinturas remanescentes de um tempo em que as igrejas eram coloridas.
– Cordes sur Ciel e o silêncio dos cátaros sacrificados.
– Martel e seu mercado de flores.
– La Roque-Gageac e seu castelo debruçado no rio.
– Sarlat la Canéda e a memória de um grande poeta, La Boëtie.
– Domme e sua terraço sobre a Dordogne.

Publicado na revista Mag

Rede social (Orkut) é coisa de pobre?

Quase todos os dias desvio do meu caminho para dar uma passada voyeurística por um corredor de um shopping que dá uma excelente visão sobre as telas dos computadores de uma LAN house frequentada por todo tipo de pessoas. É óbvio que a proporção de perfis do Orkut escancarados é altíssima. Concedo aos culturetes: alguns social climbers estão no Facebook e Twitter.

Por vezes, a curiosidade me corroi, e me arregalo na vitrine: “Que diabos essas pessoas tanto têm a fazer?”ou “Será que está todo mundo a perigo?” ou ainda “Pra que tanto lustre na egotrip?”.

Outro dia, conversei um pouco com o rapaz que assessora as pessoas menos familiarizadas com os insuportáveis filtros e antivírus do sistema.

– Aquela lá vem todo dia. A mãe mora em Porto Alegre. Todo dia ela fala com a mãe.

Mas a moça não estava escrevendo nenhum email, nem falando no skype, nem no MSN. Nem Facebook nem Twitter, perdoem-me, é pesquisa etnográfica, gente, não posso mentir! Ela estava no Orkut. Não, pessoal, ela não era uma pé-rapada nem me pareceu ser uma ignorantona que só sabe usar essas coisas básicas da Internet como esses caras da classe C!

O Orkut e a superpovoada rede social novo-chique, está substituindo o email.

Àqueles que acreditam em pesquisa para além do umbigo, aí vão os dados, entre pessoas que acessam a Internet no Brasil (F/Radar 2009):

– Penetração do email na classe AB: 68%
– Penetração do Orkut na classe AB: 48%
– Penetração do email na classe C: 50%
– Penetração do Orkut na classe C: 50%

Que não se apressem os analistas de plantão: há “depenetração” do uso do email maior na classe AB sem “depenetração” do uso do Orkut (em ambas).

Não vou me aventurar a comentar o fato porque vou apanhar, mas contanto que não usem o preconceito para dizer que isso acontece porque os pobres miseráveis estão usurpando a Internet, valem muitas hipóteses!

Como é gostoso o meu transtorno

Não posso deixar de repercutir um artigo publicado no Webinsider.

Trata-se de um pequeno “fait divers” ocorrido muito tempo atrás. Sem entrar em detalhes, até porque prefiro que leiam o original, eu só queria dizer que nunca me importei com a cópia, envergonhada ou desavergonhada, do que escrevo. Me diverte mais do que chateia.

Mas talvez o que seja fascinante, na experiência do exercício diário de escrever (com ou sem obrigação) é quando a rotina por si só motiva. Como uma espécie de superstição que controla consciente ou inconscientemente a vida. Esse conforto psicológico dá segurança, dá coragem, dá ousadia. É uma dose diária de prazer.

Extravasar um inefável Transtorno Obsessivo-Compulsivo é muito mais gostoso do que buscar quinze minutos de fama, chupando ou criando.

Deuses-Contadores ou Deuses-Compaixão?

Um bilhão de pessoas na terra estão abaixo da linha de pobreza. Centenas de milhões morrem de fome. E nós aqui preocupados em fazer xixi no banho para salvar a mata atlântica.

E entram em ação dois antagônicos argumentos: o do “melhor do que nada” e o do “não adianta”.

O do “melhor do que nada” é uma espécie de compensação falaciosa da nossa consciência. Como se Deuses-Contadores fizessem fichas-razão de débito/crédito das nossas ações. Uma moeda com conversão universal nos tornaria mais ou menos abonados para desfrutar de mais ou menos conforto no além. E no final de nossas vidas, a gente faz as contas com os donos do time-sharing do céu.

Argumento romanticamente ingênuo, principalmente quando em face do “não adianta”.

Esse poderoso argumento faz as contas antes. É mais esperto, mais informado e mais racional. Como se os Deuses fossem tolos velhinhos de infinita compaixão. As nossas esmolas nunca irão resolver a fome do mundo, nossos votos nunca serão mais poderosos do que a ganância dos poderosos. E no final das nossas vidas, a gente paga uma lápide mais ou menos rica, compra uma memória mais ou menos nobre.

Mas, enquanto isso, um terço da África está contaminada pelo vírus da AIDS, e a gente prefere dizer que a culpa é dos governos corruptos, das guerras intestinas, das rivalidades tribais ou de algum inconfessável preconceito. Ou que é culpa da classe média americana, dos interesses das multinacionais, do imperialismo (ou colonialismo) ou outro egoísmo burguês como nossas leis e direitos profanos.

