Category Archives: Ex-crianças

Deus hoje pela manhã

Se Deus existe, ele tem que saber.

Saber da força da Terra, musculoso polvo de tentáculos infinitos. Ele tem que saber que são falsos os discursos, que são impuras as intenções, que são mentirosas as comunhões. Deus tem que saber da traição, do ciúme, das feridas perenes.

Se Deus existe, ele tem que ver.

Ver que crianças morrem no berços do egoísmo, que velhos choram de futura saudade, que, entre eles, homens flagelam-se de cegueira. Ver o deserto a galope, a floresta leprosa, o mar de secas lágrimas, o céu desfocado. Ele tem que ver que tudo é assim e pronto.

Se Deus existe, ele tem que aprender.

Aprender que o homem não é seu filho e que a fé é improvável bóia. Que transcendência e sobrevivência são de eterno divórcio. Deus tem que aprender que a morte é ruim, feia e apavorante. Aprender a falácia da salvação.

Se Deus existe, ele tem que crer.

Crer no sonho do homem, na ternura involuntária, no amor reflexivo, no afeto incontrolável. Crer que a humanidade é inocente e que, de sua transparência ingênua, nasce o humor de nascer, viver e morrer. Deus tem que crer no homem.

Se Deus existe, ele tem que viver. Se Deus existe assim, então, acho bom.

Do céu que nos diverte

O céu estava cinzento, molhado e pesado. Homens e mulheres, acanhados, fixavam o chão, cumprimentando-se com os ombros, fuzilando olhares distraídos e palavras à-toa. Cápsulas de solidão indo e vindo.

A cidade crescia, zumbia, paria monstros, naufrágios, andróides gigantes espalhando seu óleo de máquina num dócil papel crepom. E os homens, as mulheres, os seres criadores recolhiam-se, mecanicamente humiliados. Utilitários descartáveis pra cá e pra lá.

Mas um ovo caiu lá de cima. Um ovo de galinha caipira. Enquanto ia despencando, o mundo desfilava acelerado. Ele via muitas nuvens e movimentos. Girando, girando, caindo, caindo. Depois veio uma galinha, apressada, de bico no prumo da queda, seguida por um dragão faminto, no balanço de uma língua enorme.

O ovo, a galinha e o dragão riscavam o vento, descendo perigosamente em direção ao asfalto povoado.

Nenhum humano viu nada quando a galinha recuperou sua futura prole, quando o dragão engoliu tudo de uma lapada só, bateu asas e sumiu.

Mas uma cadeira caiu lá de cima. Uma cadeira de madeira e palhinha. Ela rodopiava de pernas para cima mobiliando o ar. Depois veio um criado-mudo vociferando atrás da companheira perdida e um gato gordo, peludo, miando e fungando.

Os três vizinhos apostavam letal corrida na rua hipocondríaca.
Ninguém viu coisa nenhuma e cadeira, criado-mudo e gatão enfurnaram-se numa janela anfitriã.

Mas uma peruca deslizou céu abaixo, encrespando seus fios castanhos no pó suspenso. Depois veio um leque andaluz, com suas rendas esbanjadas e um espelho de mão, caçando os reflexos perdidos.

Ficou por isso mesmo e os vaidosos do toucador passaram em branco. Homens e mulheres da rua nada perceberam.

Só quem viu, só quem se maravilhou, foi o betume da rua, mas ele era mudo e mouco.

Baby

Uma anjo passou voando por cima da multidão aglomerada. Uma velha de profundas olheiras e rasgos na face virou-se e encarou a transparente aparição.

Foi então que ele caiu e perdeu-se na turba contaminada.

A queda, abrupta e incontrolável, dissipou a memória do ser celeste, para sempre. Mas, de susto, ele despertou e viu  tragédia. O anjo caído rastejou na lama, tateou, impregnou-se de sobrevivência. De inveja, de fome, de medo, de ignorância. De sorriso e calor, de desejo e sonho, de pergunta e fé. O anjo perdido arrastou-se na fauna, na formas infinitesimais, no orgânico. Expulso, ele engatinhou nos sulcos e inaugurou virgens cenários.

Atônito, amnésico, perdido, ele procurou, agarrando seus finitos sentidos onde podia.

A anciã morrera naquele suspiro e jazia de braços cruzados, esperança nos lábios.

Um grito parido rasgou o passado, ecoou no porvir. Um baby nasceu, da agonia do fim, da distração de um anjo.

A casinha colorida

Na Patagônia, numa planície que se perde na vista, tem uma pequena casa colorida, com chapéu de fumaça dançando no telhado.

Assim de longe, caminhando pela estrada que corta em linha reta os campos selvagens, é fácil reconhecer a construção solitária. Ladeada por duas magnólias que florescem quando bem entendem, a casinha tem duas janelas azuis e uma porta vermelha.