E, enquanto a gente não decide que Deuses adorar, para os homens o mundo é bem pior do que quando eles foram inventados.

Global warning (com N mesmo)

“A Amazônia tísica”, “O buraco chupador da camada do ozônio”, “Degolaram uma foca”, “Socorro, as baleias sumiram”, “O lixo de Chernobyl vai feder”.

Nos últimos anos, somos bombardeados diariamente por esse tipo de notícia. Todo dia é epitáfio dos dinossauros, Armagedon e ataque de marcianos.  Chama o Noé, que a coisa está feia.

E nós, aqui, vermes insignificantes, metendo a mão no lixo para separar o orgânico, xingando o plástico, parando de usar sabonete que faz espuma e pedalando no meio dos carros para salvar o planeta.

A Amazônia existe mesmo? Que diabo é ozônio? É verdade que foca fede? Como é que uma baleia some? E muitas baleias? Alguém avisou os russos do lixo atômico?

Sempre que encaramos essas bombásticas notícias, alternamos uma sensação de impotência com indiferença. Quanto maior e mais distante é a notícia, maior a impotência e seu corolário natural, “tô nem aí!”.

Que tal se a gente se desplugasse dessas hecatombes sensacionalistas? Será que, se pensássemos pequeno, no nosso quintal, não nos envolveríamos mais com essas causas que certamente são verdadeiras e dramáticas?

Se parássemos de fumar porque as roupas ficam com cheiro? Se usássemos detergente ambientalmente correto porque não tem aquele cheiro artificial que deteriora o gosto dos pratos? Se andássemos mais a pé por causa da barriguinha? Se escolhêssemos comida orgânica porque ela é mais saborosa? Se substituíssemos os copinhos de plásticos pelos de cerâmica porque é mais elegante? Se comprássemos menos porcaria porque não tem onde enfiar tanta bugiganga em casa? Se não jogássemos lixo na rua porque depois entope os bueiros?

E se a gente fosse só ambientalmente responsável porque a gente gosta de árvores e passarinho? E se a gente fosse socialmente responsável porque a gente gosta de gente e criança?

Se parássemos de olhar esses números que ninguém sabe calcular?  Se deixássemos de pensar nas consequências das consequências das consequências das consequências das consequências das consequências que vão, no final de infindável lista de conseqüências, acabar com a vida inconsequente dos terráqueos?

Projetos de sustentabilidade pessoais, ao invés de globais. Nanoprojetos individuais, ao invés da causa globais.

Podem até nos acusar de hipócritas egoístas, de alienados provincianos, mas o perigo global é que, justamente pelo fato de ser global – portanto, de todos –, torna-se distante e difícil.

O ClasseCeísmo

Quando Henry Ford começou a produzir seus carros em linha de montagem, ele dizia que seu objetivo era de que cada um de seus operários fosse capaz de comprá-los.

Mas o industrial também teria dito que se poderia escolher qualquer cor de carro, desde que fosse a preta.

Essas pequenas anedotas poderiam ilustrar o atual frisson que a celebrada base da pirâmide vem provocando ao redor do mundo, em particular em um país com mais de 66% das famílias vivendo com até três salários mínimos, o nosso por exemplo.

A não ser à luz fria de pesquisas, é inegável a nossa ignorância a respeito dos nossos queridos abandonados desabonados.

E, por conta da distância que separa nosso dourado óvni dos pobres mortais, a gente usa toda a nossa capacidade de abstração e experimentação para traçar os contornos comportamentais da última fronteira comercial que nos resta penetrar: a classe C.

É assim que surgem os especialistas: dissecadores de impulsos de todos aqueles que ainda não têm a chance de consumir aquilo que deveriam para ascenderem ao status de cidadãos.

As campanhas políticas são uma referência quase inevitável. Afinal de contas, não dá para se eleger só com ricos eleitores, nem para vereador de municípios pequenos. Basta analisar os recursos técnicos de que se valem os candidatos, ao produzirem suas plataformas publicitárias para aprender os truques: palavras simples, coloquiais e gíria, repetição à exaustão, abuso de superlativos, modelos do povo, sotaques exagerados e por aí vai. Quanto à sintaxe das frases e dos textos (textos? Só se for para repetir a gritaria), ela tem que ser franciscana: sujeito-verbo-predicado, poucos adjetivos, voz passiva nem pensar, tempos complexos ainda menos.

Dizem os especialistas que a classe C tem deficiência cognitiva. E o resultado é essa propaganda-decoreba para retardados. A Classe C só gosta daquilo que pode ter. E o resultado é essa propaganda-baciada por 9,90.

O que será que estamos aprendendo com essas ciências novas? Com essas atenciosas investigações? Será que não estamos simplesmente reproduzindo a propaganda medieval dos mascates?

Talvez não seja assim tão simples. Mas será que as regras têm que ser tão primárias?

O que significa dizer que a propaganda varejista (varejeira?) de sempre é boa para atingir a classe C? Na pior das hipóteses significa que não temos absolutamente nada a aprender, porque essa é a propaganda que sempre se fez para os pobres infelizes que queremos como consumidores de nossas marcas.

Quantas pesquisas serão necessárias para entender que cada vez que usamos um filtro de classes (sociais), estamos sendo oportunistas, imediatistas e preconceituosos?

Propaganda deve falar para o coração e não para o bolso.

Quando Duveen, grande marchand, imprimiu um livro único com obras-de-arte na esperança de convencer o homem mais rico dos Estados Unidos a adquirir uma grande coleção, Ford teria respondido: “Para quê, se já tenho o livro?”

Internet: droga e ilusão

Desde que surgiram – ou se popularizaram – as novas tecnologias da informação e comunicação, e em particular a Internet, foram alvo de superexcitados debates.

Balbuciou-se, no início, sobre os efeitos nocivos que tão espetacular mudança poderia ter sobre éticas e costumes. A Internet estrelava um sem-número de “faits-divers”, atravancando retrancas policiais.

Arrastados por seu irresistível poder de sedução e uma incontornável necessidade, os editoriais afastaram-se da crítica factualmente supérflua e concentram-se hoje na revolução que se avoluma nos calcanhares dos sistemas tradicionais de produção e difusão de informação. Fala-se de adaptação, convergência, substituição, adjetivando os discursos com expressivas quantificações. Fala-se, com frenesi, da democratização do acesso à informação e ao conhecimento. Gargareja-se, com paradoxal inveja, da transformação do receptor em emissor e vice-versa. Do novo poder na mão de milhões de implacáveis editorialistas, capazes de destruir ou enaltecer reputações num piscar de cliques.

Pega mal, muito mal, falar mal da popularização da informação e do conhecimento agora disponíveis para quem quiser, num browsear de olhos. Pega mal, falar mal de “open source, “colaboração” ou “co-criação”, que está na genética da própria Internet e que agora aflora para a superfície.

Criticar a Wikipédia ou o Google (como sistema, e não marca) é um crime.

Negar o valor do jornalismo colaborativo, da informação e opinião difundidas aos borbotões em bilhões de sites, blogs, redes sociais e que tais é um genocídio.

No entanto, é hora de liberar-se do fetichismo tecnológico. É tempo de encarar alguns efeitos dos novos paradigmas, com olhar crítico ou ao menos compreensivo.

O quanto estamos substituindo a necessidade de aprender por uma simples possibilidade? Houve um tempo em que a condição para uma existência confortável era conhecer coisas “a priori”. Era como se o que se aprendia estivesse em compasso de espera para um aproveitamento futuro. Quando a necessidade surgisse, estaríamos prontos. Por isso, a gente passava um tempo danado pesquisando, decorando, aprendendo.

Agora, é mais fácil porque tudo está aí, muito barato e principalmente mastigado. É só entrar na Internet. Mas, se somos humanos, de tanto esperar, a gente acaba esquecendo que está esperando e que preguiça que dá! E, se somos humanos, dormir é muito mais gostoso do que processar e pensar.

Será também que não estamos dispensando a crítica pela intuição? A opinião embasada pelos discursos ejaculados precocemente? O quanto estamos preferindo a espontaneidade às idéias embasadas? Antes a gente era mais desconfiado, ficava cabreiro e ia atrás das fontes. Hoje, já que sabemos que somos agentes poderosíssimos de mudanças, sozinhos, “só eu com minha Internet”, por que quebrar a cabeça atrás de fatos e fontes? Mais do que nunca, agora, se dá melhor quem melhor e mais rápido se expressa, e não quem melhor pesquisa e pensa.

No limite, o acesso livre à informação pode ser um soporífero intelectual. No limite, a Internet pode ser a negação das verdades.

Decifra-me ou te devoro

Alguém tem dúvida de que o mundo está mudando numa velocidade inédita? Que estamos procriando demais? Que os recursos estão escasseando? Que jogamos fora quase tudo que consumimos e que não tem tanto lugar para tanta merda? E pior, que um reflexo condicionado nos faz acelerar ainda mais, procriar mais, destruir mais, consumir mais, cagar mais?

E esse reflexo tornou-se a base da pirâmide de necessidades do ser humano no século XXI. É ele que nos tira da cama todos os dias, nos faz olhar o mundo com retinas calcificadas, nos faz rir e chorar, esperar e sofrer.

Uma velha senhora me disse certa vez, quando me via aflito e estressado: “Seu problema é um problema que é?” Eu obviamente não entendi nada, porque esse vício que nos habita e nutre também faz isso com a gente: embrutece. Então, ela acrescentou: “Existem problemas que são problemas e há os que nós criamos. A gente tem que separar um do outro para só lutar pelos primeiros.”

E parece, parece, que nós criamos mais problemas do que encontramos. Nós. Porque mais ou menos quatro quintos dos outros seres humanos sobrevivem lutando contra aqueles que encontram.

Nós criamos muitos problemas e quase tudo que fazemos, além disso, é criar soluções para os problemas que criamos.