Ao aproximar-se, percebe-se o poço acocorado no gramado, a clarabóia que beija o céu e a chaminé que rasteja pela parede; o tijolo rosado, os gerânios acrobatas e o parapeito anfitrião. E lá, nas janelas, cortinas entreabertas.

A casinha colorida da Patagônia é hospitaleira. Quando se chega entre os dois minúsculos canteiros de vinha brava, a porta abre-se suavemente e os sinos de latão cantarolam boas-vindas. Na soleira, o capacho amacia-se e o lustre rendado ilumina-se. Na diminuta sala, uma grande poltrona arreganha-se. Nas paredes de madeira, os retratos sorriem. E, da escada que sobe decidida, um perfume almiscarado acena.

Se um dia você se aventurar por aquelas bandas, vá desarmado de curiosidade. Vá só e entre sem perguntas. Suba a escada sem hesitação, sem medo, sem desejo. Lá em cima, tem um único quarto com duas janelas e uma grande cama fofa. Dispa-se sem vergonha, deite-se sem pudor, durma sem despertar.

A casinha colorida da Patagônia é para onde vão todos aqueles que sonham. A casinha colorida da Patagônia é para nunca mais voltar.

Cupido

Um marinheiro barbudo, apoiado numa coluna do templo, alisava seus tesouros. Enquanto ele desembaraçava um a um os fios de ouro, desafinava uma canção de roda. A ruína, amarelada pela sonolência do dia, ecoava em cânone o melancólico estribilho. E adiante, nas rochas que cobriam a encosta da colina, nas dobras secas do vale, no mar cobalto, na bruma algodoada do horizonte, o imenso silêncio paralítico.

Quando o pirata cessou de pentear suas jóias, ele silenciou, acocorou-se e fumou com gosto um longo cachimbo de alecrim. Uma mão no forno de porcelana, outra na longa barba cinzenta, ele observava o teatro do alto de sua amnésia. Onde estava? O que o trouxera ali? Quem ele era? Isso o fazia ressonar e criar caóticos halos de saudade no ar.

No final da grande cordilheira que se arrastava até o oceano, uma sereia dourava-se no sol da tarde, beijando as marolas que ritmavam sua cauda. Ela distraíra-se por todo o dia, seguindo um cardume de tartarugas migratórias, pulando em anêmonas coloridas, alisando moréias malcriadas e telefonando para suas correspondentes asiáticas.

A sereia voltou, então, para o mar e, com água até o nariz, descansou o olhar sobre a superfície lisa, sobre a areia inclinada, a relva selvagem, a cena lírica de sua solidão. Há quanto tempo não via seu amante? Onde estava? O que seria de sua eterna lida? Isso a fazia suspirar e desenhar fios dourados de tristeza no vento.

Um anjo passou, planando sobre a Terra monótona. Ele viu os sinais. Com delicadeza, soprou na fumaça perfumada e alinhavou os cabelos de ouro que bailavam no ar. Por fim, num movimento de seus divinos desígnios, costurou desespero e esquecimento.

Foi assim que foi. O amor não pode errar no vento.

Esperança

Para Neo

Sozinha, considerando, esperando, esperando, esperando, numa cela suja, uma aranha cuspia fios. De memória de aracnídeo, era imemorial a tecelagem da pequena aranha. Cuspia e engolia de volta, dia a dia, à caça de curiosas probabilidades aladas.

Sozinha, considerando, esperando, esperando, esperando.

Penélope era o nome que lhe fora dado pelo último gatuno que povoara de imprecações inocentes os ecos molhados da cadeia. E nos charmes prateados da obra de Penélope, perdidos perdiam-se. Ela, rápida, sofria a reverberação gulosa instantaneamente, corria, embrulhava e comia, composta de sobrevivência. Essa era a espera da pequena aranha.

Só um dia, só um dia, quase no fim, aconteceu diferente. A armadilha estava tesa entre as barras desde cedo. Era domingo, dia de silêncio e sol na rua adormecida. Penélope esperava há dias e, por isso, arriscara-se a mostrar-se para os tementes da justiça. Cadeia vazia não põe medo. Mas a fome era maior que o risco da vassoura do carcereiro.

Sem feira, sem animal, sem murmúrios, nada de pretendentes, e o dia escorregou desesperadamente. Quando o pretume trancou a cela, Penélope dedilhou os fios da teia que suplicaram um límpido vazio. Nenhum ruído, nada de comida. Era a hora de recolher, triste.

Então, quando a pequena desfiou a seda, lá no centro convergente da espera conformada, algo naufragara, sem alardes.

Naquele Domingo lento, Penélope comeu. Mais um Ulisses de araque.

Figueira

Para Marcos

Era um lugar muito escuro e úmido.

Quando nasci, foi aqui que caí, talvez por acaso ou sorte. Dotado de inconsciência mágica, agarrei-me àquele húmus, àquela lama fria. Com todos os reflexos, fiz um voto de permanência e dependência: “Cá fincarei meu destino”.