Inventamos os meios de comunicação, por exemplo, e não foi só para resolver nossa atávica solidão (um real problema), mas para reverberar nosso próprio discurso. Diante da aparente necessidade de falar para os outros, o que queremos é uma espécie de masturbação intelectual ou emocional. E como gostamos disso.

Inventamos a Internet, por exemplo. Não foi só para democratizar e fomentar o conhecimento (uma real necessidade), mas para gozarmos da nossa própria voz e ejacularmos nosso próprio poder.

Assim, passada a euforia e a propaganda excitada sobre as enormes mudanças de paradigmas, as colossais perspectivas e incomensuráveis esperanças que as plataformas digitais (incluindo a Internet) proporcionam, é hora de também considerar o que se esconde por detrás desse tesão.

Em larga medida, a gente está substituindo o aprendizado e o saber pela possibilidade do saber e do aprendizado. Antes eu precisava aprender para ser. Hoje, basta eu saber que eu posso saber quando eu precisar saber. Que é fácil, rápido, digerido e de graça. E esperando pelo gatilho da necessidade, a gente se distrai e afunda na preguiça.

Estamos também substituindo o olhar crítico, analisado, referenciado, pela opinião instintiva. Antes, para eu dizer e divulgar, eu precisava pesquisar. Hoje, basta eu escrever o que dá na veneta e sei que isso é uma bola-de-neve que se transforma em cataclismo, por força e obra de um incontrolável acaso.

Em tempos de enciclopédias livres, o conhecimento “a priori” é inútil. A memória é inútil. No limite, qualquer esforço intelectual é inútil.

Em tempos de jornalismo colaborativo, a opinião “com fonte” é acessória. A comprovação é inútil. No limite, a História é inútil.

É como se estivéssemos experimentando um novo mundo. Deliciosamente entorpecente e aleatório.

A internet é a mais tentadora das esfinges.

Pesquisas terráqueas

B55 acabou de cair na Terra, depois de uma meteórica viagem oriunda de Wig, um asteróide muito além da Via Láctea.

O espaço em que aterrissou era reduzido, escuro e desconfortável. Muitos pés balançavam de um lado para o outro embaixo da mesa de reunião, e B55 se desviava penosamente dos chutes.

Quando finalmente encontrou um lugar mais seguro, ele acocorou-se atento às movimentações e às falas.

Lá pelas tantas, B55 sentiu sono e deu uma longa cochilada que só terminou quando Marília agachou-se para apanhar sua bolsa. A reunião tinha terminado.

– Ei, o que é você?
– Eu não sou uma coisa.
– Não? Então quem é você?
– B55, de Wig
– O que faz aqui?
– Vim pesquisar
– Eu sou de pesquisa também.
– Coincidência. E o que você pesquisa?
– Pesquiso os hábitos dos consumidores
– Consumidores?
– Sim, pessoas em geral que potencialmente podem ser nossos clientes
– Entendo. Mas por que você quer saber os seus hábitos?
– Ué, primeiro para encontrá-los.
– Eles se escondem?
– Às vezes, mas nossas ferramentas permitem desentocá-los através de técnicas de sedução.
– Você seduz as pessoas?
– Claro! Com mensagens adequadamente “adressadas”, é possível “clarificar” com muita “sutilidade” e “atenciosidade” os impulsos mais profundos dos nossos targets.
– Ummm. Acho que entendo. A partir dessas pesquisas, vocês encontram as pessoas para falar com elas. Sobre o quê?
– Eu poderia dizer que é sobre as virtudes e atributos de nossas marcas, serviços e produtos, mas já evoluímos.
– Já?
– Muito! Agora não falamos mais das nossas marcas, falamos dos nossos consumidores, sobre o que eles querem, sonham, aspiram, desejam. Somos focados nas emoções dos consumidores.
– Evolução?
– Claro! Antigamente, nós pesquisávamos o DNA das nossas marcas; agora, somos to-tal-men-te centrados no consumidor.
– DNA? Marcas têm DNA, como humanos?
– Têm, mas isso não tem importância mais. Evoluímos.
– Para pesquisar o DNA dos humanos?
– Pode-se dizer que sim, ou se preferir, o DNA das emoções dos consumidores.
– E para que serve isso mesmo?
– Para saber o que dizer para nossos consumidores
– E o que você diz para eles?
– O que eles querem ouvir.
– O que eles querem ouvir?
– Que nós os amamos.
– O que eles querem ouvir?
– Que nós entendemos eles.
– O que eles querem ouvir?
– Que nós existimos para eles, entende?
– O que eles querem ouvir?
– Já falei.
– Mas o que eles querem ouvir?
– Que eles têm que comprar nossas marcas, diabos!
– Agora entendi.
– E você, o que pesquisa?
– Piadas terráqueas para meus amigos. Obrigado!

O futuro é bom?

Em 2208 o mundo terá chegado a um nível tal de desenvolvimento humano que todas as necessidades básicas das pessoas estarão devidamente supridas: casa, comida e roupa lavada para todos. E melhor ainda, ninguém vai precisar vender sua força de trabalho. Tudo vai ser automático, planejado e sem falha.

Assim, a humanidade será livre, igualitária e fraterna. Ou não, mas supomos que sim. Vamos deixar de lado as teorias apocalípticas e os discursos catastróficos.

E façamos um pequeno exercício de ficção.

Nesse mundo, as pessoas adoram se tatuar. Se não nos diferenciamos mais pelas posses, nível cultural, nacionalidade, raça e tampouco pela aparência (se clona de tudo nesse futuro), é necessário projetar para a superfície, com a tatuagem, a individualidade perdida. E é muito divertido.

Nesse futuro aí, claro, a conectividade chegou a seu limite: todo mundo plenamente conectado e informado. O pessoal está cheio de chip enxertado que liga tudo a tudo, todo a todos, ao menor estímulo auto-provocado.

Tem também uma droga, uma espécie de antidepressivo universal que ajuda a turma a não pensar muito nas coisas difíceis da vida, na morte, nas divindades e nos mundos invisíveis. Todo mundo toma, sem exceção. É necessário e sem efeito colateral.

Um belo dia, uma grande epidemia começa a surgir. O sintoma inicial é o desaparecimento das tatuagens dos corpos das pessoas. Uma chaga preocupante.

Os atingidos imediatamente percebem uma correlação entre a abstinência à droga universal e o desaparecimento das tatuagens.

Mas por que algumas pessoas estão parando de se drogar? É inexplicável.

E a chaga se alastra paulatinamente.

Enquanto isso, em alguns locais distantes, zonas perdidas e selvagens que escaparam milagrosa ou propositalmente ao progresso, homens e mulheres rastejam assustados, comem detritos e vestem-se de peles de animais. Lutam pela sobrevivência.

Daphnes era uma dessas pessoas. Foi descoberta numa auto-estrada, atropelada.

Debaixo do seu braço esquerdo, encontraram vestígios amarelados de um dragão tatuado na pele.

Ass shield

O que é determinante numa relação agência/anunciante? Será a criatividade? Será a mídia? Será o atendimento? O planejamento? As incursões fora da caixa? As pirações consultivas? A integração das disciplinas, as jujubas e os biscoito de povilho nas reuniões? Ou os intermináveis e anti-diluvianos almoços?

Nada disso. O que é determinante é precisamente a relação. Ou se preferirem, o contrato, o laço na doença e na saúde, na pobreza e na riqueza, até que o divórcio nos separe.

Mesmo que não haja nenhum acordo que garanta uma virtual sociedade, ainda assim, uma agência é – e deve ser, por definição, solidária com os interesses das marcas com as quais trabalha.

Esse é o cimento que nos une.

No entanto, muitos são os outros possíveis contratos entre anunciantes e seus parceiros. Por exemplo a grandiloqüente, vistosa, custosa e como decisiva relação com institutos de pesquisa.

Não é de ontem que esse importante elo que conecta – ou deveria conectar – a realidade do consumidor com a do anunciante e por conseqüente da agência, ganha importâncias estratégicas crescentes, por vezes dogmáticas, transcendentais, onipresentes e potentes.

“Pesquisa, tu é pedra e sobre essa pedra edificarei minha marca”.

A pesquisa briefa e debriefa, a pesquisa conceitua, testa, pré-testa, pos-testa. Recomenda e descarta.

Água benta sagrada e espada inclemente.

E depois de ungir as decisões, cai fora, pica a mula, vira as costas e parte para outros sacramentos.

Enquanto isso, o anunciante e a agência se viram com a sopa de números, as frases de efeito, as verbalizações, as normas. Ajoelham-se no milho e pagam penitência. Afinal, somos solidários. Sofremos e ganhamos juntos. Essa é a relação que nos une.

A equação é simples e de uma lógica elementar.

Supomos – suposição muito suportável – que grande parte das campanhas que estão no ar hoje foram exaustivamente testadas e aprovadas. Na boa, quem afirmaria que, na média, a propaganda que vemos, hoje, é boa? Sem aquelas clássicas respostas de que o que é bom para a gente não é necessariamente bom pro povo (ou pro target), olho no espelho, você com você – ninguém está te ouvindo – anunciante, publicitário, pesquiseiro: você curte, vibra, se emociona, dá risada no break?

E quando tudo foi testado e aprovado mas os resultados esperados não são alcançados, onde diabos se escondeu o instituto que recomendou aquela porcaria que está no ar?

Ah sim, a culpa deve ser da mídia, do atendimento, da criação, dos concorrentes, do governo, da borboleta que bateu asas no Japão.

Pois, se há justiça, que tal se os institutos de pesquisa, de tanto poder que lhes é conferido, compartilhassem conosco – agências e anunciantes – o calvário até o juízo final? Inclusive na remuneração.

A menos, claro, que a pesquisa seja apenas um ass shield para indecisos, covardes ou medíocres. E sabemos que não é – ou não deveria ser.