A floresta me acolheu com resignação e orei por ela com fé.

Eu cresci aqui, entre a rocha pré-histórica e o rio.

Ainda jovem figueira, na mobilidade obscura do destino das árvores, agarrei-me ao cascalho que rolava da montanha, comi da terra, respirei do ar e pacientemente espreguicei-me para cima e para baixo.

A floresta era um fluxo-refluxo, e com ela dialoguei.

Aqui estou, entre a rocha pré-histórica e o rio.

Escuta aqui, os espíritos da floresta.

Bento viajou

Bento viajou muitas estradas, muitos vales, muitas montanhas. Atravessou rios, desertos, fomes e saudades. Bento viajou, mas, quando na cumeeira da idade ele olhou para trás, ele só viu um imenso vazio bagunçado de lembranças. Deu desânimo de continuar.

Do Bentinho, sobraram alguns remendos, raros pique-esconde, escapulidos prazeres. Do jovem Bento, fogos no limite do gozo, experiências tremidas, intenções, vocacões e incertas saídas. Do adulto, poucos amores, suores despencados e gritos amortecidos. Do Bento de agora, lidas  de pescoço arriado, estrias, sobrevivências e inércias incontroláveis.

Quando Bento finalmente cansou, o resgate do passado foi de triste pescaria. Mas cá e lá, no balaio dos anos idos, relâmpagos de verdades deram-lhe forças para ir-se além e morrer.

Bento viajou mais um bocado, mas, já não Bento, ele era mais para sofrer.

Da arte de cozinhar ovos

Para Soraya

Era cedo ainda, a cozinha estava vazia e escura. Uma barata enfastiada procurava refúgio para dormir, e uma mariposa de pijama roncava no teto. A ampulheta descansava na bancada.

A luz acendeu, e Dalva apareceu para preparar o café. A família já não era mais a mesma. Todos tinham ido embora fazia anos. Dona Maricota falecera no ano anterior, deixando seu Fernando sozinho na casa, na cama, na mesa da copa. Havia trinta e dois anos que Dalva era responsável pelo desjejum de seu Fernando: seu chá com um pouco de leite, suas torradas levemente douradas, sua banana assada com canela e seus dois ovos quentes.

Os ovos quentes de seu Fernando eram o meio do caminho entre uma experiência científica de alta precisão e um ritual religioso. Nem mesmo Dona Maricota tinha sido capaz de cozinhar ovos como Dalva. A sabedoria daquela operação dependia basicamente de uma sensibilidade aguçada de avaliação do volume dos ovos, para graduar o tempo de cozimento com a ampulheta. A temperatura da água também era um mistério cuja receita pertencia apenas à velha cozinheira.

Como todas as manhãs, Dalva estava lá. Ela, o sol que começava a espreguiçar-se pelo vitrô da cozinha, a mariposa preguiçosa e a barata barriguda. Os ovos haviam sido cuidadosamente retirados da geladeira na véspera e descansavam perto do fogão. A água ferveu e Dalva colocou com cuidado os ovos no fundo da panela enquanto, com a outra mão, girava a ampulheta.

Os incontáveis grãos de areia branca adormecidos, despertaram, escorregando pelo vidro e despencando na parte inferior da ampulheta, para se imobilizarem novamente.

Dalva puxou o banquinho e ficou observando a agitação nervosa das partículas na parte de cima do vidro. Ela gostava desse momento. Era como se ela tivesse um poder sobrenatural, divino. Todos os dias ela ressuscitava os grãos de areia e os precipitava no grande funil do tempo, até morrerem para renascerem no dia seguinte. Na parte de cima da ampulheta, os grãos vivos apressavam-se para morrer na de baixo. Esse era o destino implacável da vida dos grãos: correr, correr, correr para morrer. E quando o fim chegava, o fim de suas curtas vidas, os ovos do seu Fernando estavam prontos.

Naquele dia, tudo estava igual, exceto por uma pequena mudança, inicialmente imperceptível. Dalva acompanhava os grãos, concentrada, como todos os dias. Mas, aos poucos, pareceu-lhe que os grãos estavam inconformados com seu trágico fim: a parte de baixo da ampulheta tardava em se encher.

O tempo passava, mas Dalva estava distraída: começou a lembrar-se de quando brincava de boi-de-manga no quintal de casa; de quando seu pai saíra com a enxada nas costas, para nunca mais voltar; de quando sua mãe gritara “Jesus”, antes de fechar os olhos; de quando saíra de casa; de quando começara a trabalhar para Dona Maricota e de quando ela morreu como uma santinha, em sua cama rendada. Dalva lembrou de tudo isso e de muita outras que ornaram sua longa vida.

Dalva morreu naquele dia. Apagou-se com o suicídio do último grão de areia na ampulheta.