Enquanto a senha não vem…

Eu queria propor um debate e que venham os polemistas de plantão.

Imaginemos que a gente possa planejar mídia por conteúdo. Ao invés de centrar nossos planos por veículo, a gente comece pensando nos seus conteúdos.

Vamos pegar um exemplo clássico. O seriado Lost é assistido por muita gente: alguns na TV Globo, outros no Terra, outros baixam da Internet, e mais um punhado olham picado no Youtube. Tem ainda quem além (ou ao invés) de assistir só fica bisbilhotando (ou lambendo) os blogs que comentam o seriado ou aqueles que só lêem as resenhas dos seriados. E tem os doidos que fazem tudo isso e ainda criam outras histórias paralelas, livros paralelos, quadrinhos paralelos, vídeos paralelos.

Muito bem. Se a gente pensar primeiro no conteúdo porque ele é pertinente com o conteúdo publicitário que eu quero para a minha marca, em que mídias anunciar? Que espaço comprar? Talvez nem todos sejam compráveis, mas é possível imaginar um jeito de se associar à maioria desses pontos de contato. E também é possível imaginar que todas as audiências podem ser mensuradas para justificar o investimento.

Quanto ao meu conteúdo “publicitário” se ele for apenas “afim” (que tem afinidade) talvez mais simples e efetivo fosse fazer um “product placement”. Resolve a questão da audiência máxima e pertinente.

Só não resolve a sagrada separação entre o que é puramente editorial e o que é comercial.
E aqui está o X da questão (e não aqueles X jurássicos).

Como é que eu faço para conseguir estar “junto” com todas as “mídias” que veiculam o conteúdo que interessa sem ser promíscuo? Porque é certo que, ainda que seja possível, é muito provavelmente inviável porque caro demais. Já imaginaram a quantidade de gaiato leiloando seu conteúdo “Lost related”?

Talvez, nesse X esteja o caminho da verdadeira renovação criativa.

Talvez a gente devesse criar “de acordo” com essa afinidade de conteúdo outro conteúdo, complementar.

Talvez a gente devesse ser capaz de criar conteúdos tão pertinentes e impactantes quanto Lost, associados com uma marca.

Talvez a gente devesse criar conteúdos publicitários para cada um dos pontos de contato possíveis.

E talvez tudo ao mesmo tempo.

Sacaram o desafio e como nosso ofício pode ser excitante?

Sugiro abolir a palavra mídia

Em tempos de fragmentação dos meios; veículos noticiosos, veículos noticiosos de esporte, de culinária, de automóveis, de gatos siameses, veículos técnicos, veículos técnicos de esporte, culinária, automóveis, gatos siameses, veículos de fofoca, veículos de fofoca esportiva, gastronômica, automotiva, felina do Sião; que sentido faz classificá-los ainda pelos seus dispositivos de recepção: Revista, Jornal, Rádio, TV, Internet?

Em tempos de convergência dos meios; rádios que estão nas ondas e na Internet e na TV, jornais que estão no papel e nos bits e na TV, revistas que estão em todos os lugares e blogs que viram programa de televisão que viram programas de rádio, propagandas que viram filme que viram game que viram blogs que viram sites de jornalismo colaborativo que viram livro; que sentido faz classificá-los ainda pelos seus dispositivos de recepção: Revista, Jornal, Rádio, TV, Internet?

Sempre que nos perguntamos “para onde vai nossa verba”, é uma simplificação preguiçosa dividir os investimentos da forma que fazemos.

Mesmo que a gente raciocine em termos de “atitude” do receptor diante da mensagem, TV – anestesiado; Internet – excitado; Jornal – desperto; Revista – sintético; ainda assim o raciocínio é no mínimo raso porque quem garante que a TV não pode excitar, investigar, opinar? Ou a Internet hipnotizar, adormecer, manipular?

Da mesma forma, não significa mais nada dividir o bolo publicitário em tipos de mídia, assim como não significa mais nada falar em verbas de comunicação por meio, ou discutir se agências de propaganda devem ser especializadas nessa ou naquela plataforma de comunicação. Soa quase ridículo dizer que um redator é melhor em “off-line” e idiota em “on-line”, um planejador que manja tudo de internet e nada de experiência de marca, um mídia que sabe fazer “x” e incapaz de programar palavras chaves ou contratar blogueiros. E se não é ridículo, é no mínimo, um mínimo inaceitável hoje.

Um veículo de comunicação não limita mais sua atuação ou se o faz, é uma opção poética. Dizer que O Globo é só papel é ofensa grave, gravíssima. Dizer que a Rede Globo é um entretenimento de sofá, idem. Um anunciante não é um anunciante de TV ou de Jornal. Uma agência – ainda que persistam as irritantes separações de disciplinas – não pode ser uma coisa tão pequena, terra de especialistas bitolados e caretas.

Porque um veículo de comunicação é uma marca antes de ser uma mídia. Um anunciante, idem. Uma agência, várias.

Porque um veículo de comunicação é um conteúdo antes de ser uma mídia. Um anunciante, idem. Uma agência, vários.

Vamos fazer planos de mídia por marca e por conteúdo.

Vamos trabalhar os conteúdos das marcas e não esse onanismo metafórico que consiste em inventar atributos emocionais e posicionamentos que mais parecem xavecos desastrados.

Vamos criar idéias e não filmes, anúncios, banners ou eventos.

E vamos também desistir de vez em chamar as pessoas de consumidores. Que palavrão!

Blogo logo blogo

Deve haver um google de blogs na Internet. Estima-se que a cada minuto, a blogosfera vai parir um novo speaker corner mundo afora. É sem dúvida uma das mais fantásticas ferramentas de livre expressão de que se tem notícia na história da humanidade. Os blogs desafiam as leis, a imprensa, as corporações, as individualidades. Colocam em xeque a história, as verdades canonizadas, o tempo e o espaço. Destroem e edificam reputações, mitificam e aniquilam personalidades, falsas ou fictícias. Provocam catarses, subvertem as éticas, elaboram conspirações subterrâneas.

Essa onda é o consciente coletivo da era de aquário.

É tão assustadoramente revolucionário que por vez submerge nossa auto-estima e segurança. A blogosfera, filha atomizada da imprensa, destrona seu poder.

Para que espécie de humanidade caminhamos? Uma humanidade de infinitas opiniões e debates? A blogosfera é a expressão mais extrema da democracia ou da mais enebriante anarquia?

E se tudo não passasse de um fim de tudo? A volta ao caos?

Mas não percamos o sentido da crítica e da polêmica.

Não existe nada mais infértil do que a imensa maioria dos blogs. Falo desse moto-continuo de repetição poluidora. Blogs e mais blogs que são o espelho deformado uns dos outros. Um tosco copy-paste. Um “blogo logo blogo”.
Na defesa dos blogs, poderíamos invocar a função curadora dos conteúdos postados. Sim, cada blogueiro é um curador de conteúdos e a deliberada e raciocinada escolha é, ou poderia ser, em última análise, a expressão de uma opinião.

Mas a tentação e simplicidade do recurso é tamanha que tenho lá minhas dúvidas da honestidade ou consciência do raciocínio.

Não caberia, porque quixotesco, elaborar um manifesto anti-blogosfera. Não caberia tampouco porque os Blogs são a alforria da opressão, da desigualdade e das injustiças.

Não caberia porque “blogo logo existo”.

Talvez, no entanto, seja oportuno revelar ou ressaltar a enorme oportunidade que, a livre manifestação, através da blogosfera, suscita.

Talvez seja oportuno apelar e dizer que os blogs são, antes de tudo, um fermento do raciocínio e do pensamento, das idéias, dos argumentos, da imaginação, da poesia.

Ao invés de reproduzir ad-perpetum informações, muitas das quais “anonimizadas” voluntariamente, que tal ser mais antropofágico? Digerir antes de copiar. Enfim, usar o cérebro.

Assim talvez, possamos mais frequentemente dizer “penso logo blogo”.

A propaganda e o sufrágio do povo

Pergunta: O que é um trilobita?

(Segundos de espera.)

Resposta: “Trilobites are extinct arthropods that form the class Trilobita, blalablá”.

Para que serve saber, em tempos de acesso universal e democrático à internet? Para que serve armazenar o saber em tempos de Wikipedia?

Ainda que cautelosos ludistas desconfiem das definições democraticamente construídas, antes o saber bocejava na ponta dos pés das bibliotecas. Hoje, fustiga na ponta dos dedos, na ponta da língua.

É que a tese é simples: além de orgânicas, definições são o referendo do infinito coletivo. A mentira não resiste muito tempo ao sufrágio de milhões. A manipulação, tampouco.

A propaganda manipula. E manipulará cada vez menos.

As enciclopédias elaboradas por doutos especialistas falharam irremediavelmente nas suas missões de divulgação do conhecimento e atualização.

A propaganda, criada por sensíveis profissionais, pode falhar dramaticamente na sua missão de sedução e convencimento.

A propaganda de meias verdades ou mentiras superlativas, excessivamente explícita, dramaticamente primária, gritando, cantando e martelando incessantemente com palavras de ordem, crenças laboratoriais e repetição massificada, tem os dias contados.

Essa é a velha propaganda, uma propaganda que insiste em manipular, da forma mais básica, um consumidor cada vez mais arredio, disperso, crítico e com capacidade própria de exponenciar sua opinião.

Se ontem a gente tinha que crer a priori por falta de possibilidade de expressão, hoje a gente desconfia a priori, porque a gente tem o poder de denunciar publicamente e sem intermediários. E isso derruba reputações, como uma bola de neve pequeninha no cume da montanha aniquila uma aldeia no vale.

O prazo de validade da propaganda é proporcional à velocidade de popularização das opiniões. Ou seja, muito curto. Se a mensagem agradar, sua eficiência é retumbante. Se desagradar, seu fracasso é desastroso.