Só foi chato porque os ovos do seu Fernando passaram do ponto.

Dona Luzia

Para Clélia

Detrás de um pé de romã morava Dona Luzia.

A casa era arrumada, pequena, nem pobre, nem grande. Pelo terraço com cortinas de samambaias, você entrava. Na sala, uma mesa com três cadeiras, vaso de vidro colorido tronando no centro, duas cadeiras de balanço de espaldar alto, um pequeno sofá de cócoras no chão e um grande relógio dourado numa marquesa barroca. Ao fundo, a cozinha asseada, emanava o louro do feijão que fervia pacientemente. Tinha dois quartos na casa, ladeando a sala.

Todos os dias, Dona Luzia esticava a colcha de piquê, limpava o pó da máquina de costura e encerava o vermelhão do piso. Depois, a velha sentava na varanda e contava a idade passar, escondida nas samambaias, no pé de romã, no tempo, na recordações.

Mais tarde, a avó iria beliscar, lavar-se, limpar o fogão, alisar os porta-retratos, chorar um pouco, arrastar-se novamente para o ninho verde e apagar o dia com o terço nas mãos. Mais um dia que passava. Mais um.

Às vezes, tinha visita. Tinha a pressa dos filhos, a pressa dos netos, a pressa do bolo de fubá que esfarelava, quente ainda, entre um bom-dia e um deus-te-abençoe. Mas era só às vezes. De resto, a vida de Dona Luzia não acabava mais de adormecer.

Era assim a vida. Arrumada. Nem triste, nem feliz, nem nada. Um ocaso longo e invariável.

Mas uma vez por ano, todos os anos, era uma alegria. Uma âncora de viver. Era quando o pé de romã desabrochava primeiro, desflorava depois, e uma única fruta persistia, engordava, estufava, esticava-se. Uma única romã insistia. Dona Luzia, de detrás, torcia.

E quando, enfim, a romã explodia sua boca de sangue, dona Luzia gargalhava a sua.

Dingue-Dongue

Quando Peter despertou, a cidade ainda dormia embrulhada em seus sonhos. Era seu turno. Em uma hora ele deveria estar no campanário e dependurar-se na corda, para tocar o grande sino. A rua estava deserta e restava-lhe, como todos os dias, um tempo para deslizar preguiçosamente ao longo dos canteiros, passando em revista os lírios cerrados.

Quando ele chegou à porta da igreja, a luz do dia nascente dourava os apliques de cobre, as dobradiças e a fechadura. Ele tirou a pesada chave do bolso. O batente cantou suavemente e Peter acompanhou suas modulações, entoando um salve regina. Ele retomou a estrofe diversas vezes, ao som do rangido melódico da porta.

Na igreja, o capelão ajoelhou-se de frente para a nave e, com fervor sincero, fez o sinal-da-cruz. Caminhou, entre os bancos, ritmando seus passos com a mão que batucava nos genuflexórios. No altar, ele esticou a toalha de linho, massageando a pedra fria, ordenou o missal entre os dois candelabros e acariciou a cruz, alongando os músculos do cristo de marfim.

O sol já tingia a grande rosácea, projetando no solo pequenos losangos roxos. Peter brincou um pouco com o dorso da mão, interrompendo os feixes de luz que despencavam dos olhares vítreos dos santos.

Ele atravessou a sacristia, circundando a mesa de madeira, as poltronas, os cabides paramentados, os tocheiros de procissão. Na parede, o velhinho sorriu para a grande virgem e contentou-se com o rosto saudável do rebento aureolado que desacansava em seu braço.

Peter dirigiu-se, para o fundo da sala e sentou-se um instante no pequeno órgão, mas eram quase inaudíveis as pequenas notas metálicas que ele extraía do instrumento. Ele levantou-se, abriu a pequena porta e infiltrou-se no diminuto espaço do campanário.

Foi, então, que ele finalmente tomou a corda do sino e despertou a cidade para as matinas. Peter alçou-se, contrapesando seu corpo frágil com o badalo reverberante do sino de bronze.

E ele cantava, cantava, cantava. E ele dançava, dançava, dançava. Como um cuco de carne, osso e devota paixão.

Peter era só um homem que gostava de tocar sinos. Era isso.

Além das cartas

O carteiro estava com a mão enfiada na bolsa e com muitas caretas sem graça, indicava que havia novidades.

–    Vai logo, desentoca logo, seu Horácio.

Era sempre a mesma piada. Ele fazia mil trejeitos e gracejos, mil malandragens, para finalmente entregar um catálogo sem graça, um calendário, uma conta.

Fabíola esperava uma carta. Uma não, muitas. Fabíola esperava.

Todos os dias ela escrevia, na solidão do tempo morto, as mais protocolares das missivas, as mais apaixonadas, as mais irreverentes, formais, queixosas, ao sabor da caneta que riscava cuidadosamente o anuário telefônico. Ao sabor dos nomes, ela criava os contextos e fantasiava. Fabiola já chegara na letra “f”.