Mas a propaganda tem mais animadores rumos, apesar dos tropeços, das inseguranças e da caretice.

Propaganda deve ser conteúdo, entretenimento, manifestação cultural ou pura informação. Sempre que ela for percebida de uma forma ou de outra, ela será apreciada na medida de sua qualidade, sem o risco do opróbrio.

E sempre que ela raciocina pelo parâmetro do mais tapado, ignorante e passivo dos consumidores, vira piada e vexame.

Colaboration Tabajara

Está tão na moda pedir a opinião ou colaboração dos consumidores em tudo que já não dá para saber se é uma questão de modismo, ou de falta dele. Se é uma questão de tendência ou de falta de novidade. Se é uma preocupação com a opinião dos consumidores ou simplesmente um álibi para justificar um achismo.

Qualquer que seja o motivo, os modismos, tendências, novidades, preocupações e opiniões serão profunda, exaustiva, cacetemente pesquisados. O que significa que tudo irá sair exatamente como alguns punhados de especialistas – a saber os infelizes que raciocinam sob a batuta de roteiros de pesquisas – aprovarem. O que significa também que a gente poderia perfeitamente dispensar os consumidores de suas idéias. Até porque eles não ganham nada com isso. Até porque a gente ganha.

Sempre se pediu a “opinião” ou “colaboração” dos consumidores, de forma indireta, é certo, mas que diferença faz? Que diferença faz pesquisar antes ou antes e depois? Ou antes, depois, depois do depois e depois do depois do depois? E pensando bem: o que tem de novo? Nada a não ser a tardia adesão a uma idéia de alguns revoltosos polêmicos (como esse que vos fala).

A idéia não era bem essa. A idéia não era – nem nunca foi – pedir uma força para o consumidor. Só dizia-se que agora o consumidor é mais ativo, é espectador e emissor, é consumidor e propagador, é público e mídia.

A idéia era dizer que a gente precisa ficar ligado, atento, de orelha em pé porque as pessoas não engolem mais caladas. Que as pessoas reagem rápido e de forma as vezes arrasadoras. Só queria dizer que a gente tem que saber responder, dialogar, revidar até.

A idéia era também que a gente tem que pedir colaboração onde a colaboração faz algum sentido. Onde existe espaço e ferramentas para tal. Me engana que eu não gosto.

A idéia era dizer que tem coisas que tem que ser decididas, corajosamente, top-down. E também que cada um tem que ficar no seu galho. Quem cria cria e quem consome consome. Mesmo que quem cria consome sempre e quem consome agora cria. Democracia tem limites.

No final, o que interessa não é quem criou mas o que se criou. Ou será que o fato de ter sido feito pelo consumidor vai desculpar a porcaria, o lugar comum, a vulgaridade?

Como a gente perde tempo com a opinião alheia!

Magias e vilanias

O mundo é difícil. Quando tudo parece alcançar o fundo da fossa, força-se mais um pouco. E cá estamos submersos por alguns palmos adicionais de lama. Quando não é o sistema com seus dínamos e freios, é sua dialética, com revoluções e sangue. Quando não são as heranças, seus orgulhos e chagas, é a natureza com suas forças e catástrofes. Quando o vizinho empresta açúcar, ele compra um carro melhor que o nosso. Quando não é Deus, adorado e temido, é o ser humano, sábio e danado.

Porque são maniqueístas nossos valores e egoístas nossos sonhos, preferimos conhecer o pior, o mais vil, o infeliz. Pangloss às avessas: “Tudo poderia estar pior, no pior dos mundos possíveis”.

Que venha a Futura. Um registro dinâmico das magias transformadoras no Brasil e no mundo. Uma aposta contra as vilanias do cotidiano perverso. Um sonho que comemora 10 anos de vida.

Mas o Futura é televisão. Televisão! Filha servil do capitalismo, trituradora de opiniões, manipuladora, escrava de interesses.

O assunto, porém, é propaganda. Propaganda! Neta diabólica do sistema, sem vergonha de vender-se às leis do mercado, messalina, soberba, vaidosa, rica.

Para a F/Nazca, o desafio era tão excitante quanto grandioso: fazer a primeira campanha publicitária da próxima década do Futura.

Mas assim como Futura não é só televisão, a F/Nazca tem a pretensão de não ser apenas uma agência de propaganda.

Quanto maior a sintonia de valores, maior a excitação: se o Futura, pode ter um papel transformador na sociedade, a propaganda deve levantar polêmicas inteligentes. E nada mais polêmico do que exercitar as enferrujadas cartilagens da crítica ideológica: quem disse que a televisão embrutece? Quem disse que a propaganda é burra?

Através de seu eloqüente exemplo, o Futura está acima de qualquer suspeita. E, seguro de sua fé no meio, a campanha de aniversário dos 10 anos do Futura tem a ambição de defender e posicionar a TV.

Você liga o Futura e se liga para enfrentar o mundo, suas magias e vilanias.