Mas a algibeira de seu Horácio era decepcionante.

–    Aqui está, ó menina, um peixinho para você.

Fabiola rastejou nervosamente no quintal, automaticamente, estendeu a mão, pegou o envelope e despediu-se do carteiro.

“Prezada Fabíola,

Muito obrigado pela sua carta.

Ela me trouxe um alento, uma carícia quase.

Não a conheço, não sei por que me escreves, talvez nunca receberás meu espasmo de felicidade. Pouco importa.

No entanto, agradeço suas palavras, agradeço o título, e agradeço o maravilhoso anonimato assinado.

Eduardo”

O susto foi grande, desfalecedor, pela primeira vez em milhares de sulcos no papel, nos olhos, no quintal.

Fabiola escreveu para Eduardo.

“Caro Eduardo,

Obrigada eu. Muito obrigada. Há anos escrevo e nunca me responderam. Nunca.

Você foi o primeiro que ousou romper a barreira das apresentações, das convenções, das distâncias, das sintonias e aparências.

Há anos escrevo cartas para pessoas que não conheço, mas sinto. Pessoas que não vejo, mas com quem sonho. Gente que existe e que adoto, solitariamente.

Fabíola”.

O carteiro estava com a mão enfiada na bolsa e com muitas caretas sem graça, indicava que havia novidades.

“Fabiola,

Eu também.

Eduardo.”

A obra

Era fértil a terra, verdejante, aguada. Onde alcançava a vista, além das margens serpentes do rio, torsos de cobre arrastavam, talhavam, edificavam, nobres construções. O calor abafado suava os canteiros que trepidavam sob o chicote e os gritos dos capatazes. Homens e mulheres, crianças e animais oravam no trabalho para sua fonte de luz, seu sol, seu deus.

E no alto de um observatório lá estava ele, o grande faraó Amnesiotep III, da quinta dinastia, manejando, orquestrando em insondáveis imprecações místicas seus tementes mortais.

À sua volta, plantas, maquetes e servis arquitetos, espalhados no chão, idealizavam um vasto tapete mágico de adoração e pedras.

Amnesiotep III tinha vivacidade mas antes de morrer, expressara o desejo de cicatrizar o reino com sua marca.

Já se iam anos de trabalhos e esforço para erigir a mais grandiosa e perene das obras jamais construídas.

Mas deu tão certo quanto se sonhava. Por causa da profecia.

Amnesiotep III deitou-se uma noite, à sombra de uma tenda, no chão e sonhou. Sonhou com uma grande nuvem deslizando no céu. Uma nuvem não, uma águia. Um águia não, um cometa. Um cometa não, um capacete de ouro. Um capacete não, milhares deles formando incontável exército. O faraó despertou, molhado e apavorado. Os sábios oráculos foram imediatamente convocados e consideraram triste profecia.

Disseram ao faraó que ele seria invadido por um poderoso exército que deitaria o império de mãos suplicantes para o céu, no sangue, na pena e no arrependimento.

O crédulo Amnesiotep III, naquele dia seguinte, dirigiu-se a seus ministros, generais, sacerdotes e familiares numa  solene abdicação. Ordenou ainda que sua carcaça subitamente tremelicante e moribunda fosse imolada diante do mais abjeto e estropiado dos escravos.

Fez-se a vontade do chefe. Mandou-se chamar um hebreu rastejante.

Amnesiotep III, filho do sol, entronado com majestade, olhou para o homem, curtido e velho. Dirigiu-lhe então a palavra e mandou que lhe dessem uma lança afiada.

–    Hebreu, mate-me.

Mas o demente mal tinha força para levantar a face e, com os olhos fixos no chão, respondeu.

–    Por quê?

O faraó, contrariado com a impertinência, levantou-se.

–    Por que não queres me matar Por quê? Mate-me, que libertarei seu povo.
–    Não.
–    Por quê?
–    Porque não tenho motivos nem forças
–    Deves matar-me. Salve-se e salve sua gente. Mate-me.
–    Por quê?
–    Por que o quê?
–    Por que matar-te?
–    Porque quero.
–    Por que queres?
–    Porque devo.
–    Por que deves?
–    Porque está dito.
–    Por quê?
–    Porque eu sonhei, anunciou-se.
–    Por que sonhou?
–    Por quê?
–    Por quê?
–    Sim, por quê?
–    Por que o quê?
–    O que o quê?
–    Esqueci
–    Esqueceu?
–    Sim.
–    O quê?
–    O que o quê?

E foi assim que nasceram os porquês das coisas, das obras, do suor, dos sonhos e da morte. Não tem por quê.

A lida

Depois de muitas décadas, ela olhou para trás e assuntou: “Afinal, pra que tanta lida?” E olhando arriba, ela via um corredor, estreitando-se, num aperto só.

O inventário não era tão miserável assim. Tinha aprendido muita coisa, tinha criado filhos e galinhas, sevado uma coleção de amizades e paixões. Tinha também deixado marcas aqui e ali, enfeitadas e por vezes dolorosas cicatrizes. Mas a lembrança estava certa: “Eu fui o que fui, ara!”.

Mas com seus olhinhos vincados, ela continuava pelejando para frente, observando e sulcando o caminho.

Nem era fastio de viver que nem a Dulce e a Juvena. Essas sim já estavam é arrotando terra sete palmos pra baixo. Coitadas, mortas-vivas.

Também não era aquele desespero, aquela fome de goela arreganhada mais. Que nem ela era lá pra trás. Ela ainda sacolejava curiosidade, tomando tento pela vida.

E como os dias passavam, ficava para trás o que era pesado para arrastar, mas lá na frente, depois do corredor que afunilava suas vistas, tinha um jardim com beiral florido.

Quando a velha fechava os olhos era pra regar os brincos-de-princesa, as glicínias, as comigo-ninguém-pode, as sempre-vivas lá do jardim. Era bom saber que lá, lá pra trás só ficava o que ficava pra trás. Já lá na frente, tinha um gramadinho gostoso, verdinho, uma cadeira de balanço, um caramanchão debruado de primavera e jasmim-borboleta.

O que ficou, ficou. Mas o que deu pra levar lá pro quintal de riba, era um sossego, só de lembrar. Seus amores, seus filhos, suas galinhas, suas modinhas e também o Sebastião, ranzinza engomado de noivo. E muita prosa, muita história, muitos mistérios.

Se ela morresse, um dia, tinha a casinha plantada lá, com seus dois pés de romã carregados. Ela sabia e sorria, a velha, muitas décadas na lida de viver.

Angustus

Acordou e dormiu. Acordou e dormiu. Até que acordou de vez. Sentou na cama. Esticou os braços até os dedos do pé. Apoiou os cotovelos nos joelhos, apoiou a cabeça nas mãos. Dessarrumou os cabelos e esfregou os olhos. Levantou e sentou. Levantou de novo e sentou. Fechou os olhos e deitou. Apanhou as pernas contra o peito, de lado. Espreguiçou-se mais uma vez e sentou-se na cama. Abriu os olhos e chorou.

Levantou-se enfim. Calçou os chinelos, puxou a calça do pijama acima do umbigo e arrastou-se para fora do quarto. Lentamente. No banheiro, esvaziou a bexiga e olhou-se no espelho da pia. Arregalou, estapeou-se e chorou.

Sentou na beira da banheira e apoiou os braços nas pernas. Fitou o piso quadriculado. Esticou as pernas, dobrou-se para frente, segurou as coxas com as mãos. Franziu o cenho, torceu a boca, apertou os dedos na pele e chorou.

Voltou para o quarto e ficou de pé, junto à porta. Acocorou-se. Dobrou-se todo e enfiou a cabeça entre as pernas. Sentou-se em posição fetal. E ficou assim. Chorando.

A claridade do dia iluminou o quarto, lambeu o chão, as paredes e seus artelhos gelados. A luz deslizou pelas pernas dobradas, pelo peito arfante, pelo cabelo desalinhado. Levantou o rosto e chorou.

Foi tudo o que conseguiu fazer naquele dia. Nada a não ser chorar. De soluçar.

No dia seguinte, acordou. Acordou e levantou. Banhou-se, comeu e exercitou-se. Foi trabalhar, comer de novo e trabalhar mais. Foi ao cinema, jantou com os amigos. Na porta de casa, à noite, abraçou, beijou e não chorou.

Dormiu e sonhou. Até despertar novamente e continuar a viver. Assim. Às vezes chorando. Às vezes não. Sem saber por quê.

Espelho meu

Quando sai de casa, numa bela manhã florida, dei de cara com uma mulher desdentada, com o cabelo arreganhado e a pele cravejada de espinha. Uma visão dos infernos, coitada. “As noites mal dormidas tem a propriedade de perpetrar os pesadelos para além das portas do sono”, pensei. Segui adiante pensativo

O que será que ela teve? Que ausência de vaidade absoluta. Mas e aquele brinco espalhafatoso na orelha?

Enquanto ruminava considerações psico-socio-caritativas a respeito da infeliz, parei numa esquina esperando passagem para atravessar a rua. Distraído, virei-me para os lados: um gordo com cara de fuinha e franja sebosa à minha direita, uma loira lavada com olhos despencados e nariz de bola do outro lado ou ainda um adolescente cinzento de olheiras esverdeadas.

O sinal abriu e continuei circulando em meio àquele insólito pátio dos milagres. Nunca tinha visto tamanho atentado ao bom gosto, ao pudor estético. Nunca tinha percibido tanta miséria concentrada. Meu coração escorregava de comiseração. Mas aos poucos aquele desfile de espectros disformes contaminou me de ansiedade e nojo. Acelerei o passo e tropecei numa perna esticada no meio da calçada. Apoiei me com as mãos e enquando tentava levantar-me, pedindo desculpas ao dono do membro purulento, ele encostou no meu ombro.

Uma trocado para um pobre infermo

A visão daquele rosto dilacerado de sofrimento me proporcionou tamanho espanto que fugi dali, engolindo os joelhos e ganindo como um cão.

Concentrado, não levantei mais a cabeça e corri muito tempo até perder o fôlego. Apoiei numa parede para recuperar-me. Quando a vida retornou no meu peito, de solslaio, ensaiei olhar para os lados. Aquela rua estava praticamente deserta. Um taxi despontou na esquina. Acenei e logo eu já estava no interior do carro indicando minha casa.

O veículo percorria as ruas que desfilavam lentamente através do vidro. Depois de poucos minutos, ele estacionou. Fixando a maçaneta da porta, estendi umas notas para o motorista e desci sem olhar para trás.

Escalei os degraus correndo, entrei em casa, precipitei-me no banheiro, chequei o espelho e saí novamente. Pimpão e cheio de auto estima.

Que bom que tem dias assim. Dias que o mundo parece horrendo demais para nós que somos formosos como a diáfana tez de uma manhã florida.

Ai que preguiça

Preguiça de sair do lugar e preguiça de não sair. Preguiça de pensar se devo ou não fazê-lo. Preguiça de pensar nessa preguiça.

Hoje de manhã, o sol nasceu lá atrás de um teatro de sombras quadrangular. Uma neblina fina projetava sua luz por entre os prédios, atravessando as vidraças. Era bonito. E enquanto o dia se espreguiçava no horizonhe, pensei nela de novo.

A preguiça de acordar de manhã. A preguiça de ficar na cama. A preguiça de levantar. De decidir. A preguiça de não decidir nada e de ficar só na preguiça.

Olhando para os lados, as pessoas caminhavam no frio. De suas narinas uma névoa de fanasma saia aos borbotões, misturando-se ao ar farinhento de uma manhã de maio. Era curioso de se ver. E aos poucos, as pessoas despertavam. E lá veio ela de novo.

A preguiça da rotina. A preguiça de que rotina trás preguiça e que agir não é antidoto. Preguiça de quebrar a rotina. Preguiça de um longo dia que quando acaba ficou curto.

Mais tarde o sol aqueceu aquela humidade vaporosa e os vultos ganharam forma de gente. Aos poucos todos eram pessoas diferentes que se agigantavam. Iam trabalhar. Chacoalhar a espuma dos sonhos e o torpor dos músculos.

O dia se foi, como uma bolinha de neve que vai crescendo quando desliza ladeira abaixo. Crescendo e acelerando, acelerando, acelerando, e quando não há mais declive, a imensa massa se espatifa no muro. E fica tudo como antes. Inerte.

Talvez preguiça seja a mesma coisa que inércia. Mas se há força na inércia – força da gravidade, que seja – talvez haja força na preguiça.

Quando o dia acabou, quando o sol apagou-se e foi dormir atrás do teatro do mundo, voltei para casa, sob a lua que se esticava no céu cristalino de maio. E lá veio a preguiça com toda força. A preguiça de viver e a preguiça de não viver.

Mas talvez preguiça seja isso, sinônimo de viver. Como sua força, seu inconsciente reflexo que me faz sair do lugar sem saber para quê.

Morrer um dia, ai que preguiça!

Eternidade de perdão

Olho-te para roubar teu olhar
Toco-te para saquear teu arrepio
Pergunto-te para estuprar tua dúvida
Te amo para armazenar-te,
Te amo para roubar-te

E se um dia acabar,
E se um dia desaguar,
E se um dia, sei lá…
O butim me restará,
O butim que roubei de ti

Meu amor,
Perdoe-me por te amar.
Meu amor,
Perdôo-te por me amar.

A invasão

Ela começou de forma discreta e subterrânea.

Uma criança sentada na beira da calçada brincava com pequenos amuletos de osso, jogando-os para cima. Num determinado momento, os ossos não caíram de volta. O menino olhou para cima e avistou rapidamente uma revoada acelerada. O que lhe pareceu ser um pássaro dera uma rasante por cima de sua cabeça e engolira seu brinquedo rapidamente, enquanto ainda estava no ar.

Em outro canto do planeta, mais ou menos no mesmo momento, uma garota coloria um complicado desenho. Espalhados ao alcance da mão, vários lápis de cera aguardavam o momento de entrar em ação. Sem muito pensar, a menina esticava o braço e apanhava o primeiro lápis que lhe caía na mão. Num determinado momento, ela tateou sobre a mesa e não encontrou nada. Ela virou-se, então, e só percebeu um leve amasso correndo pelo chão. Ela acreditou que num pequeno rato levara suas cores, sem cerimônia.

Não muito longe dali, um adolescente andava de skate numa cidade  deserta, à noite. Suas acrobacias consistiam em saltar, enquanto o veículo continuava a deslizar no chão para finalmente recuperará-lo alguns metros adiante. Ele estava progredindo em suas evoluções, mas, em determinado momento, ele caiu no asfalto abruptamente. O skate não estava mais lá. Tresloucado, ele olhou ao seu redor. O que se aparentava com um gnomo corria pela lateral da rua equilibrando  o objeto de seu furto na cabeça.

Em todos os lugares, cenas desse tipo ocorriam de forma indisciplinada e sem padrão. Por isso mesmo, as pessoas não percebiam que uma invasão sem rosto estava ocorrendo à Terra. Pouco a pouco, as crianças do mundo inteiro eram interrompidas no meio de suas atividades. Seus brinquedos eram roubados das formas mais variadas e fantasmagóricas.

Ninguém se deu conta de nada. Enquanto isso, as crianças consentiam caladas. Apenas fingiam que nada ocorria e alimentavam-se de alguma fantasia sobrenatural. Até que um dia, elas desistiram de vez. De brincar e principalmente de fantasiar.

A humanidade envelhecia. Com o passar do tempo, aos dezessete, quinze, dez anos, as pessoas já trabalhavam. Com trinta, vinte e dois, treze, aposentavam-se. Com quarenta e dois, trinta e nove, dezesseis, morriam.

Uma invasão insidiosa comia o tempo.

Até que um dia não valeu mais a pena nascer na Terra.

A guerra de ninguém

Primeiro, ele se apaixonou pela bunda de Sapoti, e ela, pelo solidéu de Davi. Depois veio o resto. Um dia eles foram morar juntos e era linda a casa dos dois. Tinha um pequeno jardim na frente, um telhado rosado e janelas com venezianas verdes. Sapoti gostava do candelabro de Davi, que ela limpava com cuidado, toda semana. Davi nunca deixava de beijar o peji de Sapoti, antes de sair para trabalhar. As vezes, amigos vinham comer gefiltefish com dendê, uma receita que Sapoti criara para brincar com a mãe de Davi, Frida.

Frida era pequeneninha, rechonchuda e muito divertida quando sentava à mesa, para contar seus “antigamentes”. Suas histórias começavam sempre lá no sul, numa cidade pequena, toda de madeira e fumaça de chaminé. Ela gostava muito de lembrar como conhecera Ivan, seu marido, mascate já falecido. Eles mudaram para a cidade grande quando Davi nasceu. Frida adorava os almoços de domingo, principalmente quando vinha a mãe de Sapoti, Deolinda.

Deolinda era uma negona alta, um pouco tímida, mas cheia de vida. Ela morava longe e nos domingos familiares chegava bem cedinho `a casa de Sapoti. Trazia sempre um cesto de maria-mole, pé-de-moleque ou frutas do quintal. Quando Sapoti e Davi acordavam, a casa já estava cheirando a tapioca. Deolinda era casada e tinha tido muitos filhos, que ela adorava. Mas nada no mundo era mais importante para ela do que seu marido, o pai de Sapoti, Salim.

Salim tinha bigode grisalho e mãos grandes. Era mais velho que Deolinda e, apesar de andar arrastando a perna, todos admiravam sua elegância, principalmente quando sentava ao piano e tocava foxtrote nas tardes de domingo, na casa do genro. E, quando o sol adormecia, Salim fazia chá de hortelã, que todos tomavam com torta folhada de maçã. Mas quem gostava mesmo de Salim era o filho de Davi e Sapoti, Zezinho.

Zezinho nascera dois anos depois do casamento. Ele era um menino muito saudável e era o craque do time da rua. Não gostava muito dos professores e, quando brigava na escola, costumava se trancar no quarto, para desabafar com Pingo, o cachorrinho que Salim trouxera no seu aniversário. Mas os domingos eram sempre dia de alegria em casa, porque as avós disputavam a atenção do garoto. Ele adorava deslizar no colo de Deolinda e apertar o peito de Frida com as mãos.

A vida era simples e calorosa na casa de Sapoti e Davi. E foi assim até o fim. Até mesmo depois daquele domingo quente de verão, quando, sentados no sofá, à noite, todos assistiam ao noticiário. O apresentador anunciou que tinha uma guerra acontecendo lá longe. Ninguém entendeu muita coisa mesmo.

Mas, naquele domingo, quando todos foram embora, quando Zezinho já estava na cama, dormindo nos braços do pai, Sapoti apagou as luzes da sala, acendeu uma vela de Oxalá no candelabro de Davi, pela guerra que ela não entendia, pela guerra lá longe, lá na terra de Salim.